Amadeo de Souza-Cardoso, em carta a Lucie Pecetto, o amor da sua vida.
Ser
amarantina e ainda não ter escrito uma linha sobre Amadeo neste blogue, é quase
pecado mortal, de modo que hoje e quase no final da Quaresma resolvi pôr termo
a esta gaffe impensável para me
redimir e debruçar-me um pouco sobre o garboso e talentoso amarantino de
Manhufe, onde nasceu a 14 de novembro de 1887.
Em
1905,desloca-se para Paris onde, claramente, procura o seu caminho na Arte e
onde depressa troca a arquitetura pela pintura que o haveria de imortalizar.
Afirmava
”Aqui respira-se, em Portugal abafa-se” e, na Cidade-Luz sofre um choque
cultural e visual ao esbarrar com galerias como a Kahnweiler, onde Picasso e
Gris, entre outros, expõem, ou com o Salon d’Automne, onde Cézanne apresenta
uma retrospetiva plena do seu trabalho.
Mais
tarde, instalado já em Montparnasse, o famoso bairro de artistas
parisiense, onde le tout Paris artístico e não só, se encontra, Amadeo enceta diálogos
e aprofunda contactos felizes que o vão acompanhar nas suas vertiginosas experimentações
pictóricas.
Amadeo
e Modigliani, Picasso, Apollinaire, Max Jacob e Ortiz de Zararte expõem, em
1911,no atelier de Souza-Cardoso da Rue
Colonel Combes, com promoção de Brancusi e onde este também participa. Tudo
acontece em rodopio, então. O Manifesto Futurista, de Marinetti, publicado no
Fígaro, os Ballets Russes, de Serge Diaghilev, o XXVIII Salon des Indépendants (onde
participa com três obras), as aguarelas japonesas, tudo isto Amadeo apreende e
transfigura.
Publica
em 1912 os XX Dessins e produz uma ilustração soberba durante a sua estadia na
Bretanha, no Verão de 1912, para a obra de Gustave Flaubert, La Légende de
Saint Julien L’Hospitalier. Aqui entusiasma-se com esta poética literária arte
nova, já posta em prática pelos cenários de Diaghilev. Participa numa exposição
na galeria Der Sturm, em Berlim,1912, e no Armory Show, de Nova Iorque(onde
vende três obras), Boston e Chicago, no ano de 1913.Mas é no XXVIII Salon des
Indépendents que as suas pinturas e desenhos são alvo de rasgados elogios por
parte de Jean Carré, que exalta a”
distinção esguia da sua estilização” e o seu “exotismo” em “hieróglifos de
cores”.
Transita
então do desenho para a pintura, que o passa a ocupar definitivamente e quase
em exclusivo. Afirma “Je travaille…Je travaille comme un animal…Je travaille
vertigineusement…”Modernista, com uma obra multifacetada que passa pelo
impressionismo, pelo cubismo, pelo expressionismo e que aborda igualmente a
estética futurista e até o “non-sense”
dadaísta, Amadeo tudo vive e tudo experimenta. Em Portugal, liga-se ao grupo
Orpheu e em particular, a Almada Negreiros, que o considera” a primeira
descoberta de Portugal na Europa do século XX”. Expõe em Lisboa e Porto, em
1916 e a sociedade burguesa bem como a crítica de então, não o compreende nem
aceita as suas obras. Muito mais poderia dizer…mas deixo-vos apenas com as
minhas obras preferidas. Em linguagem cubista, estas obras deliciam-me pela
sintonia de cores e pela referência nunca esquecida da tradição, das suas
gentes, da paisagem…afirmação de um percurso individualista, em total liberdade
temática e cromática.
Amadeo de Souza-Cardoso, Procissão
Corpus Christi, óleo sobre madeira, 1913
Amadeo,
em carta a Lucie diz-lhe: ”Acabei uma
tabuíta que me parece de bastante interesse: uma procissão em S. Gonçalo de
Amarante. As cores são muito vivas mas tudo está em relação.”
Amadeo de Souza-Cardoso, Cozinha da
Casa de Manhufe,1913
Do
cubismo, afirmou: ”O cubismo é uma
caligrafia mental e literária.”
E esta
Cozinha de Manhufe é ou não é um verdadeiro poema sensitivo, em traço caligráfico
vigoroso, determinado, literário?
Amadeo
teve um tempo de vida muito curto, mas viveu-o intensamente. Pediu compreensão
a Lucie para o seu “difícil” temperamento, que tal como a sua obra “teve mais
fases que a Lua.” Viveu a vida a uma velocidade futurista, em diversificações e
experimentações que quis únicas e muito suas. E também se justificou por isso:
“Há gente que chama ao meu estado uma
pretensão para sair fora do vulgar-que pensem o que queiram, indiferente me
é-eu tenho as minhas razões e bastam. Eu sei o que agrada em geral-eu na
generalidade desagrado. Até certo ponto não é menos lisonjeiro.”
Rosa
Maria Alves da Fonseca
E não é que ele estava certíssimo? Amo este Amadeo de paixão!
ResponderEliminarExcelente post!
Excelente texto, sobre Amadeo de Souza-Cardoso!!! O primeiro Pintor Modernista Português. Amarantino! Gosto muito das pinturas de Amadeo, principalmente, a Procissão em S. Gonçalo de Amarante... "as cores são muito vivas mas tudo está em relação". Lindíssimo! Parabéns.
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