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quarta-feira, 9 de abril de 2014

DA ARTE, DA PINTURA, DE AMADEO DE SOUZA-CARDOSO

  “…é preciso que tu compreendas que tenho mais fases que a lua…”
                                                                         Amadeo de Souza-Cardoso, em carta a Lucie Pecetto, o amor da sua vida.
Ser amarantina e ainda não ter escrito uma linha sobre Amadeo neste blogue, é quase pecado mortal, de modo que hoje e quase no final da Quaresma resolvi pôr termo a esta gaffe impensável para me redimir e debruçar-me um pouco sobre o garboso e talentoso amarantino de Manhufe, onde nasceu a 14 de novembro de 1887.
Amadeo de Souza-Cardoso (1887–1918); Biblioteca de Arte, Fundação Calouste Gulbenkian.
Em 1905,desloca-se para Paris onde, claramente, procura o seu caminho na Arte e onde depressa troca a arquitetura pela pintura que o haveria de imortalizar.
Afirmava ”Aqui respira-se, em Portugal abafa-se” e, na Cidade-Luz sofre um choque cultural e visual ao esbarrar com galerias como a Kahnweiler, onde Picasso e Gris, entre outros, expõem, ou com o Salon d’Automne, onde Cézanne apresenta uma retrospetiva plena do seu trabalho.
Mais tarde, instalado já em Montparnasse, o famoso bairro de artistas parisiense,  onde le tout Paris artístico e não só, se encontra, Amadeo enceta diálogos e aprofunda contactos felizes que o vão acompanhar nas suas vertiginosas experimentações pictóricas.
Amadeo e Modigliani, Picasso, Apollinaire, Max Jacob e Ortiz de Zararte expõem, em 1911,no atelier de Souza-Cardoso da Rue Colonel Combes, com promoção de Brancusi e onde este também participa. Tudo acontece em rodopio, então. O Manifesto Futurista, de Marinetti, publicado no Fígaro, os Ballets Russes, de Serge Diaghilev, o XXVIII Salon des Indépendants (onde participa com três obras), as aguarelas japonesas, tudo isto Amadeo apreende e transfigura.
Publica em 1912 os XX Dessins e produz uma ilustração soberba durante a sua estadia na Bretanha, no Verão de 1912, para a obra de Gustave Flaubert, La Légende de Saint Julien L’Hospitalier. Aqui entusiasma-se com esta poética literária arte nova, já posta em prática pelos cenários de Diaghilev. Participa numa exposição na galeria Der Sturm, em Berlim,1912, e no Armory Show, de Nova Iorque(onde vende três obras), Boston e Chicago, no ano de 1913.Mas é no XXVIII Salon des Indépendents que as suas pinturas e desenhos são alvo de rasgados elogios por parte de Jean Carré, que  exalta a” distinção esguia da sua estilização” e o seu “exotismo” em “hieróglifos de cores”.
Transita então do desenho para a pintura, que o passa a ocupar definitivamente e quase em exclusivo. Afirma “Je travaille…Je travaille comme un animal…Je travaille vertigineusement…”Modernista, com uma obra multifacetada que passa pelo impressionismo, pelo cubismo, pelo expressionismo e que aborda igualmente a estética futurista e até o “non-sense” dadaísta, Amadeo tudo vive e tudo experimenta. Em Portugal, liga-se ao grupo Orpheu e em particular, a Almada Negreiros, que o considera” a primeira descoberta de Portugal na Europa do século XX”. Expõe em Lisboa e Porto, em 1916 e a sociedade burguesa bem como a crítica de então, não o compreende nem aceita as suas obras. Muito mais poderia dizer…mas deixo-vos apenas com as minhas obras preferidas. Em linguagem cubista, estas obras deliciam-me pela sintonia de cores e pela referência nunca esquecida da tradição, das suas gentes, da paisagem…afirmação de um percurso individualista, em total liberdade temática e cromática.
                              Amadeo de Souza-Cardoso, Procissão Corpus Christi, óleo sobre madeira, 1913
Amadeo, em carta a Lucie diz-lhe: ”Acabei uma tabuíta que me parece de bastante interesse: uma procissão em S. Gonçalo de Amarante. As cores são muito vivas mas tudo está em relação.”
                                         Amadeo de Souza-Cardoso, Cozinha da Casa de Manhufe,1913
Do cubismo, afirmou: ”O cubismo é uma caligrafia mental e literária.”
E esta Cozinha de Manhufe é ou não é um verdadeiro poema sensitivo, em traço caligráfico vigoroso, determinado, literário?
Amadeo teve um tempo de vida muito curto, mas viveu-o intensamente. Pediu compreensão a Lucie para o seu “difícil” temperamento, que tal como a sua obra “teve mais fases que a Lua.” Viveu a vida a uma velocidade futurista, em diversificações e experimentações que quis únicas e muito suas. E também se justificou por isso:
“Há gente que chama ao meu estado uma pretensão para sair fora do vulgar-que pensem o que queiram, indiferente me é-eu tenho as minhas razões e bastam. Eu sei o que agrada em geral-eu na generalidade desagrado. Até certo ponto não é menos lisonjeiro.”
Rosa Maria Alves da Fonseca

2 comentários:

  1. E não é que ele estava certíssimo? Amo este Amadeo de paixão!
    Excelente post!

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  2. Excelente texto, sobre Amadeo de Souza-Cardoso!!! O primeiro Pintor Modernista Português. Amarantino! Gosto muito das pinturas de Amadeo, principalmente, a Procissão em S. Gonçalo de Amarante... "as cores são muito vivas mas tudo está em relação". Lindíssimo! Parabéns.

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