Etiquetas

quinta-feira, 24 de abril de 2014

VINCENT VAN GOGH

Telas de Solidão

“Não tenho talento para as pessoas.”
 A frase é de Vincent van Gogh, pintor holandês pós-impressionista e um dos artistas mais incompreendidos de sempre, em vida.
Nasceu a 30 de março de 1853, o homem. O pintor, esse, nasceria mais tarde quando, por volta do ano de 1880, numa manifestação “tardia” de paixão e talento congénitos, Van Gogh tomou a decisão irreversível de viver para a pintura. Já da pintura nunca conseguiu viver e não fora o apoio incondicional do irmão Theo que o sustentou dali em diante até ao fim da sua vida e talvez tivesse sido forçado a arredar o seu sonho em troca de uma atividade com retorno. No entanto, aquela generosidade (que ele entendia sobretudo como um investimento) trazia à contraluz a angústia de que a mesma lhe falhasse algum dia, tornada quase terror quando Theo decidiu casar.
Ainda assim viveu quase sempre no limiar da pobreza, muitas vezes apenas com o bastante para comprar primeiro as tintas, depois o pão.

As suas obras estão hoje entre as mais vendidas e admiradas. Em 1990, o seu “Dr. Gachet” (quadro que retrata o médico de personalidade singular que o acompanhou nos últimos meses de vida) foi comprado pela soma recorde de oitenta e dois milhões e quinhentos mil dólares. Contudo, em vida vendeu pouco mais do que um quadro (sendo o mais conhecido “A Vinha Vermelha”, à pintora Anna Boch), o que o enchia de tristeza.

                                                                                             A Vinha Vermelha

 Numa sociedade sem lugar para a diferença, onde o amor se confinava aos opostos (e não era seguro que a sua sexualidade apontasse exclusivamente para o feminino), a vida, ao tríptico trabalhar, casar e ter filhos e a arte a uma estética académica imberbe o suficiente para apreciar a sua pintura expressiva e plena de carácter, nem os seus o perceberam (exceção feita ao irmão Theo). Não entenderam essa forma de pintar feita de pinceladas curtas, soltas e corredias e tintas espremidas quase diretamente do tubo para a tela em empastes sugestivos ou elipses nervosas, onde o traço era assinatura e as cores deixavam de ser reféns da realidade e amarravam as emoções à tela. De tal modo, que a sua mãe vendeu ao desbarato os quadros que Van Gogh deixou na casa dos pais a um adeleiro (que os revendeu pelo equivalente a dez cêntimos a peça) e os que não conseguiu vender… queimou-os!

                                                                                       

                                                                       Retrato de Alexander Reid


Até os modelos se esgueiravam dele, em desculpas, por não quererem ver-se retratados da forma distorcida, quase caricatural, como liam a sua pintura. Quando no final do trabalho lhes ofertava a obra, faziam dela o uso mais inusitado que se possa imaginar, desde servir de tapume a um qualquer buraco a alvo de setas para os filhos brincarem.
Pintava como quem fugia, com uma urgência animal responsável pela quantidade incrível de quadros que nos deixou em apenas dez anos de produção artística. Houve alturas em que chegou a criar um quadro (e até mesmo dois, na fase final) por dia.
Retratou gente anónima e sofrida em quadros tingidos de escuridão, ao gosto naturalista. Mais tarde, influenciado pela luz dos impressionistas, correu atrás das paisagens clareadas pelo sol da Provença, França.
Fixou-se em Arles, deixou-se seduzir pelas possibilidades pictóricas, mas sentiu falta da partilha intelectual que tinha vivido em Paris e sonhou com uma comunidade de artistas. Atraiu para junto de si o pintor Gauguin (outro autodidata), mas foi o começo do fim. As diferenças, conceptuais (Van Gogh defendia a pintura ao ar livre, finalmente possível pela invenção da tinta em tubo, Gauguin protestava que a arte devia socorrer-se apenas da memória e da imaginação) e de temperamento entre os dois agigantaram-se no insistente inverno de 1888 que os obrigou a passar largos dias fechados na pequena casa que co-habitavam. A tensão fermentou até culminar no episódio em que Vincent se descontrolou e seguiu Gauguin de navalha em punho. Daí até à partida inevitável de Gauguin e ao redemoinho de sentimentos de solidão, desespero e alienação que culminou na automutilação da orelha direita do pintor holandês, foi um passo.
A partir dali iniciou um entra e sai de instituições psiquiátricas que em nada o ajudou. Doente (sofreu crises de alucinação e paranóia que o chegaram a deixar inconsciente) e infeliz, só a sua arte não se ressentiu. Fora algumas intermitências coincidentes com episódios de crise da sua doença mental, Van Gogh nunca deixou de pintar, pintou compulsivamente, com o frenesi próprio do desassossego interno que só na arte serenava. É dessa altura a atormentada “Noite Estrelada”, assim como o poderoso grito de solidão que é “Campo de trigo com corvos.”
                                                         Noite Estrelada

Procurou ir sempre ao encontro das pessoas (até no pormenor de assinar “Vincent” nos seus quadros porque os franceses percebiam mal a grafia “Van Gogh”), deu-se em doses desmedidas de amor, mas a sua vida foi povoada de desencontros.
Foi de esperança em desalento e de desalento em esperança até não poder mais.
A 27 de julho de 1890 disparou um tiro sobre si próprio, arrastando um fio de vida durante os dois dias seguintes, até morrer. A sua genialidade resumiu-a Pissarro quando vaticinou: “esta criatura ou enlouquece ou nos deixa a todos muito atrás de si.” 

                                                     Campo de Trigo com Corvos

Deixo-vos com Don McLean e a música – para mim belíssima - que compôs em homenagem ao pintor: “Vincent”. Acompanha-a um desfile de alguns dos mais belos quadros de Van Gogh.

Maria Vilas

3 comentários:

  1. TELAS DE SOLIDÃO!!! UMA VIDA APAIXONADA! A PINTURA DE VAN GOGH, SOMENTE FOI RECONHECIDA APÓS A SUA MORTE. GOSTEI DE LER, AO SOM DA BELÍSSIMA MÚSICA DE DON MCLEAN. PARABÉNS.

    ResponderEliminar