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quinta-feira, 10 de abril de 2014

ACORDO DE BELFAST


Se há coisa de que a História se lembra pouco é da paz, dos acordos, da reconciliação. Poucos se lembram das suas datas, menos ainda são aqueles que as assinalam. Hoje é um dia desses. Passam 16 anos sobre o acordo de Belfast, também conhecido como “Acordo da sexta-feira santa”, assinado pelo governo britânico e irlandês e apoiado por grande parte dos partidos políticos norte-irlandeses. O acordo pôs fim a um conflito que durou mais de trinta anos e que opunha nacionalistas e unionistas sobre a questão da união da Irlanda do Norte com a República da Irlanda ou da sua continuação como parte do Reino Unido. Alguns meses após a assinatura do acordo, os cidadãos da República da Irlanda e da Irlanda do Norte ratificaram este acordo.

A partir do centésimo dia do ano de 1998, o futuro constitucional da Irlanda do Norte passou a estar nas mãos dos seus cidadãos. Criou-se uma Assembleia da Irlanda do Norte com poder legislativo, o poder passou a ser partilhado, havendo ministros dos principais partidos. As armas calaram-se e foram entregues pelo IRA, os prisioneiros foram libertados à medida que as armas foram entregues; nova legislação sobre policiamento foi aprovada e adotada. 
 


Desde o final dos anos 60 até à assinatura do Acordo de Belfast, em 1998, a Irlanda do Norte enfrentou um período de grande violência política entre grupos armados republicanos e as forças de segurança do Reino Unido, também apoiadas por grupos armados locais. Os grupos armados republicanos – dos quais o mais famoso é o Exército Republicano Irlandês (IRA) – eram compostos maioritariamente por católicos, que desejavam a separação da Irlanda do Norte do Reino Unido e a unificação das duas Irlandas. Por outro lado, os grupos que apoiavam a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido eram maioritariamente protestantes.

Desgraçada e incompreensivelmente esta guerra que durou trinta anos teve a religião como pano de fundo. Protestantes contra católicos. Mais de 3600 pessoas foram assassinadas, cerca de 40000 mil ficaram feridas. Ao décimo dia de abril de 1998, os políticos conseguiram apagar a fogueira que durante décadas a religião ateou. No entanto, as feridas eram profundas e ficaram no coração das pessoas. Ainda hoje perduram. Não são as assinaturas dos líderes, o cansaço das bombas, a vitória da razão sobre o fanatismo que as apagam facilmente. Mais uma vez a inação das Igrejas é chocante.

Ainda há um ano atrás a Amnistia Internacional apelava à criação de um mecanismo que analisasse as décadas de conflito na Irlanda do Norte, de maneira a acabar com as divisões sociais no país. Segundo esse relatório era necessário acabar com a impunidade e responsabilizar quem cometeu violações de direitos humanos. As tentativas de reparar os erros do passado têm falhado na Irlanda do Norte, uma região que ainda hoje está bastante dividida. A falta de vontade política tem impedido que se estabeleça a verdade e a justiça sobre as violações de direitos humanos que foram cometidas por todas as partes envolvidas no conflito.

O acordo de Belfast quis passar uma borracha por cima do que se tinha passado. Não é possível fazê-lo escondendo a verdade das pessoas. A Irlanda do Norte precisa de paz. A paz só se conseguirá com perdão. O perdão implica assumir culpas. O perdão só se consegue com verdade. O tempo ajuda a fechar cicatrizes mas também a desenvolver temores. 

Se a convivência e o pacto entre os líderes políticos têm sido possíveis, o mesmo não ocorre em relação às comunidades. A divisão entre elas ainda permanece acentuada. Em Belfast, protestantes e católicos concentram-se em áreas diferentes da cidade. Bandeiras (da Irlanda ou do Reino Unido) e murais pintados no lado externo das casas identificam e demarcam os territórios.

Há uma década, o investigador Roger MacGinty, da Universidade de Manchester, classificava o processo de paz da Irlanda do Norte como uma situação de “nem guerra, nem paz”, ou seja, existe um tratado de paz formal, mas esse acordo não consegue transformar a sociedade, reconciliá-la. Segundo ele, o acordo pode terminar com a violência direta, propiciar segurança e governança, mas não a confiança entre as pessoas. Segundo este investigador “O fracasso em dar conta das bases estruturais do conflito pode levar à volta da guerra civil. Aceitar essa situação pode condenar os habitantes à violência indireta e à pobreza”. As suas palavras continuam atuais, infelizmente.

Hillary Clinton há um ano deixou a receita: os políticos locais devem trabalhar mais junto às comunidades, nos lugares onde ainda não há o sentimento de esperança com o processo de paz. O processo precisa agora de se tornar mais inclusivo, enraizar-se na sociedade.

E se as Igrejas, Católica e Protestante, fizessem alguma coisinha, também ajudava…

Gabriel Vilas Boas

1 comentário:

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