Os portugueses têm uma relação estranha com a Lei. Estão
constante a invocá-la quando é “furada” impunemente pelos outros, especialmente
se são ricos e poderosos, fazem de conta desconhecê-la quando ela se lhes aplica,
e entendem mal o seu espírito.
A Lei é para cumprir, ainda que seja injusta. No entanto, a
maioria do povo português só a entende quando fica claro, na secção das multas
pecuniárias, quanto custa a ousadia de não cumprir.
Vem isto a propósito ode uma notícia deste final de agosto,
segundo a qual, o governo prepara legislação para multar quem não der
prioridade a idosos, grávidas, pessoas com deficiência. Esta lei/ameaça tanto
se aplica ao setor privado como ao setor público, com a exceção dos hospitais e
das conservatórias. Supermercados, autocarros, serviços camarários, finanças, etc.. Uma variedade grande de serviços pode ser multado de cinquenta a dois mil
euros, por não cumprir a lei.
Muitos dirão que é a caça do governo à multa, tentando fazer dinheiro com tudo e mais alguma coisa; eu acho que nos devemos interrogar por que é que o Estado tem necessidade de impor uma lei sancionatória deste género. Obviamente porque há muita gente que faz de um imperativo moral e ético, como dar prioridade a um idoso ou a uma pessoa com deficiência numa fila de supermercado, uma treta.
Algo parecido já aconteceu com a proibição do fumar em
recintos fechados, como por exemplo cafés e restaurantes. Uma pequena minoria
achava-se no direito de incomodar todas as pessoas que estavam num café, num
restaurante, numa repartição pública, com o incomodativo cheiro do tabaco,
porque não se queria levantar e fumar o seu cigarro ao ar livre. Nada os
demovia: grávidas, crianças, pessoas doentes, empregados que tinham de aguentar
oito/dez horas por dia com o cheiro altamente nocivo do tabaco. Que tivessem
paciência, que o seu vício era prioritário! Fizeram-se imenso debates,
trocaram-se acesos argumentos até que a legislação punitiva avançou. Quando os proprietários
dos estabelecimentos comerciais começaram a ver o preço das multas e o
investimento que tinham que fazer para criar um espaço para não fumadores, não
foram de modas e disseram aos queridos clientes que fumar só seria possível
fora da porta. O tabaco desapareceu de 90% dos estabelecimentos comerciais,
onde a generalidade das pessoas costuma socializar.
Com a prioridade aos idosos, às grávidas e às pessoas com
deficiência vai acontecer o mesmo, porque se há lei que os portugueses entendem
bem é a lei da multa.
Gabriel Vilas Boas