Durante 10 dias, o dramaturgo e encenador
Tiago Rodrigues traz ao Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, três
extraordinárias tragédias – Ifigénia, Agamémnon, Electra – que nos permitem o
reencontro, há muito ansiado por mim, com os grandes autores clássicos,
especialmente os gregos.
Apenas um único senão: somente oito
apresentações, no Porto, para estas três magníficas peças, é pouquíssimo, para
todo o público do norte que gosta de teatro. Fui à estreia, na passada
quinta-feira. A sala estava quase repleta e entre a plateia muita gente ligada
ao mundo da representação: Lúcia Moniz, Mariana Pacheco, António Capelo, entre
vários outros.
Para perceber esta tragédia, temos de
recuar a Helena (aquela que foi de Troia mas antes tinha sido dos gregos), cujo
rapto ou a fuga ativou o cumprimentou de uma promessa que o pai de Helena fez
jurar a todos seus pretendentes: se ela fosse raptada, todos os chefes gregos
se deviam empenhar no seu resgate. Menelau exigiu ao rei dos gregos e seu irmão,
Agamémnon, o cumprimento dessa promessa, mas não havia vento que permitisse que
os barcos gregos partisse para Troia. Para que os deuses trouxessem o vento, um
sacrifício se reclamava: Ifigénia, filha de Agamémnon e Clitemnestra tinha de
ser imolada. O rei de Troia concordou, mas o seu coração de pai estremeceu e
ele quis voltar com a palavra a traz, no entanto, acabou por ceder e sacrificar
a sua própria filha.
Toda a peça gira em torno deste drama
pessoal de Agamémnon. Um sacrifício pessoal em nome de um bem comum. Agamémnon
debate-se com um dilema terrível, até porque era pressionado por Menelau, por
Ulisses, pelos gregos e depois, por Clitemnestra, por Ifigénia e, sobretudo,
pela sua consciência, pelo seu amor de pai.
Podia parecer que a grande culpada de tudo
aquilo era Helena. Aquela que foi raptada ou se deixou raptar. Mas Helena não
era mais do que uma ideia do passado, que naquele momento do drama de Agamémnon
e Ifigénia já não estava presente. Podemos dizer que é ela a raiz dos
problemas, mas ela está ausente, nada decide. O que decidiu o sacrifício de
Ifigénia foi outra coisa que não Helena: a defesa da honra dos gregos, o
exemplo de sacrifício que Agamémnon devia dar em prol do país. Com muito bem
notou o encenador Tiago Rodrigues numa entrevista dada em agosto passado, “no
fundo nós sabemos que o que move os humanos é outra coisa. São precisas ideias
para justificar a ação.”
E a verdade é que Agamémnon não se
consegue justificar à esposa que por acaso também era irmã de Helena. Mas, para
ela, Helena era só uma ideia tal como é apenas uma ideia que as tragédias têm
de acabar mal ou são de confiança. Para ela não havia como perdoar o marido,
não havia nada que entender nem seria possível esquecer. Isabel Abreu esteve
muito bem no papel de Clitemnestra. Emprestou à personagem a força da razão de
um coração de mãe, vergastou Agamémnon, destruindo todos os seus argumentos,
especialmente aquele que se refere ao destino e à culpa, tão associados às
tragédias.
Miguel Borges, na difícil pele de
Agamémnon, também teve uma atuação digna de nota, ao exibir toda a fragilidade
de um náufrago, que se perdeu no labirinto da sua consciência e do seu dever.
Derrotado aos pontos por um coro de mulheres zangadas que faziam o papel do
público e lhe questionavam as decisões e as indecisões, contestando também os
fundamentos da própria tragédia, como se ela trouxesse um guião pré-definido
que não pode ser alterado. Mas pode…é o momento em que os humanos desafiam os
deuses, outros dirão que é apenas o momento em que os Homem se desafia.
Gabriel
Vilas Boas
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