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sábado, 24 de outubro de 2015

IFIGÉNIA, de Eurípedes no TNSJ


Durante 10 dias, o dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues traz ao Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, três extraordinárias tragédias – Ifigénia, Agamémnon, Electra – que nos permitem o reencontro, há muito ansiado por mim, com os grandes autores clássicos, especialmente os gregos.
Apenas um único senão: somente oito apresentações, no Porto, para estas três magníficas peças, é pouquíssimo, para todo o público do norte que gosta de teatro. Fui à estreia, na passada quinta-feira. A sala estava quase repleta e entre a plateia muita gente ligada ao mundo da representação: Lúcia Moniz, Mariana Pacheco, António Capelo, entre vários outros.


 Tiago Rodrigues e o seu magnífico elenco reinventou Ifigénia de Eurípides, dialogando com a extraordinária tragédia do dramaturgo grego e colocando-nos perante uma série de questões que a própria tragédia Ifigénia evoca.
Para perceber esta tragédia, temos de recuar a Helena (aquela que foi de Troia mas antes tinha sido dos gregos), cujo rapto ou a fuga ativou o cumprimentou de uma promessa que o pai de Helena fez jurar a todos seus pretendentes: se ela fosse raptada, todos os chefes gregos se deviam empenhar no seu resgate. Menelau exigiu ao rei dos gregos e seu irmão, Agamémnon, o cumprimento dessa promessa, mas não havia vento que permitisse que os barcos gregos partisse para Troia. Para que os deuses trouxessem o vento, um sacrifício se reclamava: Ifigénia, filha de Agamémnon e Clitemnestra tinha de ser imolada. O rei de Troia concordou, mas o seu coração de pai estremeceu e ele quis voltar com a palavra a traz, no entanto, acabou por ceder e sacrificar a sua própria filha.

Toda a peça gira em torno deste drama pessoal de Agamémnon. Um sacrifício pessoal em nome de um bem comum. Agamémnon debate-se com um dilema terrível, até porque era pressionado por Menelau, por Ulisses, pelos gregos e depois, por Clitemnestra, por Ifigénia e, sobretudo, pela sua consciência, pelo seu amor de pai.
Podia parecer que a grande culpada de tudo aquilo era Helena. Aquela que foi raptada ou se deixou raptar. Mas Helena não era mais do que uma ideia do passado, que naquele momento do drama de Agamémnon e Ifigénia já não estava presente. Podemos dizer que é ela a raiz dos problemas, mas ela está ausente, nada decide. O que decidiu o sacrifício de Ifigénia foi outra coisa que não Helena: a defesa da honra dos gregos, o exemplo de sacrifício que Agamémnon devia dar em prol do país. Com muito bem notou o encenador Tiago Rodrigues numa entrevista dada em agosto passado, “no fundo nós sabemos que o que move os humanos é outra coisa. São precisas ideias para justificar a ação.”

E a verdade é que Agamémnon não se consegue justificar à esposa que por acaso também era irmã de Helena. Mas, para ela, Helena era só uma ideia tal como é apenas uma ideia que as tragédias têm de acabar mal ou são de confiança. Para ela não havia como perdoar o marido, não havia nada que entender nem seria possível esquecer. Isabel Abreu esteve muito bem no papel de Clitemnestra. Emprestou à personagem a força da razão de um coração de mãe, vergastou Agamémnon, destruindo todos os seus argumentos, especialmente aquele que se refere ao destino e à culpa, tão associados às tragédias.
Miguel Borges, na difícil pele de Agamémnon, também teve uma atuação digna de nota, ao exibir toda a fragilidade de um náufrago, que se perdeu no labirinto da sua consciência e do seu dever. Derrotado aos pontos por um coro de mulheres zangadas que faziam o papel do público e lhe questionavam as decisões e as indecisões, contestando também os fundamentos da própria tragédia, como se ela trouxesse um guião pré-definido que não pode ser alterado. Mas pode…é o momento em que os humanos desafiam os deuses, outros dirão que é apenas o momento em que os Homem se desafia.

Gabriel Vilas Boas

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