Talvez não tenhamos dado bem conta, mas os Correios são uma das instituições mais estruturantes do país. Com quase cinco séculos de história, os Correios ajudaram a formatar o Portugal que somos tanto do ponto de vista social como organizacional.
Acompanhando
a evolução dos tempos e as necessidades das populações, os Correios foram e
ainda são aquele companheiro de toda uma vida que nunca nos abandonou nem nos
teve qualquer crise de ciúmes.
Quando
foram criados, em 1520, por indicação régia, os Correios permitiram estabelecer
os primeiros contactos entre a capital e outras cidades do reino, onde as
notícias chegavam com meses de atraso.
Lentamente
foi aproximando populações e mantendo os laços afetivos que as distâncias
ameaçavam irremediavelmente.
As
cartas e as encomendas eram poucas mas o significado social era imenso. Lenta e
pacientemente, os Correios vieram para ficar e servir, não apenas os citadinos,
os endinheirados e os importantes mas especialmente os de parcos recursos.
O
carteiro abria muitos sorrisos e pelas suas cartas batiam vários corações, durante
a semana.
Paralelamente,
os Correios foram organizando as nossas cidades, vilas e aldeias em lugares,
ruas e números de portas e, mais tarde, em apartados.
Sem
nunca se exibirem, os Correios foram construindo um lastro de confiança,
segurança e eficiência que os tornou imprescindíveis, sem darmos conta disso.
Terra
que se prezasse assinalava o seu progresso com uma Estação dos Correios. Era
para lá que se corria quando os telefones eram um luxo dos ricos ou tínhamos
urgência em enviar um telegrama. Caríssimo! Pago à palavra e hoje, uma peça de
museu.
Sim,
os Correios fazem parte da nossa memória afetiva, do nosso peregrinar coletivo,
do nosso crescimento social e económico.
Quando
o país abandonou definitivamente os campos e as aldeias, os correios estiveram
na primeira linha dessa evolução, facilitando a vida às pequenas e médias
empresas, no transporte das suas mercadorias. O pequeno comércio, as profissões
liberais, os diversos organismos públicos prosperaram e desenvolveram-se porque
existiam os Correios e, sobretudo, porque estes nunca deixaram de manter altos
padrões de qualidade nos seus serviços.
Atravessaram
reinados, repúblicas e ditaduras com a serenidade dos intocáveis. Cresceram e adaptaram-se
até às mais duras exigências da evolução dos tempos. A tecnologia, com a
supersónica internet, parecia condenar os Correios ao declínio fatal. No
entanto, estes foram à luta, reinventando-se. Diversificando e apostando em
novos produtos, mantiveram os clientes de sempre, que ficam pasmados como nos
Correios se vendem livros ou CD’s, se fazem reconhecimentos de assinaturas e se
compram bilhetes para espetáculos culturais, e ao mesmo se levantam e enviam
encomendas, se faz um telefonema e envia uma carta com selo colado à mão, como
se fazia antigamente.
Há
dois anos, uns indivíduos que nos governavam e que conhecem muito pouco da
nossa alma coletiva, acharam que podiam fazer uns trocos com a privatização
duma empresa que sempre deu lucro. E como sempre acontece nesta selva em que
vivemos lá apareceram os abutres do costume para comprar aquilo que não deveria
estar à venda.
Hoje,
os Correios, na verdade, já pertencem à esfera económica dos privados, mas a
sua história e a sua alma continuam património coletivo.
Há coisas que não se
dão, não se trocam e muito menos se vendem! Os Correios são uma delas.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário