Em meados do mês de
outubro, as escolas procuram sensibilizar os alunos para dois problemas
verdadeiramente importantes para a sociedade e para a sua formação: a
alimentação e a pobreza. Os temas até se podem relacionar, mas, ano após ano, a
maneira como as escolas portugueses os têm vindo abordar têm sido de uma
frouxidão e desistência alarmantes. A desmotivação da classe docente não
explica tudo! Creio que em cada dia que passa cada um de nós desfoca um
bocadinho o nosso coração do essencial.
Hoje é o dia
internacional da erradicação da pobreza. É só mais um dia p’ró calendário das comemorações!!! Sim, não é provocação do autor,
pois é assim que muitas vezes é apresentado aos alunos, como se a pobreza fosse
alguma coisa que suscitasse comemorações ou a sua erradicação estivesse ali ao
virar da esquina.
Sempre detestei a
palavra “erradicação”. A maioria das crianças, adolescentes ou jovens nem sabe
o que significa. Além disso, é tão utópica quanto estúpida, pois não vamos
erradicar pobreza nenhuma nas próximas dezenas de anos.
Desde que o homem
passou a assinalar este dia de luta contra a pobreza para calar a sua hipócrita
consciência, a pobreza tem aumentado assustadoramente por todo o mundo. Já não
é só um fenómeno da África pobre e inculta ou da Ásia que não sabe usar métodos
contracetivos. É um problema também dos países superdesenvolvidos. Na América
de Obama há milhões de pobres, na Europa da zona Euro há milhões de pobres, no
país das Maravilhas de Passos Coelhos há milhões de pobres. Isto não é discurso
barato, é estatística pura.
Recentemente, a
propaganda daqueles que nem um minuto de silêncio pelas vítimas da fome
respeitam, dizem que o problema radica na pobreza de espírito de muitos
indigentes. Tão conveniente, mas tão mentiroso e tão hipócrita.
É verdade que grande
parte dos pobres tem pouca ou nenhuma instrução, mas o problema não é esse, no
essencial. O problema está na “porcaria” de seres humanos em que nos tornámos, incapazes
de distribuir os excedentes agrícolas a quem realmente precisa, incapazes de
matar a fome à imensa legião que habita perto de nós. Obviamente não trazem um
letreiro na testa, mas um pouquinho de interesse da nossa parte descobria muito
por onde ajudar.
Não preciso de dias de
luta contra a pobreza no calendário, preciso de parceiros que lutem todos os
dias para que a pobreza diminua. Que amanhã haja menos um esfomeado que hoje e
que isso se faça sem nenhuma publicidade, que ofende a dignidade de quem recebe.
Ontem, uns miúdos da
minha escola faziam um minuto de silêncio em memória das vítimas da fome e
pobreza em todo o mundo. Tinham o semblante fechado e erguiam cartazes simples
e elucidativos. Estavam na escadaria da entrada principal da escola. Quase
ninguém lhes ligou. Entretanto, perante a estupefacção das duas colegas que
tinham organizado aquele simples momento de homenagem, uma professora apressada
para fumar o seu cigarro, na rua, queria furar pelo meio deles
interrompendo-lhes a sentida e singela homenagem que faziam. Foi preciso dizer
à senhora que esperasse vinte segundos ou então que contornasse o grupo
lateralmente e saísse de fininho por detrás deles. Ela preferiu não esperar.
Aquelas duas dezenas de alunos devem ter anotado o exemplo. Há momentos em que
quem serve a escola é muito pobre de espírito.
Gabriel
Vilas Boas
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