Silenciosamente, abrem-se as portas de vidro no terminal do aeroporto. O ar parece ranger de secura. Cubos de construção e migalhas de pedra recortam-se no horizonte como gigantescos brinquedos perdidos. Árvores atrofiadas e letreiros publicitários passam pelas janelas. Placas com códigos secretos indicam o caminho através da estepe. Tal Fata Morgana, dir-se-ia que a cidade se vai afastando à medida que nos aproximamos dela. No espaço de mil dias um exército de operários da construção civil triturou a terra vermelha do planalto e calcetou a nova capital do Brasil. Transferir a capital da costa densamente povoada para o planalto desabitado surgiu como um ato de megalomania. Com a cidade de Brasília, o antigo presidente Juscelino Kubitschek pretendia dar início à entrada do país no terceiro milénio: «Do centro deste planalto, deste isolamento que irá ser em breve o cérebro das decisões, lanço o meu olhar para o futuro do país e vejo a aurora a brilhar.»
Não se pôs a questão do dinheiro. Entre 1956 e 1960, altura em que se procedeu ao planeamento e construção da nova capital, o capital jorrou em forma de betão. Com os caboucos de Brasília começou o monte das dívidas brasileiras. “Candangos”, “jornaleiros” e “sem-abrigo”, vindos do Nordeste flagelado pela fome, afluíram em massa ao gigantesco estaleiro. Autênticas cidades do far-west, cresceram na estepe, espalhando-se uma mentalidade de garimpeiro. Os deserdados que tinham criado uma cidade para os ministros, os diplomatas e os funcionários não faziam tenção de prosseguir caminho, depois do trabalho concluído. Queriam ficar também eles na cidade do futuro. Para manter o universo dos governantes livre desta população, as autoridades ergueram precipitadamente, bairros sociais incaracterísticos, a larga distância do admirável mundo novo da modernidade.
Tudo o
que faz parte integrante de uma cidade está ausente de Brasília. Não existem sítios onde
o tempo passe devagar, ruas para deambular, perdidos com os nossos pensamentos,
recantos secretos. Não há empurrões nem apertos, hora de ponta, a pressa de
quem passa. Não há barulho nem a alegria de viver, bares e vielas como é normal
em todas as grandes cidades meridionais.
Moderna,
progressista, funcional, sem preocupações de estacionamento, quase ilimitada. E
contudo Brasília não é hoje mais que um monumento a um futuro desbotado.
O
plano da cidade, onde não foi previsto qualquer espaço para os peões,
assemelha-se ao plano de um avião: a cabine do piloto é o Palácio de
Congressos; a primeira classe é reivindicada pelos ministérios. A classe
turística situa-se na zona dos hotéis, a sul e a norte. As asas esquerda e
direita são, respetivamente, a Asa Norte e a Asa Sul, atravessadas pelo eixo
central, que não é mais do que o “Eixo Monumental”.
Brasília,
uma obra de arte total. Mas os atalhos improvisados que cruzam transversalmente
as vastas superfícies e que contrariam o projeto, demonstram que nem tudo se
pode planificar: ”Na cidade sagrada da transcendência apátrida” a vontade
humana resiste de modo inesperado às formas impositivas do betão.
Em
1987, a Unesco classificou Brasília como Património da Humanidade, referindo
tratar-se de "um ícone do moderno planeamento urbano". Há mais de cinquenta anos que
o futuro chegou em forma de cidade perfeita, mas os brasileiros nunca acharam
que ele fosse património seu.
Moro em Brasília há 40 anos.. Tudo o que está escrito é verdade. Cheguei com 550 mil, hoje somos quase 2 milhões e quinhentos mil... Uma cidade fria, seca, triste, sem vida. Bonita de ver do alto, dentro de um avião, mas não queira viver aqui, por dinheiro nenhum...
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