Agamémnon, tragédia
escrita por Ésquilo, foi a segunda proposta que o encenador Tiago Rodrigues
apresentou ao público do TNSJ, neste final de outubro maravilhoso para quem
gosta de teatro clássico.
A tragédia do dramaturgo grego chama-se “Agamémnon”,
mas o encenador fez de Clitemnestra o centro da ação trágica.
Esta é uma peça sobre a vingança, uma
vingança sem remorsos e até com um certo prazer; uma vingança prometida dez
anos antes, ou seja, no momento da partida dos gregos para Troia, quando
Agamémnon decidiu sacrificar a inocente Ifigénia, sua filha e de Clitemnestra,
para que os deuses enviassem os desejados ventos que pusessem os barcos a caminho de
Troia.
Clitemnestra já tinha avisado em “Ifigénia”
que não esqueceria a traição vergonhosa do marido e dez anos foi tempo
suficiente para preparar toda uma vingança.
A peça de Agamémnon começa com um clima de
falsa festa (os atores bebem champagne enquanto passeiam pelo palco), esse
nevoeiro incessante, que Clitemnestra preparou para receber o grande triunfador
de Troia.
Agamémnon pressente a desgraça latente e
está inquieto, mas não adivinha toda a amplitude da vingança da esposa. Durante
dez anos, esta traiu Agamémnon com Egisto, primo e um dos principais inimigos
do rei de Argos; tratou sem amor os filhos de
Inúteis
foram os avisos de Cassandra, escrava que Agamémnon trouxera de Troia, a quem
Egisto lançara olhares desejosos, antes de consumar a posse do seu corpo à
força e por fim lhe cortar a cabeça.
Inúteis foram os avisos de Electra, que um
pai confuso não entendeu nem conseguiu enquadrar.
Achei muito interessante o
papel que Tiago Rodrigues reservou ao coro, investido de povo de Argos, que não
sabia o que fazer nem o que dizer. Uma palavra os caracterizava e aproxima de
nós: indecisão. Gritavam, clamavam, queriam fazer algo, mas não avisaram o seu
rei da perfídia que contra ele se urdia nem impediriam que Egisto e Clitemnestra
consumassem o assassínio. Achavam mal a vingança da rainha como tinham achado
mal que Agamémnon tivesse sacrificado a inocente Ifigénia dez anos antes. Na
indecisão, deixaram o crime acontecer. Próprio de pessoas fracas, ainda
propuseram a Clitemnestra uma saída airosa: culpar Egisto. Ela recusou. Não era
nenhum fantoche.
Esta peça tem de ser vista em relação
direta com "Ifigénia" de Eurípides. A vingança de Clitemnestra é uma consequência
natural de uma decisão pessoal, desumana, incompreensível, evitável e
irracional de Agamémnon. Segue-se “Electra”, daqui a dois dias, para completar
a trilogia.
Curiosa a maneira como Tiago Rodrigues decide
a intervenção final do coro, que, na minha opinião, decalca a voz de muitos de
nós, atualmente: “Alguém nos ouve?”
Claro que ninguém os ouviu nem nos ouve.
Não fizeram (fazemos) nada! É por isso que ninguém nos ouve. Quando passarmos a
fazer, passam a ouvir-nos. E a história será, certamente, diferente. Uma
tragédia não é uma inevitabilidade divina!
Gabriel
Vilas Boas
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