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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

AGAMÉMNON, de Ésquilo, no TNSJ


Agamémnon, tragédia escrita por Ésquilo, foi a segunda proposta que o encenador Tiago Rodrigues apresentou ao público do TNSJ, neste final de outubro maravilhoso para quem gosta de teatro clássico.
A tragédia do dramaturgo grego chama-se “Agamémnon”, mas o encenador fez de Clitemnestra o centro da ação trágica.
Esta é uma peça sobre a vingança, uma vingança sem remorsos e até com um certo prazer; uma vingança prometida dez anos antes, ou seja, no momento da partida dos gregos para Troia, quando Agamémnon decidiu sacrificar a inocente Ifigénia, sua filha e de Clitemnestra, para que os deuses enviassem os desejados ventos que pusessem os barcos a caminho de Troia.

Clitemnestra já tinha avisado em “Ifigénia” que não esqueceria a traição vergonhosa do marido e dez anos foi tempo suficiente para preparar toda uma vingança.
A peça de Agamémnon começa com um clima de falsa festa (os atores bebem champagne enquanto passeiam pelo palco), esse nevoeiro incessante, que Clitemnestra preparou para receber o grande triunfador de Troia.
Agamémnon pressente a desgraça latente e está inquieto, mas não adivinha toda a amplitude da vingança da esposa. Durante dez anos, esta traiu Agamémnon com Egisto, primo e um dos principais inimigos do rei de Argos; tratou sem amor os filhos de
Agamémnon, Electra e Orestes, e aguardou pacientemente dez anos para consumar a total vingança: enquanto Agamémnon tomava banho e se preparava para a festa, em honra da sua vitória troiana, Clitemnestra e Egisto desferem com a espada o golpe fatal em Agamémnon. Olhos nos olhos para que este morresse com a perfeita noção de que de uma vingança e humilhação se tratavam.

 Inúteis foram os avisos de Cassandra, escrava que Agamémnon trouxera de Troia, a quem Egisto lançara olhares desejosos, antes de consumar a posse do seu corpo à força e por fim lhe cortar a cabeça.
Inúteis foram os avisos de Electra, que um pai confuso não entendeu nem conseguiu enquadrar. 
Achei muito interessante o papel que Tiago Rodrigues reservou ao coro, investido de povo de Argos, que não sabia o que fazer nem o que dizer. Uma palavra os caracterizava e aproxima de nós: indecisão. Gritavam, clamavam, queriam fazer algo, mas não avisaram o seu rei da perfídia que contra ele se urdia nem impediriam que Egisto e Clitemnestra consumassem o assassínio. Achavam mal a vingança da rainha como tinham achado mal que Agamémnon tivesse sacrificado a inocente Ifigénia dez anos antes. Na indecisão, deixaram o crime acontecer. Próprio de pessoas fracas, ainda propuseram a Clitemnestra uma saída airosa: culpar Egisto. Ela recusou. Não era nenhum fantoche.

Clitemnestra assume inteiramente a felicidade que a vingança lhe traz. Não havia nada para lhe perdoar, porque ela havia decidido morrer às suas próprias mãos, morrer por Ifigénia. Como diz repetidamente ao longo da peça, ela ficara em Auris (local do sacrifício de Ifigénia), dez anos antes.
Esta peça tem de ser vista em relação direta com "Ifigénia" de Eurípides. A vingança de Clitemnestra é uma consequência natural de uma decisão pessoal, desumana, incompreensível, evitável e irracional de Agamémnon. Segue-se “Electra”, daqui a dois dias, para completar a trilogia.
Curiosa a maneira como Tiago Rodrigues decide a intervenção final do coro, que, na minha opinião, decalca a voz de muitos de nós, atualmente: “Alguém nos ouve?”
Claro que ninguém os ouviu nem nos ouve. Não fizeram (fazemos) nada! É por isso que ninguém nos ouve. Quando passarmos a fazer, passam a ouvir-nos. E a história será, certamente, diferente. Uma tragédia não é uma inevitabilidade divina!

Gabriel Vilas Boas

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