Etiquetas

terça-feira, 30 de junho de 2015

AO SOM DE... MUSORGSKY




Ainda falando de pintura na música e na forma como esta é influenciada por aquela, lembrei-me de uma das obras mais belas e emblemáticas para piano que tem sido interpretada por inúmeros pianistas e foi até orquestrada por Maurice Ravel.
Trata-se da obra impressionista “Quadros de uma exposição”, composta pelo russo Modest Musorgsky em homenagem ao seu amigo arquiteto e pintor Victor Hartman, um ano após o falecimento deste.



Musorgsky (1839-81)  descreve em sons, um passeio pela exposição de Victor Hartman, onde são apreciados dez quadros, ligados entre si por um tema inicial a que chamou “promenade” e por quatro interlúdios. Não se trata de uma simples descrição dos quadros, já que o compositor deu vida e corpo a cada uma das imagens, fazendo uso das qualidades do som que explorou magnificamente.


A suite para piano “Quadros de Uma Exposição”, composta em 1874 é constituída pelas seguintes partes: 

1. ”Gnomus” (Gnomo)
2. ”Il Vecchio Castello” (O Castelo Medieval)
3. ”Tuileries” (Tulherias) 
4. ”Bydlo” (Carro de Bois) 
5. ”Ballet des Petits Poussins dans leurs Coques” (Bailado dos pintainhos dentro das suas cascas) 
6. ”Samuel Goldenberg und Schmuyle” 
7. ”Limoges, Le Marché” (O Mercado em Limoges)
8. ”Catacombae, Sepulcrum Romanum” (Catacumbas, Sepulcro Romano) 
9. ”La Cabane de Baba-Yaga sur de Pattes de Poule” (A Cabana de Baba-Yaga sobre Patas de Galinha)
10. ”La Grande Porte de Kiev” (A Grande Porta de Kiev) 

Musorgsky faz parte do grupo de compositores nacionalistas russos que ficou conhecido como “Grupo dos cinco”. Deste grupo faziam ainda parte Balakirev, César Cui, Borodin e Rimsky-Korsakov. Esta corrente teve início na segunda metade do século XIX e foram muitos aqueles que aderiram ao nacionalismo musical em diferentes países, aliando a música de tradição ocidental e erudita com a música de raiz popular. Para Musorgsky, esta combinação foi muito fácil de estabelecer, pois tinha recebido da sua mãe as primeiras aulas de piano e com a sua ama tomou contacto com a música popular.
Para audição, ficamos com o notável pianista russo, Evgeny Kissin que interpreta magistralmente esta obra.
Margarida Assis

segunda-feira, 29 de junho de 2015

JAMES HORNER, O MAGO DAS BANDAS SONORAS


Há precisamente uma semana o mundo do cinema e da música foi abalado pela morte de James Horner. O nome pode não dizer nada à maioria das pessoas, mas se acrescentarmos que estamos perante, provavelmente, o maior criador de bandas sonoras do cinema dos últimos anos, aí o caso muda de figura.

Um estúpido acidente de aeronave tirou a vida a um criador sublime, que deu uma dimensão especial e única a filmes como Titanic, Avatar, Braveheart, Beautiful Mind, Aliens, Field of Dreams. Várias vezes nomeado para óscar de melhor banda sonora, Horner havia de triunfar por duas vezes: em “Titanic”, com aquele fabuloso “My heart will go on” que Céline Dion fez subir ao olimpo e em “Avatar”, onde Horner introduziu doze temas maravilhosos que em muito enriqueceram o filme e o ajudaram a triunfar.
É curioso pensar o quanto a música de Horner contribuiu para o sucesso de Titanic. Parecem feitos um para o outro e não conseguimos imaginar toda a emoção romântica que sentimos ao ver Titanic sem a música de Horner. No entanto, só a persistência de Horner e Will Jennings conseguiram convencer o realizador Cameron a ouvir a versão-demonstração que Céline Dion gravara. Obviamente, Cameron só podia aproveitar aquele diamante único que Horner lhe punha nas mãos, como já fizera noutras ocasiões em que trabalharam juntos.
Horner tinha um dom especial para criar bandas sonoras épicas, glamourosas e sedutoras. Sabiam criar uma música que ia de encontro ao coração do filme, ajudando o espectador a vivê-lo com uma profundidade que, muitas vezes, tocava o sublime.
Acontece frequentemente não darmos o devido valor aos criadores das bandas sonoras dos filmes. Muitas vezes a realização, a interpretação dos atores, a excelência do argumento esmagam aquele material delicado e único que fez o filme melhor e mais completo. Poucas vezes fazemos a justiça devida aos criadores de música tão emocionante e de difícil criação, pois criar algo que encaixe perfeitamente num produto cinematográfico de grande qualidade não é tarefa fácil. Só está ao alcance dos melhores como era o caso de Horner.
Quando voltarmos a deixar cair umas lágrimas ao rever o Titanic ou o Braveheart, era bom que nos lembrássemos que James Horner tem alguma responsabilidade nisso.
 Gabriel Vilas Boas



domingo, 28 de junho de 2015

VENDER A ALMA AO DIABO… OU NÃO!


Soube-se durante a semana que passou que os partidos que suportam o governo português farão votar daqui a cinco dias (3 de julho) um Projeto de Lei que prevê uma taxa moderadora de sessenta euros para as mulheres que pretendam abortar.
É uma ideia que mexe um pouco com a minha sensibilidade! Então a direita portuguesa, paladina e defensora da moralidade e dos valores da família, está a vender uma vida humana a sessenta euros?

A dignidade não tem preço, mas isso não se aplica a gente hipócrita. Sempre suspeitei que os defensores acérrimos do «não» à interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras dez semanas de gestação, por vontade da mulher, apresentavam argumentos que não coincidiam com a maneira como viviam e procuravam apenas impor o seu modelo moral. Pelo meio lançavam mão de todo o tipo de fundamentos, entre os quais se destaca o icónico “é proibido, mas pode fazer-se” de Marcelo Rebelo de Sousa, que os Gato Fedorento tão bem glosaram. 

Oito anos depois, cai a máscara à direita em Portugal. Afinal, a vida humana sempre vale alguma coisa, vale sessenta euros. Aguardo, curioso, o que as famosas associações pró-vida e a Igreja portuguesa terão a dizer. Espero a indignação, a revolta, os debates públicos, os prós e contras da praxe! Na verdade, não espero nada disso, porque PSD e CDS só são confiáveis na arte de cobrar impostos.


Ao mesmo tempo, o glorioso mundo da tecnocracia empurrou a Grécia para fora do Euro, ao propor-lhe um acordo leonino, uma nova versão de uma relação feudal em que os gregos seriam os novos servos da gleba dos vampiros bancos alemães.
Talvez seja verdade que os gregos adorem gastar o dinheiro dos outros, talvez seja verdade que fogem aos impostos com mais astúcia que os nossos políticos fogem da prisão, mas acho que o governo de Tsipras foi corajoso e leal para com o seu povo ao dizer «Não» ao acordo e na decisão de propor um referendo.
Não foram eleitos para se vergar ao poder do dinheiro; não ganharam as eleições para continuar com a política de austeridade sem resultados nem futuro que a troika impõe. Como também não foram eleitos para sair do Euro só porque o Syriza sempre defendeu isso!
Através do referendo devolvem, integral e claramente, o futuro da Grécia aos gregos. Se quiserem o Euro, terão de aceitar uma austeridade sem fim; se quiserem mudar de vida, terão de viver com uma moeda muito desvalorizada, com fortes restrições ao consumo internacional e, sobretudo, terão de se fazer à vida, mudando de paradigma comportamental, nos vários setores da vida grega.

Mais tarde ou mais cedo, teríamos de chegar aqui! Ainda bem que o Syriza de Tsipras coloca tudo em pratos limpos, porque ambas as soluções causarão dor, mas o horizonte de esperança é bem diferente em cada uma delas.
Há uma semana vi encenada uma peça de teatro de Nikolai Gógol em que o protagonista Tchítchikov tentava comprar almas mortas e isso causava perplexidade. Em Portugal, nada causa estranheza, nem quando se negoceia a vida daqueles que hão de nascer. Os mercados bolsistas dizem que se chama “negociar futuros”, eu acho que é vender a alma ao diabo.

Gabriel Vilas Boas 

sábado, 27 de junho de 2015

REBECCA, de Alfred Hitchcock


O mundo via os primeiros meses da II Guerra Mundial e ainda não tinha percebido o quanto nefasta e traumatizante seria, quando em Hollywood vários monstros sagrados discutiam a posse das estatuetas douradas mais desejadas do cinema. Em 1940, REBECCA de Alfred Hitchcock levaria a melhor sobre o “Ditador”, com a fabulosa interpretação de Charles Chaplin, “Casamento Escandaloso”, protagonizado pelo premiado James Setwart ou sobre “vinhas de Ira”, realizado por John Ford, a partir do imortal texto de Steinbeck.

Já famoso pelos magníficos filmes de suspense que fazia em Inglaterra, Alfred Hitchcock rumou a Hollywood para filmar “Rebecca” e conquistar o Óscar de Melhor Filme em 1940. Foi a afirmação definitiva do grande mestre na capital da indústria cinematográfica.
“Rebecca” era uma história à sua medida, plena de emoção e mistério. Uma jovem casa-se com um nobre, indo encontrar um ambiente hostil em casa deste, personificado pela governanta, que lhe recorda permanentemente quão maravilhosa era a primeira esposa do marido, a falecida Rebecca.

Vai-se formando uma densa teia psicológica, e só no fim, quando a jovem tinha estado prestes a suicidar-se é que a verdadeira imagem de Rebecca vem à tona: pérfida, cruel, adúltera.
Interpretações espantosas de Joan Fontaine e Judith Anderson, a jovem tímida esposa de Laurence Olivier e a hedionda governanta, marcam o clima de tensão com que, como ninguém, Alfred Hitchcock vai inundando o ecrã. Olivier não esteve muito à vontade na pele do seu personagem o que não obsta a que seja mais fascinante do que a maioria dos atores.

Foi David O. Selznick, o produtor de E Tudo O Vento Levou, que decidiu chamar Hitchcock para pôr em filme o romance de Daphne du Maurier. Nem tudo correu da melhor maneira entre os dois, pois havia um grande choque de personalidades. Tanto um como o outro queriam dar ao filme um cunho pessoal, e acabou por ser Selznick, o homem que passava os cheques, a levar a melhor. Hitchcock foi chamado a casa do produtor que lhe ordenou que trabalhasse o guião com E. Sherwood. Durante uma sessão que poucos frutos deu, o famoso argumentista queixou-se da forma como Hitchcock diminuía os que trabalhavam com ele, deixando comentários sarcásticos à sua letargia e forma de beber.
Apesar de todas as suspeitas de Selznick, “Rebecca” foi um êxito colossal, que colocou Alfred Hitchcock na primeira linha dos autores de filmes americanos, apesar de ter perdido o prémio de melhor realizador para John Ford. Daí para a frente, o rei do suspense não parou de subir.
Gabriel Vilas Boas. 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

SALÃO DO BORDEL DA RUE DES MOULINS, de Toulouse-Lautrec


No sul de França, a pequena localidade a Albi ostenta, como um dos seus mais importantes pontos turísticos, o Museu Toulouse-Lautrec. Natural de Albi, Toulouse-Lautrec é um célebre pintor pós-impressionista francês que viveu no último terço do século XIX. Fruto de uma vida boémia, da dependência do álcool e da sífilis, a sua vida esfumou-se ao fim de 37 anos, mas Toulouse-Lautrec usou metade dela a pintar, a fazer desenhos e litografias de espetáculos de teatro e dos ambientes boémios de Paris, de que era um assíduo frequentador.


Obviamente o museu Toulouse-Lautrec alberga muitas das suas mais importantes obras. Hoje, quero destacar SALÃO DO BORDEL DA RUE DES MOULINS, pois é uma das obras mais relevantes do pintor e identifica um dos locais mais frequentados pelo artista francês.
Depois de realizar uma série de esboços iniciais, Lautrec pintou a obra definitiva. Trata-se de um óleo sobre tela, com dimensões médias ( 112x133 cm).
Nesta tela, várias prostitutas esperam os seus clientes no interior do bordel. As cinco mulheres encontram-se sentadas em sofás de veludo vermelho e apresentam as mais diversas atitudes enquanto esperam. Uma sexta mulher, de pé, aprece cortada à direita da tela, insinuando-se assim a continuidade do espaço local.

É curioso observar o recatado vestido rosa de uma delas, contrastando com as roupas ligeiras das suas companheiras. Este pormenor poderá indicar que se tratava, provavelmente, da Madame. Junto a ela poderá identificar-se Mireille, a preferida de Lautrec, que usou um vaporoso vestido azulado e sapatos de salto alto. A cor converteu-se num importante num importante recurso expressivo da tela, sendo a púrpura a protagonista.
Os sentimentos das mulheres transmitem-se através dos seus gestos e da expressão dos seus rostos. Mireille acomoda-se relaxada sobre o sofá enquanto a Madame encontra-se numa posição tensa. O rosto da primeira parece risonho e o da segunda preocupada. 

Quanto à composição, observa-se que a cena, ligeiramente descentrada, cria zonas livres que contribuem para conferir profundidade espacial ao conjunto, tal como sucede no primeiro plano. Atrás a sumptuosa e esboçada decoração de fundo, com imponentes colunas caneladas e outros ornamentos, uma abertura através da qual a luz, reforça a profundidade do local. Por fim, realçaria um pormenor, nesta tela, que me parece digno de nota. As posições das jovens transmitem o tédio de uma longa espera, antes de serem escolhidas por um cliente. Uma luz procedente do fundo ilumina os seus decotes, deixando os seus rostos numa suave penumbra.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 25 de junho de 2015

ALL YOU NEED IS LOVE, Beatles


Há quarenta e oito anos, a BBC pediu aos Beatles que escrevessem e interpretassem uma canção facilmente entendível pelo mundo e que ao mesmo tempo veiculasse uma mensagem forte e persuasiva.
Talvez inspirados por algo divino, Lennon e MacCartney escreveram uma das mais belas canções de sempre: ALL YOU NEED IS LOVE.
A simplicidade e beleza do tema fundem-se de um modo perfeito e natural, atraindo milhares de pessoas ao centro vital do ser humano: o Amor e a Paz.

Ao longo deste quase meio século, a música foi influenciando, divertindo, denunciando, expelindo emoções e pensamentos, mas o que sempre fez melhor do que qualquer outra arte foi espalhar Amor entre as pessoas.
All you need is love é daquelas canções que se impõe pela beleza sonora, mas sobretudo pela mensagem. Há cinquenta anos, o mundo vivia entre várias guerras regionais e mensagens como a desta canção penetravam com mais facilidade no coração e na alma das pessoas. Hoje, somos emocionalmente mais atentos, mas facilmente perdemos a esperança, nos milagres que o Amor opera. Sedentos dele, duvidamos da sua força e do seu triunfo. Exigimos-lhe que nos conquiste, que entre pela nossa porta e nos faça felizes em meia hora… ou então que não nos desinquiete com promessas vãs.

Talvez o segredo do Amor, que os Beatles proclamavam como a grande necessidade do ser humano, seja o de ser algo que se busca no nosso próprio interior. Algo que se dá antes de se pedir, que se partilha sem condição, como se fizesse parte do ADN da humanidade.
Ao longo dos anos fomos comercializando este verdadeiro elixir da vida, reduzindo o seu poder e magia. 
Ao ouvir esta belíssima canção dos Beatles que vos proponho hoje, vamos perceber que Amar é a nossa dádiva ao mundo. Só nós o podemos fazer! 
Faz-se da maneira mais simples ou do modo mais complexo, com magia ou ciência, com um sorriso ou através de uma dedicação incondicional. O Amor faz-se, constrói-se, cuida-se… porque provavelmente é a coisa de que mais precisamos para chegar à eternidade.
Gabriel Vilas Boas

quarta-feira, 24 de junho de 2015

SANTOS POPULARES


Os santos populares são das festas mais portuguesas e mais genuínas que vivemos.
Oriundas do feliz casamento entre a religião e a tradição, souberam manter o espírito de folia ao mesmo tempo que se foram reinventando, de maneira a renovar a festa na transição das gerações.
Acontecem no verão, quando o tempo e a vontade nos expulsa do comodismo caseiro e nos traz para a rua. São elas que nos devolvem ao contacto com as nossas raízes, com os vizinhos que nem cumprimentávamos, com o prazer do convívio sem hora marcada.

Quase ninguém aparece porque “tem de ser” e vemos famílias, novos e velhos, pessoas de todos os estratos sociais a sorrir, a brincar, a comer a sua sardinha assada no pão ou no prato, de pé ou numa mesa improvisada no meio da rua.
São as festas populares que reúnem novamente as gentes da cidade, do bairro ou da rua, à volta do prazer de estar com o outro e da pequena brincadeira. Mantêm viva o orgulho da pertença a um grupo ou associação, nas marchas populares ou nas cantigas, fazem as crianças saltar as fogueiras e recordam a beleza da vida na magia do fogo-de-artifício.

Os santos populares são festas de comunidade, onde todos estão convidados, mesmos os desconhecidos. Rapidamente o convívio vence a timidez dos mais recatados e instala a doce descontração dos momentos alegres até que os corpos dêem sinal de cansaço.
Apesar de toda a brincadeira e descontração, há tempo e inspiração para coisas mais artísticas. O povo anseia pelo desfile bairrista das marchas, onde a coreografia namora a música, esperando o consentimento das palmas. Os mais sonhadores derramam poesia nos manjericos à espera dos sorrisos das almas delicadas. Entretanto a banda toca para mais um passo de dança enquanto os pequenos nos surpreendem com outra marretada e o calor da noite pede mais um copo e dois dedos de conversa.

Como todas as coisas boas, a festa popular e santa também tem o seu fim. A sorte é que caminhamos (ou cambaleamos) para casa com a barriga cheia de alegria e folia, onde nos espera uma cama sem relógio para acolher um corpo cansado de satisfação.
Foi bonita a festa, pá!

Gabriel Vilas Boas  


terça-feira, 23 de junho de 2015

AO SOM DA MÚSICA NA PINTURA DE AMADEO DE SOUZA-CARDOSO





O pintor modernista Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), apesar de ter tido uma vida breve, pois morreu pouco antes de completar 31 anos, produziu uma vasta obra, fruto de uma grande curiosidade, persistência, dinamismo e dedicação ao trabalho. Trabalhava incessantemente nos seus quadros e a sua produção foi muito variada. Começando com as caricaturas, foi contactando com todas as correntes artísticas da sua época, não se filiando em nenhuma, antes adquirindo um estilo próprio, mais próximo de uma corrente que de outra, conforme o período da sua vida. O seu percurso evolutivo é notório através da análise das suas obras onde aparecem, muitas vezes, representações de instrumentos musicais. A alusão à música é recorrente na obra do pintor.



Paris, cidade onde viveu oito anos, era o principal centro criativo daquela época e aí se concentravam os artistas vindos de todo o lado. Por isso, é em Paris, que na procura de novas técnicas e de novas formas de expressão, surge e se concretiza a modernidade. Rompe-se com o passado e abrem-se caminhos para o futuro. Amadeo era um pintor de vanguarda, que conviveu com os grandes artistas de então, Modigliani, Brancusi e o casal Delaunay. Viajou, interessou-se por conhecer tudo que se passava à sua volta e experimentou várias tendências artísticas, influenciado pelo que viu e pelo convívio com os seus contemporâneos. 
                                                                                                                                                                        


 
Pato, Violino e Inseto - 1916



 
       O Parto da Viola - 1917


















Canção Popular, 1916


Aqui ficam apenas alguns exemplos da presença da música na obra do pintor Amadeo de Souza-Cardoso, pois há muitos mais.
Para visualização das imagens ao som da música, fica a sugestão: Arabesque de Claude Debussy.
Margarida Assis

segunda-feira, 22 de junho de 2015

ALMAS MORTAS, DE NIKOLAI GÓGOL


Há cerca de uma semana, desloquei-me, pela primeira vez, ao Teatro do Bolhão, no Porto, para assistir a uma peça de teatro. Tratava-se de "Almas Mortas", peça encenada por António Júlio, a partir de um texto do ucraniano Nikolai Gógol. Não tinha grandes expectativas acerca da peça, pois não conhecia nada de Gógol, nem dos atores, mas esta parecia a melhor proposta da parca oferta teatral da cidade portuense, num domingo à tarde, no final de primavera.
A primeira surpresa foi a sala repleta. Afinal há público para ir ao teatro. A peça justificou-o, apesar de não ser fácil de interpretar. Gostei imenso da performance  dos atores, maioritariamente jovens, e da coreografia.

Meio escondido na Rua Formosa, o Palácio do Bolhão surge totalmente restaurado e disponível para a ACE – Escola de Artes e para a representação teatral.
Almas Mortas é uma peça inquietante tal como o texto que lhe dá origem. Apresenta-nos o percurso de uma figura misteriosa, Tchítchikov, que chegado a uma cidade qualquer da Rússia é recebido como um dos seus e, mais do que isso, admirado e elogiado pelas suas qualidades.

Tchítchikov visita uma série de proprietários e revela-lhes a intenção da sua viagem: comprar almas mortas. Todos estranham o objeto do negócio, mas todos acabam por ceder e, mesmo desconfiando da legalidade da transação, acabam por vender-lhe as suas almas mortas.
Ora, as almas são os servos que trabalham nas terras dos proprietários em troca de uma gleba. As almas são os trabalhadores que, com o seu esforço, alimentam estas propriedades. As almas são pessoas e são mercadoria.
No texto de Gógol, as almas são um pretexto para contar uma história. A peça dá voz e corpo a estas almas, que vão por para além da Rússia do Czar e do início do século XIX.
Em muitos momentos, o espetador não deixa de perguntar: “Afinal, para onde vai Tchítchikov? Continuará o seu périplo por outras cidades, comprando listas e listas de almas, deixando tudo igual atrás de si?"
Queremos que nada mude? Que o Tchítchikov dos nossos tempos e dos nossos dias percorra infinitamente cidades corruptas, alicerçadas na servidão moderna?
As almas de que Gógol quis falar não são almas mortas, são almas adormecidas pela servidão que muitas vezes se confunde com escravidão. Elas são “mortas” porque nunca tiveram voz. As almas de Gógol, as almas do Czar russo, os mujiques, eram os homens e mulheres que trabalhavam e alimentavam toda a estrutura social. Servos de outros homens. Eles são silenciados durante toda a peça… Afinal, temos de concluir que as almas, as pessoas vivas ou mortas, parecem ser apenas mercadoria transacionada.

Está na hora de acordar os mortos!

Gabriel Vilas Boas

domingo, 21 de junho de 2015

OSTOMIZADOS


O nome é difícil de pronunciar e para muitos de nós não passa de um enorme ponto de interrogação. O certo é que, em Portugal, existem mais de dez mil ostomizados.
A ostomia é uma cirurgia que constrói um novo trajeto para as fezes e urina. A partir do momento em que passa a ter que viver com um “saquinho” a vida de um ostomizado muda radicalmente, muito mais daquilo que devia, pois há consequências que podem e devem ser dribladas.

Recentemente, em Amarante, uma amiga – a Léa Valéria Pinheiro – criou formalmente a “ANO XV – Associação Nacional dos Ostomizados”.
Mulher determinada e corajosa, que obrigou a vida a sorrir-lhe, Lé Valéria lutou imenso para que esta associação visse a luz do dia e que os ostomizados portugueses, e em especial os da zona do Tâmega, pudessem ter um ponto de apoio médico, logístico e afetivo.
Nas últimas semanas, a associação tem procurado agir em várias frentes. Primeiro dar-se a conhecer, depois alertar a comunidade para os problemas, limitações e preconceitos que os ostomizados são vítimas.
Esta associação tem como missão promover a qualidade de vida dos ostomizados através dum apoio personalizado quer aos próprios doentes quer aos seus familiares. Entre os seus objetivos estão sensibilizar a sociedade civil para o problema; promover a (re) integração dos ostomizados na sociedade; recolher e disponibilizar informação legal e médica relevante para estes doentes; apoiar projetos que surjam, na sociedade civil, com o propósito de ajudar este tipo de doentes.

A este propósito saliento que recentemente Léa Pinheiro concorreu ao Prémio Tâmega e Sousa Empreendedor com uma ideia que pode melhorar e muito a vida dos colostomizados – um cinto que contorna o abdómen com um suporte que abrange o saco. Em vez do peso estar concentrado na zona do estômago, fica dividido pela cinta e pelo dorso. Isto permite um conforto bem maior ao colostomizado. O nome do invento é SSC – Suporte de Saco para Colostomia. Para já o invento chegou aos cinco finalistas do concurso, sendo premiados os três melhores projetos.
Esta jovem associação tem já em vista várias atividades a executar junto da comunidade local, numa primeira fase, e na comunidade nacional, num segundo momento.

Para já o objetivo é criar uma equipa multidisciplinar, que abranja as áreas da psicologia, enfermagem, nutrição e assistência social, que apoie no domicílio ou em unidades hospitalares (por exemplo, Centros de Saúde), os ostomizados, com estratégias que ajudem o ostomizado e os seus familiares a adaptarem-se à sua nova realidade.
Além disso, a Associação Nacional de Ostomizados quer divulgar e fomentar o aparecimento de produtos que contribuam para a reintegração destes doentes assim como manter os associados informados dos direitos e isenções que esta capacidade abrange.
Como diz o slogan da associação, há vida depois da Ostomia. E cada um de nós pode fazer um bocadinho parte dela. Entendendo, cuidando, apoiando.

Gabriel Vilas Boas 

sábado, 20 de junho de 2015

DIVERTIDA MENTE - INSIDE OUT


Havia entre os mais novos uma grande expectativa acerca do novo filme da Pixar que estreou há dois dias em Portugal: Divertida Mente – Inside Out. Fui à estreia, a convite das minhas filhas, que trataram de arranjar bilhetes para toda a família! Ao que nós chegamos, mas enfim…
O filme é muito bom e surpreendente, fazendo jus a toda a expectativa que os mais novos punham nele. A película prima pela originalidade do argumento e pela mensagem, profundamente educativa, que se dirige tanto aos mais novos como aos mais velhos.

A história gira à volta da mente de uma menina do Minnesota, onde vivia feliz, mas que tem de abandonar e começar uma nova e desagradável vida em São Francisco. No entanto, as grandes protagonistas das histórias são as cinco emoções responsáveis por conduzir a vida da jovem Riley: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Repulsa. Cada uma delas demonstra um temperamento peculiar na maneira como tenta conduzir a mente de Riley. 

Se por um lado essas emoções aparecem claramente infantilizadas, para serem percetíveis aos público mais jovem a quem o filme se dirige, também é verdade que é possível verificar uma profundidade surpreendente em cada emoção, lembrando aos pais que assistem ao filme que aquela história também é para eles e sobre eles. Não deixou de ser curioso como as mães presentes na sala reagiam com gargalhadas quando o subconsciente do pai-tipo era caricaturado de forma tão… real!

Na verdade o filme da Pixar é uma enorme alegoria psicológica que procura analisar, de um modo divertido mas profundo, questões do inconsciente, como e porquê esquecemos factos antigos da nossa vida, a formação dos sonhos ou aquilo que define a nossa personalidade.
Por muito que o filme permita momentos brilhantes a qualquer das cinco emoções, é na dupla Alegria-Tristeza que a ação central se desenvolve. De uma maneira surpreendente, o argumentista evita o caminho mais fácil de apresentar a Tristeza como a grande vilã da história e propõe um quadro em que a Tristeza também é relevante na definição das emoções e da vida de Riley. Chorar também é necessário e por isso a Tristeza suege como uma espécie de catarse que leva ao crescimento e à definição clara do que é importante.
O mais extraordinário é que o filme de Pete Docter e Ronnie del Carmen consegue expressar esta mensagem claramente, na linguagem simples e impressiva das crianças.

Aparentemente antagónicas, Tristeza e Alegria precisam de se unir quando inopinadamente são “expulsas” da sala de controlo da mente de Riley. Percebendo o perigo em que a vida de Riley caia, elas fazem tudo para voltar ao controlo da mente da menina Riley, até porque a Repulsa, o Medo e a Raiva não são capazes de dar conta do recado.
Trsiteza e Alegria percorrem toda estrutura do cérebro humano, permitindo ao espetador detetar claramente várias analogias com a vida real.
Divertida Mente está repleto de simbolismos, por vezes, propositadamente infantilizados, o que faz com que este filme seja tanto apreciado por adultos como por crianças.
Ousado, divertido, educativo, criativo, Divertida Mente – Inside Out é um daqueles filmes que se vê com gosto e uma certa nostalgia pelo que evoca de emoções da nossa própria vida.
Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 19 de junho de 2015

CATEDRAL DE BURGOS: A DAMA DOS GÓTICOS CORUCHÉUS

 Quem gosta de catedrais, quem aprecia a sua arquitetura intemporal, não pode deixar de ter no seu coração a CATEDRAL DE BURGOS. Uma obra-prima, que a UNESCO já classificou como património da humanidade em 1984, pois considerou-a expoente máximo da arquitetura sacra do período gótico.
A beleza desta catedral ensombra duplamente a Cidade Velha de Burgos que a circunda: toma o céuu de assalto com a sua fachada de duas torres e seduz pela filigrana e distinção dos seus coruchéus góticos.
No tempo do rei D. Fernando III e do bispo Maurício, no lugar de uma igreja românica, foi lançada a primeira pedra para a construção de um novo templo. Nessa altura Burgos já deixara de ser, na prática, a capital de Castela, mas mantinha a dignidade de diocese e representava um ponto importante de passagem para os peregrinos de Santiago de Compostela. Era também a metrópole castelhana do comércio de lã, muito apreciada na Flandres e em Inglaterra. Esse comércio fez de Burgos uma cidade próspera e o novo templo devia testemunhar essa riqueza.

O Cadeiral em nogueira de Felipe Vilgarny

No entanto, até à conclusão da obra, iniciada em estilo gótico francês, passaram três séculos. Durante esses longos 300 anos, Burgos atraiu construtores de toda a europa que conseguiram imprimir uma unidade estilística ao conjunto.
As duas torres em forma de lanceta, que ultrapassam os 80 metros de altura, ainda hoje merecem respeito e são símbolo da perfeição formal do gótico, com os seus pináculos rendilhados e a ornamentação de folhagem estilizada. Para muitos visitantes, esta é a mais bela vista de toda a cidade, à qual, postados diante da fachada da Igreja, na praça de Santa Maria, tudo estamos dispostos a perdoar: os subúrbios devorados pelos gigantes industriais, blocos habitacionais construídos sem lógica nem estética e um clima horrível.

A catedral costuma receber os seus visitantes com um quente odor a círios e incenso. Segue-se uma viagem de exploração de um mundo peculiar no coração da cidade castelhana. Um mundo onde pairamos imponderáveis e no qual os olhares balançam entre o céu e a terra. Contemplamos a abóbada ricamente decorada, a rosácea gótica e o magnífico altar-mor com cenas da vida de Maria.
De vez em quando, o olhar não desliza em direção ao céu, mas, num movimento rasteiro, descobre encastoado, no transepto, o monumento em honra de El Cid, oriundo da região de Burgos. O herói nacional de Espanha entrou na História pelos seus feitos contra os Mouros, embora também tenha feito de agente duplo e temporariamente tenha estado também ao serviço do rei Mouro de Saragoça. Porém, com a libertação de Valência do domínio muçulmano, não só adquiriu a sua própria área de soberania como fez jus ao seu segundo cognome, “El Campeador”.

A escada Dourada do arquiteto Diego Siloé

Por onde quer que se olhe na catedral de Burgos, desdobra-se em cada recanto, uma fascinante profusão de ornamentos e em todo o lado há brilho e esplendor. Escultores e arquitetos de renome deixaram a sua assinatura numa das maiores catedrais de Espanha: Diego de Siloé e a sua escada dourada; Felipe Vigarny e o precioso cadeiral em nogueira para os 103 membros do cabido; Simon de Colónia com a capela do Condestável, uma capela em forma octogonal, do gótico tardio, com uma bela abóbada estrelada.
Entre as muitas capelas não é possível ignorar a capela de Cristo, onde a imagem do crucificado perturba pelo seu realismo. Ao que consta, os artistas incorporaram no trabalho cabelo humano e pele de búfalo.