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terça-feira, 2 de junho de 2015

CONTO DO VIGÁRIO


Não serão poucos os que, vítimas da sua própria boa-fé ou ganância, já caíram no conto do vigário… Acreditaram numa história bem contada e, seduzidos pelas vantagens aparentes que os burlões lhe ofereciam, acabaram ludibriados.
Os vigaristas – que efetivamente não olham a meio para atingir os seus fins – recorrem aos mais variados estratagemas (todos fraudulentos!) com o objetivo de extorquir dinheiro aos pobres incautos…
Ora, a este golpe perpetrado pelo vigarista dá-se o nome de conto do vigário. Mas vigário não é sinónimo de pároco, alguém que à partida é uma pessoa idónea e séria? Como pode então a palavra ter adquirido um sentido pejorativo?
De facto, o termo vigário designa um padre que substitui outro no exercício das suas funções, como quando se fala, por exemplo, de vigário-geral, está-se a referir o padre a quem o bispo delega as funções de gestão da vida diocesana e não um vigarista.

Contudo, antes de adquirir este significado eclesiástico, vigário já tinha o sentido genérico de “indivíduo que substitui o outro”, pois provém do latim vicarium – “aquele que faz as vezes de outrem”; “substituto”. Trata-se de uma palavra formada a partir do substantivo vicis – “vez” (do qual também derivou “vice”, elemento que entra na composição de várias palavras e que traduz uma ideia de substituição e subalternidade).
Mas qual dos vigários é responsável pela expressão conto do vigário?
Ninguém sabe dizer ao certo se o primeiro intrujão terá sido um pároco, alguém que pretendia fazer-se passar por familiar ou amigo de confiança de um padre ou apenas um finório à caça de alguns trocos.

Como é costume ouvir-se em alguma publicidade feita por bancos, hoje em dia ninguém empresta nada sem uma garantia. E é provável que sempre tenha sido assim. Consciente de tal facto, o primeiro vigarista concebeu um estratagema brilhante, cuja “receita” era a seguinte: começar por escolher o papalvo a ludibriar; convencê-lo de que a sua honestidade estava acima de qualquer dúvida; confiar-lhe provisoriamente e por motivos de força maior um embrulho que deveria conter muito dinheiro; aproveitar para pedir uma pequena soma, em jeito de adiantamento, para pagar algumas despesas urgentes. Como o embrulho não tem qualquer valor, o pouco que o vigarista consegue arrecadar é ganho, pois ele não tem qualquer intenção de voltar ao sítio da burla para recuperar o pacote.

Outras versões divulgam uma receita um pouco diferente, pois o vigarista alega que o dinheiro lhe foi entregue pelo vigário da freguesia ou que provém de uma herança.
Há uma versão particularmente curiosa, segundo a qual um português, recém-chegado ao Brasil, se faz passar pelo herdeiro de uma grande fortuna de um vigário. Na promessa de que tudo haveria de pagar quando recebesse a herança, lá foi comendo e bebendo às custas de quem pode. Mas claro, nunca chegou a saldar as dívidas!

Mas onde terá nascido o conto do vigário? Fernando Pessoa escreve: “Ninguém já engana ninguém – o que é tristíssimo – na terra natal do Conto-do-vigário”. Através deste registo cai por terra a ideia de que a expressão tenha sido criada no Brasil. Terá sido então, em Portugal, que alguém muito astuto e velhaco terá dado à luz tal evento? Ou terá sido em Espanha? É que em espanhol esta vigarice é conhecida como cuento del tio, pois nas histórias do golpista menciona-se a herança que um tio vigário terá deixado a um sobrinho órfão. Em italiano, usa-se a expressão truffa all’amaericana (“golpe à americana"), o que pode responsabilizar os americanos pela criação de tal famosa intrujice. Em inglês, por ironia, conto do vigário diz-se confidence game ("jogo de confiança”) e vigarista, confidence man, à letra, “homem de confiança”.
No entanto a dúvida persiste quanto à paternidade de tão famoso e proveito conto...

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