Quando o dia repousa a cabeça
na noite serena, apetece muitas vezes mimar o espírito com uma sobremesa de
poesia e pintura, que permite sentir sem ter que explicar, saborear sem ter
que definir.
Escolhi dois poemas de Sophia de Mello Breyner e dois quadros de
Júlio Pomar, porque o dia 3 de junho é um dia especialmente querido para estes dois
grandes vultos da cultura portuguesa. Neste dia, em 2003, Sophia de Mello
Breyner recebia o prestigiado Prémio Rainha Sofia de Poesia ibero-americana e,
em 2009, Júlio Pomar é distinguido com o Prémio da Latinidade “João Neves da Fontoura”
da União Latina.
Para apreciarmos cada
verso ou cada traço talvez precisemos de um pouco de paciência. Paciência para
parar, paciência para serenar o espírito, paciência para ver e não apenas para olhar. Franz Kafka dizia que por causa da impaciência fomos expulsos do paraíso.
Talvez esteja na altura de lá voltar, ainda que por breves minutos…
É esta a hora perfeita
em que se cala
O confuso murmurar das
gentes
E dentro de nós
finalmente fala
A voz grave dos sonhos
indolentes
É esta a hora em que as
rosas são as rosas
Que floriram nos
jardins persas
Onde Saadi e Hafiz as
viram e as amaram.
É esta a hora das vozes
misteriosas
Que os meus desejos
preferiram e chamaram.
É esta a hora das
longas conversas
Das folhas com as
folhas unicamente.
É esta a hora em que o
tempo é abolido
E nem sequer conheço a
minha face.
EM TODOS OS JARDINS
Em todos os jardins hei
de florir,
Em todos beberei a lua
cheia,
Quando enfim no meu fim
eu possuir
Todas as praias onde o
mar ondeia.
Um dia sere eu o mar e
a areia,
A tudo quanto existe me
hei de unir,
E o meu sangue arrasta
em cada veia
Esse abraço que um dia
se há de abrir.
Então receberei no meu
desejo
Todo o fogo que habita
na floresta
Conhecido por mim como
um beijo.
Então serei o ritmo das
paisagens,
A secreta abundância
desta festa
Que eu via prometida
nas imagens.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Sem comentários:
Enviar um comentário