Etiquetas

quarta-feira, 3 de junho de 2015

ENTRE POEMAS DE SOPHIA E QUADROS DE JÚLIO POMAR


Quando o dia repousa a cabeça na noite serena, apetece muitas vezes mimar o espírito com uma sobremesa de poesia e pintura, que permite sentir sem ter que explicar, saborear sem ter que definir. 
Escolhi dois poemas de Sophia de Mello Breyner e dois quadros de Júlio Pomar, porque o dia 3 de junho é um dia especialmente querido para estes dois grandes vultos da cultura portuguesa. Neste dia, em 2003, Sophia de Mello Breyner recebia o prestigiado Prémio Rainha Sofia de Poesia ibero-americana e, em 2009, Júlio Pomar é distinguido com o Prémio da Latinidade “João Neves da Fontoura” da União Latina.
Para apreciarmos cada verso ou cada traço talvez precisemos de um pouco de paciência. Paciência para parar, paciência para serenar o espírito, paciência para ver e não apenas para olhar. Franz Kafka dizia que por causa da impaciência fomos expulsos do paraíso. Talvez esteja na altura de lá voltar, ainda que por breves minutos…

 É ESTA A HORA…
É esta a hora perfeita em que se cala
O confuso murmurar das gentes
E dentro de nós finalmente fala
A voz grave dos sonhos indolentes

É esta a hora em que as rosas são as rosas
Que floriram nos jardins persas
Onde Saadi e Hafiz as viram e as amaram.
É esta a hora das vozes misteriosas
Que os meus desejos preferiram e chamaram.
É esta a hora das longas conversas
Das folhas com as folhas unicamente.
É esta a hora em que o tempo é abolido
E nem sequer conheço a minha face.




EM TODOS OS JARDINS
Em todos os jardins hei de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia sere eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como um beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância desta festa
Que eu via prometida nas imagens.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Sem comentários:

Enviar um comentário