A
adoção, como todos sabem, é um complexo processo burocrático. O que todos
ignoram é o turbilhão de emoções sentidas, quer pelos pais quer pela criança:
expectativas, esperança, felicidade, medo, receio e frustração.
Quando
a criança é institucionalizada, sente que foi abandonada pelos progenitores.
Deixa de confiar nos adultos porque não percebe o que está a acontecer. Está no
meio de um processo que não entende. Apesar de viver em condições precárias,
esse era o seu mundo, o mundo ao qual foi vilmente arrancada.
Um
dia, aparecem pessoas, que legalmente, serão seus pais mas que não conhece, por
quem nada sente. Mas são essas pessoas que a podem resgatar da instituição onde
não gosta de estar. (Por muito boa que seja a instituição, não é um lar, é
impessoal, o carinho das funcionárias não chega a todos, não há privacidade…).
Como
convencemos uma criança fragilizada a confiar e a amar desconhecidos? Mãe, não
é aquela que nos deu o ser? Pai, não é aquele que nos acompanha a par e passo?
Quem são estes senhores que dizem ser os meus pais?
Nesse
dia, a criança sai da instituição de mãos dadas com os “novos” pais a quem
chama “mãe” e “pai”. Estas crianças desenvolvem um grande espírito de
sobrevivência e tudo fazem para sair da instituição, até dizer o que os pais
querem ouvir. Neste caso, após um processo tão longo, ouvir a palavra “mãe” ou
“pai” é uma sensação indescritível.
Nesse
momento começa uma grande aventura chamada “construção de afetos”.
Esta
aventura passa por várias fases. A primeira é a do Encanto: os primeiros dias
são maravilhosos, todos estão muito felizes, todos concretizaram um sonho.
Nesta fase, tudo é permitido. Não há compromissos nem castigos, somente
presentes e brincadeira.
Depois,
vem a fase de regresso à realidade, onde surgem compromissos,
responsabilidades… e, a adaptação. Esta ocorre para ambas as partes, os pais
têm um filho e o filho tem pais… Uma nova realidade para todos. A criança tem
de apreender as regras da família (diferentes de lar para lar) e valores que
não são os seus. Depara-se com um mundo novo, um mundo ao qual não pertence:
novas regras de higiene, novo tipo de alimentação, novo horário de deitar, nova
escola e, por vezes, nova religião.
A
criança sente-se perdida no seio de pessoas que desejam que, de um dia para o
outro, faça tudo direitinho e esteja integrada como se naquela família tivesse
crescido.
Aos
poucos os afetos vão surgindo, a criança começa a sentir que aqueles
desconhecidos que apareceram na instituição a querem amar e proteger.
“Mas,
oh desespero, e se eles me abanam também?” – Aí começa a fase mais complicada
de todo o processo. A criança usa um mecanismo de defesa: o teste aos limites.
Basicamente, este teste serve para que a criança perceba até que ponto os pais
a amam e vão, ou não, lutar por ela. A criança ultrapassa todos os limites da
má educação, da desobediência. Não cumpre regra alguma, parte, estraga,
insulta… enfim, leva os pais à loucura!
O que
a criança pensa é: “se não me abandonares agora, nunca o farás. Portanto, posso
confiar em ti.”
Volvida
esta fase, a criança deixa-se levar pelos sentimentos, deixa-se amar e passa a
amar. Dia após dia, a criança sente-se mais integrada, mais confiante, mais
segura. Sente que é parte integrante de um todo: a Sua família. Os laços
intensificam-se. Os afetos, a dependência, a proteção, o conforto crescem de
dia para dia e dão lugar à Felicidade.
Os
afetos constroem-se todos os dias, não aparecem porque um juiz e uma assistente
social decidiram que assim tinha de ser.
Léa Valéria Pinheiro
Sem comentários:
Enviar um comentário