Passam catorze anos que as
ruas de Lisboa se encheram para se despedir de uma das figuras mais míticas da
história política portuguesa do século XX: Álvaro Cunhal.
A par de Oliveira
Salazar, Cunhal marcou do ponto de vista político, social e ideológico
Portugal, durante o século passado. Ele foi o rosto do comunismo português,
antes e depois da revolução de abril de 1974, que devolveu a liberdade de
expressão e a democracia ao nosso país.
A admiração dos portugueses
por Álvaro Cunhal ultrapassa, e muito, aquela que temos pelo comunismo.
Quando Cunhal largou a
política ativa, em 1992, deixando a liderança do PCP para Carlos Carvalhas, eu
ainda não tinha direito a voto. E a ideia que me passavam sobre o líder
comunista era que ele representava os “maus”; a sua hipotética e académica
subida ao poder, em Portugal, representaria uma espécie de regresso à idade das
trevas, onde a ditadura substituiria a democracia por muitos anos. Cunhal era o
anjo negro da jovem democracia portuguesa e os comunistas “comiam” criancinhas
ao pequeno-almoço.
Rapidamente procurei
documentar-me, formar a minha opinião, com base em factos, e perceber por que
Cunhal era tão odiado e… amado! Cheguei a algumas conclusões que ainda hoje
continuam válidas para mim.
A maior relevância
política de Cunhal foi feita nos tempos da ditadura salazarista, quando a sua
coragem intelectual e física se fez sentir ao afirmara a ideologia comunista no
seio de uma ditadura fascista. Cunhal enfrentou Salazar e tornou-se a luz que
alumiava todos aqueles que procuravam devolver a liberdade de expressão a Portugal. Não se
vergou e, destemido, organizou, na clandestinidade, o Partido Comunista
Português, ao mesmo tempo que dava esperança a todos aqueles que não se
identificavam com a ditadura de Oliveira Salazar.
Foi nessa altura que
nasceu o mito Cunhal. Durante essas décadas de escuridão democrática, Álvaro
Cunhal granjeou grande parte da admiração que muitos portugueses com mais de
quarenta anos ainda hoje mantêm por ele. Essa admiração terminou para muitos,
quando, após o 25 de abril de 1974, Cunhal nunca desmentiu claramente a ideia que
Mário Soares um dia soube sintetizar: o PCP queria implementar, à força, em
Portugal, o comunismo made in URSS,
ou seja, levar o país para uma ditadura de esquerda, onde a democracia seria
letra morta. Cunhal estava capaz de sacrificar a liberdade e a democracia em
prole do comunismo.
Acho que Cunhal estava
certo quando disse que o fim do comunismo desequilibrava perigosamente a correlação
de forças entre as diversas potências mundiais, mas errado, ao não reconhecer o
falhanço do modelo comunista. Cunhal era um homem culto e inteligente e por
isso não lhe louvo a coerência ideológica. O modelo comunista tinha colapsado e
Cunhal nunca aceitou isso. Ele quis impor o comunismo aos seus compatriotas, mesmo
perante a recusa destes, mesmo face a todos os equívocos da ideologia de Marx. Isso
não é coerência, isso é teimosia.
Hoje, Cunhal é quase um
fóssil histórico-político e é pena. Os mais jovens terão dificuldade em situar
corretamente a relevância social, política e histórica do nome mais importante
do comunismo português do século XX. Por mim, gosto de recordar o que cada um
dá de melhor ao seu país e por isso prefiro lembrar Álvaro Cunhal enquanto
grande opositor do ditador Salazar, aquele que manteve viva uma luzinha de
esperança num país livre e democrata.
Gabriel Vilas Boas
Idolatrar um traidor!!!!!!!!!!!!!!!!!1
ResponderEliminar