Soube-se
durante a semana que passou que os partidos que suportam o governo português
farão votar daqui a cinco dias (3 de julho) um Projeto de Lei que prevê uma
taxa moderadora de sessenta euros para as mulheres que pretendam abortar.
É uma
ideia que mexe um pouco com a minha sensibilidade! Então a direita portuguesa,
paladina e defensora da moralidade e dos valores da família, está a vender uma
vida humana a sessenta euros?
A
dignidade não tem preço, mas isso não se aplica a gente hipócrita. Sempre
suspeitei que os defensores acérrimos do «não» à interrupção voluntária da
gravidez, nas primeiras dez semanas de gestação, por vontade da mulher, apresentavam
argumentos que não coincidiam com a maneira como viviam e procuravam apenas
impor o seu modelo moral. Pelo meio lançavam mão de todo o tipo de fundamentos,
entre os quais se destaca o icónico “é proibido, mas pode fazer-se” de Marcelo
Rebelo de Sousa, que os Gato Fedorento tão bem glosaram.
Oito anos depois, cai
a máscara à direita em Portugal. Afinal, a vida humana sempre vale alguma
coisa, vale sessenta euros. Aguardo, curioso, o que as famosas associações
pró-vida e a Igreja portuguesa terão a dizer. Espero a indignação, a revolta,
os debates públicos, os prós e contras
da praxe! Na verdade, não espero nada disso, porque PSD e CDS só são confiáveis
na arte de cobrar impostos.
Ao
mesmo tempo, o glorioso mundo da tecnocracia empurrou a Grécia para fora do
Euro, ao propor-lhe um acordo leonino, uma nova versão de uma relação feudal em
que os gregos seriam os novos servos da gleba dos vampiros bancos alemães.
Talvez
seja verdade que os gregos adorem gastar o dinheiro dos outros, talvez seja
verdade que fogem aos impostos com mais astúcia que os nossos políticos fogem
da prisão, mas acho que o governo de Tsipras foi corajoso e leal para com o seu
povo ao dizer «Não» ao acordo e na decisão de propor um referendo.
Não
foram eleitos para se vergar ao poder do dinheiro; não ganharam as eleições para
continuar com a política de austeridade sem resultados nem futuro que a troika
impõe. Como também não foram eleitos para sair do Euro só porque o Syriza sempre
defendeu isso!
Através
do referendo devolvem, integral e claramente, o futuro da Grécia aos gregos. Se
quiserem o Euro, terão de aceitar uma austeridade sem fim; se quiserem mudar de
vida, terão de viver com uma moeda muito desvalorizada, com fortes restrições
ao consumo internacional e, sobretudo, terão de se fazer à vida, mudando de
paradigma comportamental, nos vários setores da vida grega.
Mais
tarde ou mais cedo, teríamos de chegar aqui! Ainda bem que o Syriza de Tsipras
coloca tudo em pratos limpos, porque ambas as soluções causarão dor, mas o
horizonte de esperança é bem diferente em cada uma delas.
Há uma
semana vi encenada uma peça de teatro de Nikolai Gógol em que o protagonista Tchítchikov
tentava comprar almas mortas e isso causava perplexidade. Em Portugal, nada causa
estranheza, nem quando se negoceia a vida daqueles que hão de nascer. Os
mercados bolsistas dizem que se chama “negociar futuros”, eu acho que é vender
a alma ao diabo.
Gabriel
Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário