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domingo, 28 de junho de 2015

VENDER A ALMA AO DIABO… OU NÃO!


Soube-se durante a semana que passou que os partidos que suportam o governo português farão votar daqui a cinco dias (3 de julho) um Projeto de Lei que prevê uma taxa moderadora de sessenta euros para as mulheres que pretendam abortar.
É uma ideia que mexe um pouco com a minha sensibilidade! Então a direita portuguesa, paladina e defensora da moralidade e dos valores da família, está a vender uma vida humana a sessenta euros?

A dignidade não tem preço, mas isso não se aplica a gente hipócrita. Sempre suspeitei que os defensores acérrimos do «não» à interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras dez semanas de gestação, por vontade da mulher, apresentavam argumentos que não coincidiam com a maneira como viviam e procuravam apenas impor o seu modelo moral. Pelo meio lançavam mão de todo o tipo de fundamentos, entre os quais se destaca o icónico “é proibido, mas pode fazer-se” de Marcelo Rebelo de Sousa, que os Gato Fedorento tão bem glosaram. 

Oito anos depois, cai a máscara à direita em Portugal. Afinal, a vida humana sempre vale alguma coisa, vale sessenta euros. Aguardo, curioso, o que as famosas associações pró-vida e a Igreja portuguesa terão a dizer. Espero a indignação, a revolta, os debates públicos, os prós e contras da praxe! Na verdade, não espero nada disso, porque PSD e CDS só são confiáveis na arte de cobrar impostos.


Ao mesmo tempo, o glorioso mundo da tecnocracia empurrou a Grécia para fora do Euro, ao propor-lhe um acordo leonino, uma nova versão de uma relação feudal em que os gregos seriam os novos servos da gleba dos vampiros bancos alemães.
Talvez seja verdade que os gregos adorem gastar o dinheiro dos outros, talvez seja verdade que fogem aos impostos com mais astúcia que os nossos políticos fogem da prisão, mas acho que o governo de Tsipras foi corajoso e leal para com o seu povo ao dizer «Não» ao acordo e na decisão de propor um referendo.
Não foram eleitos para se vergar ao poder do dinheiro; não ganharam as eleições para continuar com a política de austeridade sem resultados nem futuro que a troika impõe. Como também não foram eleitos para sair do Euro só porque o Syriza sempre defendeu isso!
Através do referendo devolvem, integral e claramente, o futuro da Grécia aos gregos. Se quiserem o Euro, terão de aceitar uma austeridade sem fim; se quiserem mudar de vida, terão de viver com uma moeda muito desvalorizada, com fortes restrições ao consumo internacional e, sobretudo, terão de se fazer à vida, mudando de paradigma comportamental, nos vários setores da vida grega.

Mais tarde ou mais cedo, teríamos de chegar aqui! Ainda bem que o Syriza de Tsipras coloca tudo em pratos limpos, porque ambas as soluções causarão dor, mas o horizonte de esperança é bem diferente em cada uma delas.
Há uma semana vi encenada uma peça de teatro de Nikolai Gógol em que o protagonista Tchítchikov tentava comprar almas mortas e isso causava perplexidade. Em Portugal, nada causa estranheza, nem quando se negoceia a vida daqueles que hão de nascer. Os mercados bolsistas dizem que se chama “negociar futuros”, eu acho que é vender a alma ao diabo.

Gabriel Vilas Boas 

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