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segunda-feira, 30 de junho de 2014

AO SOM DO... QUARTETO SALUTE SALON


O quarteto Salut Salon nasceu em Hamburgo em 2008, quando quatro talentosas músicas se juntaram para surpreenderem os ouvintes com um estilo diferente e arrojado de interpretarem os clássicos.
Angelika Bachmann e Iris Siegfried já se conheciam desde que eram crianças, pois tocavam juntas na orquestra da escola que frequentavam. Mais tarde, juntaram-se a elas Anne-Monika von Twardowski, no piano e Sonja Lena Schmid no violoncelo, estando assim formado o quarteto a que deram o nome de Salut Salon e que alia música e acrobacias a um certo ambiente de cabaret com muito humor.
As próprias intitulam-se como um conjunto acrobático de música de câmara. Estas jovens têm levado a sua irreverência aos quatro cantos do mundo, sendo sempre muito aplaudidas pela assistência, que aprecia tanto as qualidades técnicas das intérpretes quanto a performance artística que apresentam. O entusiasmo e a alegria com que interpretam peças do repertório clássico contagiam o público de tal forma que este chega a acompanhar as músicas com palmas e enormes sorrisos. Os instrumentos parecem comunicar entre si, em disputas e diálogos ora mais pacíficos ora mais agressivos.
Aqui fica a sugestão desta semana e para quem gostar desta abordagem diferente da música erudita, pode ver muitos outros  vídeos deste quarteto no youtube.
Margarida Assis

domingo, 29 de junho de 2014

MUNDIAL DE FUTEBOL - BRASIL 2014



        O campeonato do mundo de futebol decorre no Brasil há duas semanas. Durante quinze dias, todas as seleções presentes na fase final jogaram três jogos, apurando-se para a fase seguinte (a eliminar) as duas melhores de cada grupo.
Portugal também participou nesta prova maior do futebol mundial. Havia legítimas expectativas de que a seleção portuguesa conseguisse ser apurada para a fase seguinte. No entanto, a equipa de Ronaldo, Moutinho e Nani ficou em terceiro lugar e foi eliminada pelas seleções da Alemanha e dos EUA.
Antes do início da prova houve, na população portuguesa, algum otimismo em excesso que rapidamente se transformou em unânime desânimo, após a humilhante derrota perante os jogadores germânicos, no primeiro jogo. A descrença instalou-se, então, em todas as conversas sobre o campeonato do mundo. Quase todos se acharam no direito de opinar doutamente sobre táticas, lesões, convocatórias do selecionador, locais de estágio e atitude dos jogadores em campo e fora dele. Todos tinham alertado para o descalabro, apesar de umas semanas antes só haver registo de euforias sem razão.
As palavras dos jogadores, ex-heróis caídos em desgraça, já não interessavam nada. Havia que descarregar a frustração como se a seleção tudo nos devesse. A verdade é que não deve! Pode alegrar, entristecer, iludir ou desiludir, mas não nos deve nada! O dinheiro que os jogadores ganham, mesmo aquele que a seleção lhes paga, não nos sai do bolso. É dinheiro que os seus clubes lhes pagam ou que a FIFA paga à Federação em resultado das conquistas desportivas desta seleção no passado. É um assunto pequenino e lateral, todavia importa esclarecê-lo de vez.
É verdade que a seleção portuguesa ficou aquém do possível, mas não desiludiu pelo não apuramento. Espanha, Itália, Rússia, Inglaterra (campeões mundiais e europeus) também foram eliminadas de modo tão ou mais ultrajante.
A desilusão que a equipa de Paulo Bento criou foi de outra ordem. Portugal foi justamente eliminado. Não jogou bem e não mereceu vencer! A desilusão reside no facto de pensar que os nossos jogadores não fizeram tudo o que estava ao seu alcance para vencer, apesar de todos os contratempos por que passaram.
O empenho, o esforço físico e mental, a capacidade de sofrimento, a vontade de superação foram apenas medianas. Ora, representar Portugal exige o máximo de cada um em todos os momentos. Nisso não transijo. Foi nisso que Ronaldo, Nani, Moutinho e colegas falharam e não podiam ter falhado.
No final, é fácil culpar Paulo Bento porque levou para o Mundial jogadores sem ritmo de jogo, atletas saídos de lesões, impreparados ou em baixo de forma, que se lesionaram às primeiras correrias. Detesto hipocrisia e por isso não critico Paulo Bento, embora constate que esteve mal.
Não temos moral para o criticar por duas grandes razões: nada se disse antes do mundial começar e, no essencial, faríamos o mesmo que ele. Convocaríamos 90% dos jogadores que ele chamou, porque, apesar de terem feito uma má época desportiva ou terem ficado muito tempo magoados, eram os melhores jogadores portugueses disponíveis. Não havia alternativas credíveis a estes. Todos nós sabemos isto muito bem. Como também sabemos que a maioria de nós teria levado ao Brasil os craques mesmo que houvesse outros a jogar melhor (que não havia), mas menos mediáticos.
Na hora de decidir sempre preferimos jogar pelo seguro e manter aqueles que passamos a vida a criticar. Não é assim na política ou nos negócios?
A seleção falhou mas não com estrondo. O futebol continua a ser apenas um jogo. Umas vezes enche-nos de alegrias outras de tristezas, mas jamais pode servir para descarregar frustrações acumuladas com origens noutros setores da vida. Só assim conseguiremos perceber alguma da beleza deste desporto maravilhoso.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 28 de junho de 2014

MALÉFICA



   Mesmo as histórias mais perfeitas, em que tudo acaba bem e os heróis têm o final que todos desejam, têm o seu lado B. A Maléfica é o lado B do clássico da Disney “Bela Adormecida”. Aqui a protagonista é uma vilã – Maléfica – que, traída pelo amor da sua vida, lança-se numa demanda vingativa tão grande que só a beleza dum amor puro consegue aplacar.
  A fada Maléfica (Angelina Jolie) vive em Moors, uma terra recheada de criaturas mágicas que faz vizinhança com um reino humano. Quando o humano Stefan (Sharlto Copley) trai Maléfica, cortando-lhe as asas, para se tornar rei, a fada decide proteger Moors a todo o custo e vingar-se de Stefan com uma maldição sobre Aurora (Elle Fanning), a princesa recém-nascida. Com os anos, Aurora revela-se muito diferente do que Maléfica esperava, mas pode ser tarde para corrigir o seu erro.

   A Maléfica interpretada por Angelina Jolie não é a personificação do mal que podíamos estar à espera. Ela é capaz dos comportamentos mais antagónicos: revelar-se bondosa e tirana, vingativa e justa. As reações e os diferentes estados de Maléfica provam que a sua alma é humana, destinada a comportar-se impulsivamente, o que a torna muito mais aceitável aos olhos do público que assim se pode rever nela em alguns trechos do filme. Esta dicotomia entre heroísmo e maldade mostra uma tendência cada vez mais vincada na filmologia atual para mostrar as razões que levaram os vilões a tornarem-se maus, como se houvesse sempre uma explicação para o mal que praticam. No fundo, é a destruição da ideia tão infantil de que o mundo é a preto e branco. Talvez por essa razão, Maléfica nunca chega a ser tão má quanto alguns momentos sugerem que possa vir a ser e o humor abunda muito mais do que se imaginaria.


  A reviravolta na história amplifica a utilidade de Angelina Jolie como protagonista. A voz suave e enternecedora contrasta com o tom ameaçador e endiabrado de algumas falas. Jolie encarna bem o papel de Maléfica e tem uma atuação de grande valor.
   Os efeitos visuais à volta da protagonista são muito trabalhados, até em demasia para aquilo que esta história exigia. O mais eficaz efeito especial em Maléfica é, contudo, a majestosa e sarcástica Angelina Jolie como uma fada princesa enganada e vingativa que vai espantar audiências, especialmente as adolescentes. A figura escultural de Jolie e a sua cara memorável foram realçadas com a magia dos efeitos especiais. As suas bochechas verdadeiras não são tão exageradas, aquele brilho verde nos seus olhos é artificial, e ela na realidade não tem cornos. Mas a sua postura régia, a dor interna e o orgulho ferido, e a qualidade de vilã brincalhona é a cara de Angelina Jolie.
   A região mágica de Moors é maravilhosa e deslumbrante; o reino humano, por outro lado, é menos surpreendente e simpático, parecendo, no entanto, o mais artificialmente fabricado.
   O realizador Robert Stromberg procura propiciar o conflito e os momentos da ação, mas são os momentos calmos e de maior ternura que mais fazem pelo sucesso de Maléfica, até porque são envolvidos pela orquestra de James Newton Howard. 



   Angelina Jolie faz um trabalho digno de nota a retratar a anti-heroína, traída e humilhada. Mesmo quando a história caí em momentos já banais em filme, ela mantém o seu domínio com confiança. Elle Fanning faz um trabalho razoável como Aurora e Sharlto Copley está inesquecível num papel fraco; as três fadas (Lesley Manville, Imelda Staunton e Juno Temple) sobressaem pouco… O brilho do filme está todo na atriz principal.
   Maléfica é um filme que oferece uma versão alternativa ao popular conto infantil de Charles Perrault e uma interpretação deliciosa de Angelina Jolie, que sugere que o amor é muitas vezes uma armadilha e que inculca a ideia de que as famílias que construímos à medida que crescemos podem ser mais significativas do que aquela em que nascemos.

Gabriel Vilas Boas




sexta-feira, 27 de junho de 2014

MUSEU DE GUGGENHEIM

O Museu de Guggenheim é já um dos museus mais visitados em toda a Europa. A sua arquitetura moderna e arrojada é uma das grandes responsáveis pela curiosidade e interesse de milhares de turistas de todo o mundo.
           O que atraí é o polémico edifício que o americano Frank O. Gehry projetou para a cidade de Bilbau.
          Desde a sua inauguração a 19 de outubro de 1997, legiões de estudantes de arquitetura peregrinam até ao coração do País Basco para ver as superfícies curvas que compõem a imagem de aparente caos do Museu de Guggenheim. A estrutura formada por curvas complexas e torcidas era tão arrojada e de difícil execução que muitos arquitetos e engenheiros chegaram a questionar a exequibilidade da obra.
         No início dos anos oitenta do século XX, a administração do País Basco começou a desenvolver um novo programa de reordenamento urbano de Bilbau. Já no início da década de 90 do século XX, surgiu a ideia da Fundação Solomon R. Guggenheim se associar à reforma urbana.
         Frank O. Gehry inspirou-se no perfil industrial de Bilbau e, distorcendo as formas pré-definidas, desenhou um edifício em forma de nave espacial com 24 mil m2. Visto do rio, o museu parece ter a forma dum barco, o que implicitamente é uma homenagem a Bilbau enquanto cidade portuária. Exteriormente, o museu é coberto por superfícies de titânio, curvadas em vários pontos, que fazem lembrar um peixe. Mais uma vez o arquiteto Frank Gehry introduz um elemento orgânico nas suas criações arquitetónicas. Interiormente, verificamos que o átrio central tem a forma de uma flor cheia de curvas e atinge uma altura de 50 metros. Deste átrio central partem passarelas para os três níveis de galerias.  


     A arquitetura arrojada de Frank Gehry trouxe ao museu basco muita publicidade, mas também muitas críticas. Umas das críticas que é feita ao museu de Guggenheim é que é exteriormente de vanguarda, mas interiormente as suas salas de exposição são muito parecidas com as de muitos museus europeus, ou seja, o vanguardismo arquitetónico não é acompanhado pela inovação a nível museológico. Os críticos apontam ainda o elevado custo da obra assim como da manutenção do museu, referindo que ele não atrai tanto pelas obras que expõe mas sim pela controversa arquitetura de que é moldado.
     Apesar de tudo, é possível admirar neste museu a exposição “Matter of Time”, composta dum conjunto de esculturas em aço de Richard Serra, entre outros trabalhos de artistas do século XX.
     De todo o modo, o edifício vale a visita ao coração do País Basco. O Museu é ele próprio uma obra de arte. Moderna, ousada, vanguardista e muito bela. Nisso até os críticos concordam!

Gabriel Vilas Boas 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

ANTÓNIO CARNEIRO (II)

“E ainda paisagens e paisagens a óleo e aguarela, nuvens,terra,árvores,animais,campos,montes,praias, tudo animado dum místico sentimento da Natureza, que o pintor possuía a Natureza como a mulher grávida possui o filho.”
In António Carneiro, Teixeira de Pascoaes

A paisagem era também uma temática muito cara a Carneiro. As marinhas (de Leça, da Figueira da Foz, de Melgaço, a marginal…) foram sendo sugeridas ao pintor pela frequência destas praias apetecidas e que ele acompanhava sempre com uns sonetos dedicados ao mar, por vezes até à lua...
Nessas praias, quase sempre desertas, ele pintava um oceano revolto, por vezes calmo. O céu coroa as telas de azuis e brancos lumínicos, a raiar os rosas, os roxos, consoante o estado de espírito daquele céu. Ou do pintor? Quando há figuras, reconhecem-se os filhos. Quando há ação, surgem barcos, velas, pescadores…
A atmosfera por norma é a do entardecer…a adesão ao ideal panteísta é nítida.
Não serão estas paisagens simbólicas e intimistas, ao ponto de nos narrarem aquilo que o autor não quer desvendar?
José Augusto França chamou a estas marinhas “visões” e não “vistas”. Serão estas paisagens de António Carneiro mais um capítulo no seu Simbolismo?



António Carneiro, Onda (Vaga, 1912, óleo sobre tela, 40x80cm, coleção particular
O Mar (II)

Seu incomensurável coração
Fala de Amor, de Sonhos, de Saudade…
Soluça, ou ruge a sua ansiedade
Em longos haustos de insatisfação.
(…)
Solilóquios, António Carneiro

Esta obra, “Onda”, é uma das mais reservadas pinturas que de António Carneiro se conhecem e que provam o seu antinaturalismo. O mar aqui não está domesticado graças ao denso colorido que o inunda, que lhe imprime movimento anímico o que em muito denota a subjetividade do autor, a expressão do seu mundo interior. E ,por fim, não resisto a partilhar aqui este óleo sobre tela, s/ título, mas que representa uma das praias mais bonitas do norte de Portugal. A mim lembra-me verões distantes, caminhadas refrescantes junto ao mar,  férias simples em família. E a vocês?


António Carneiro. s/título (Capela de Nossa Senhora da Pedra), 1916

Rosa Maria Alves da Fonseca

quarta-feira, 25 de junho de 2014

PARABÉNS MOÇAMBIQUE


  Moçambique faz hoje 39 anos.
  Muitos portugueses recordam com nostalgia os tempos que viveram neste território do sudoeste africano de clima tropical e húmido, a quem as monções do Índico incomodam como enxaquecas cíclicas.
  Depois de 450 anos de uma mansa submissão ao colonizador português, os moçambicanos ganharam força, coragem e engenho para lutar por uma independência que demorou duas décadas a chegar e ainda assim à boleia da democracia em Portugal. No entanto, a manhã do dia 25 de junho de 1975 principiou mais bela do que nunca.
  Daí para cá passaram quatro décadas, cheias de contratempos e algumas alegrias. À guerra contra o colonizador europeu sucedeu-se a guerra civil entre Frelimo e Renamo, que matou as ilusões de paz e desenvolvimento durante 15 anos.
  Há vinte anos, finalmente, os moçambicanos puderam escolher, através de eleições, o seu presidente. O povo estava cansado de guerras entre irmãos que nunca tiveram sentido. Por isso, as armas calaram-se e os moçambicanos perceberam então que havia muito para construir. O país tinha apenas as condições mínimas para pessoas de segunda, que os portugueses haviam implementado para a sua mão-de-obra barata. Como não havia petróleo, nem estradas nem segurança, os amigos de Peniche tinham desaparecido.


  Os moçambicanos olhavam em volta e só viam parceiros ainda mais pobres. Zimbabwe, Tanzânia e Zâmbia não podiam ajudar muito. Foram os sul-africanos de Mandela e Graça Machel que lhes estenderam a mão. Em poucos anos o anémico PIB cresceu exponencialmente, mas o país de Malangatana não deixou de ser dos mais pobres do planeta.
  Contudo, isso não desanimou os irmãos africanos que pacientemente continuam a percorrer o seu caminho, fazendo as suas opções, recolhendo as parcas ajudas de quem enche a boca com solidariedade mas estende uma mão quase vazia. Fazem parte da União Africana, da Commonwealth e da CPLP. Nunca negaram a matriz portuguesa, apesar do desprezo e esquecimento a que foram votados por Portugal nos momentos de maior dificuldade. Por isso, o português é a sua língua oficial, apesar da pressão sul-africana e de só metade da população (a letrada) falar a língua de Camões, Fernando Pessoa e Eça de Queirós.
  A sua gente é simples, acolhedora e amiga. Há no seu olhar um encanto sereno que completa a beleza das paisagens da Beira e enche de saudades quase todos aqueles que viveram neste território antes de 1975 e tinham passaporte português.


  Moçambique continua de braços abertos. Há dez dedos que querem envolver aqueles que têm saudades e um coração que se quer dar a quem quiser descobrir um território e um povo que não passa a vida a lamentar-se, a pedir ou a negociar interesseiramente.
  São um povo belo e afável que precisa de médicos e professores que façam baixar o assustador número de 1,7 milhões de portadores da SIDA e devolvam às escolas o milhão de crianças, cujas famílias têm de abdicar da sua educação mais elementar porque precisam delas para subsistir.
  Não têm petróleo a jorrar dos poços nem diamantes a sair brutamente das minas. Têm, como disse hoje o presidente Armando Nebruza, muita pobreza para combater, uma unidade para reforçar e uma paz para solidificar. Precisam de professores e de médicos, mas também de enfermeiros, de engenheiros, de construtores…
  A terra de Mia Couto, Craveirinha e Eusébio faz hoje anos. A minha boca, o meu coração, a minha alma felicitam cada um dos seus filhos. 

Gabriel Vilas Boas 
* Entretanto esta música tipicamente moçambicana - a Marrabenta - que vai valer a pena

terça-feira, 24 de junho de 2014

MIGUEL FALABELLA


Os corações humanos são como instrumentos de muitas cordas. E ao longo da vida vamos aprendendo a tocá-las todas. Como se fôssemos músicos, intérpretes de nossas próprias emoções!
Miguel Falabella


  Miguel Falabella é um homem do espectáculo e da escrita: faz teatro e cinema, escreve argumentos de filmes e peças de teatro, apresenta programas de televisão e idealiza outros, participa em séries televisivas e ainda tem tempo e talento para escrever poesia.
          Para mim, ele será sempre um grande ator de teatro. É aí que o seu talento melhor se exprime. Apesar de já ter atuado em Portugal há uns anos, só o pude ver na televisão. Ficou célebre numa série humorística da TV Globo chamada “Sai de Baixo” que a televisão portuguesa retransmitiu durante vários meses.
         Falabella é um carioca, proveniente duma família da classe média alta (a mãe era professora universitária e o pai arquiteto) que se apaixona pelo teatro na adolescência. Entra numa escola de Teatro e aos dezoito anos já representa “O dragão” de Eugene Schwarz. Dois anos mais tarde já formava um grupo de teatro em parceria com a atriz Maria Padilha. O teatro era a profissão que escolhera. Mas o seu talento e enorme vontade de evoluir levá-lo-iam rapidamente ao mundo do cinema e da televisão.
            Enquanto o grupo criado por si encenava e levava ao palco A tempestade de Shakespeare ou o Despertar da Primavera de Wedekind, Falabella ganhava novos conhecimentos teatrais em França, entrava em novelas e tornava-se professor de teatro ainda antes dos trinta anos.

            Os papéis em telenovelas e em filmes sucediam-se a um ritmo alucinantes nas décadas de oitenta e noventa do século passado, o que lhe granjeou grande popularidade na sociedade brasileira. 
Em Portugal, a sua popularidade também é assinalável, por causa do seu papel na sitcom “Sai de Baixo”, onde assumiu a personagem Caco Antibes e fez rir milhões de portugueses, interpretando uma personagem mau carácter, politicamente incorreta, arrogante e vaidosa, mas terrivelmente divertida.

Mas Falabella não se realizava apenas na representação. Vivendo a um ritmo alucinante (certo dia um entrevistador perguntou-lhe se o dia dele tinha 24 horas como o de qualquer pessoa), dedicou-se à escrita de novelas e comédias. Em muitas delas ele entrava como ator.

A trajetória de sucesso de Falabella no teatro remonta ao ano de 1988, quando entrou em cartaz a peça Sereias da Zona Sul, escrita por ele com Vicente Pereira e na qual contracenava com Guilherme Karam. Os dois atores dividiram o prémio Mambembe, de melhor ator.

Falabella fez uma série de peças, como: Louro, Alto, Solteiro, Procura, "Falabella solta os bicho"; "Querido mundo"; "A pequena mártir de Cristo Rei" e "O submarino".


A sua estreia enquanto encenador foi na premiada peça Emily (1994), que lhe valeu o prémio Molière de melhor encenador e o Mambembe de revelação em encenação. Entre outros trabalhos que dirigiu estão Tupã, A vingança, de Mauro Rasi; Lucia McCartney, adaptação de Geraldo Carneiro do texto de Rubem Fonseca e o texto infantil "O Rouxinol do Imperador", adaptado por Flávio Marinho. A lista de trabalhos é interminável.

Falabella também atuou em Batalha de Arroz num Ringue para Dois e O beijo da Mulher Aranha e escreveu e dirigiu A Partilha (prémio Molière de melhor autor); No coração do Brasil, Como Encher um Biquíni Selvagem, Os Monólogos da Vagina (adaptação do original de Eve Ensler) e South American Way - musical sobre a vida de Carmen Miranda -, Capitanias Hereditárias e Todo Mundo Sabe o Que Todo Mundo Sabe, entre muitas outras peças.

Omnipresente na cena cultural, Falabella abriu em 1997 uma casa de espetáculos, o Teatro Miguel Falabella, na zona norte do Rio de Janeiro. Em 2004 lançou o livro Querido Mundo e Outras Peças, com sete peças escritas por ele e Maria Carmem Barbosa.

Em 2003 foi convidado pelo Prefeito César Maia para assumir o cargo de gestor da rede municipal de teatros, então responsável por dez teatros, entre outros equipamentos culturais. Ocupou o cargo até 2007.

Ainda em 2007 estreava em Portugal O Paranormal com Joaquim Monchique no elenco e direção. O espetáculo foi baseado na peça Louro, Alto, Solteiro, Procura - escrito por Falabella em parceria com Maria Carmem Barbosa.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 23 de junho de 2014

AO SOM DE... ROSTROPOVICH

Mais do que as palavras e tudo aquilo que possa dizer, o mais importante aqui semanalmente é a música que é partilhada e que pode ser ouvida ao longo da semana, caso seja do agrado de quem a ouve.
As palavras servem apenas como moldura para o quadro (leia-se trecho) musical que é apresentado.
A sugestão para esta semana é a Suite nº 1 em sol maior para violoncelo, de J.S.Bach, interpretada por Mstislav  Rostropovich.

Palavras para quê?
Margarida Assis


domingo, 22 de junho de 2014

FILIPE VI, O NOVO REI DE ESPANHA


PARA QUE SERVE UM REI?
Espanha tem um novo rei. Filipe VI sucede ao pai, Juan Carlos, que abdicou após quatro décadas de reinado. Chega ao trono espanhol, com 46 anos, o príncipe que casou com uma plebeia e cujos súbditos estão desencantados com a sua monarquia.
Todos os reinados têm os seus desafios, até porque, como diria Ortega y Gasset, o “Homem é ele próprio e as suas circunstâncias”. No entanto, há desafios intemporais e universais que todos os Homens têm de enfrentar qualquer que seja a sua circunstância.
O grande desafio de Filipe VI é tornar a figura do Rei pedra angular do seu povo. Certamente, Filipe VI sabe perfeitamente qual o papel institucional que lhe cabe, conhece as regras protocolares e as leis do seu país, compreende os anseios do seu povo. A questão que se coloca é outra: que tipo de monarca quer Filipe ser? Ou seja, que grau de comprometimento quer ter com o seu povo e com o seu cargo.
O povo espanhol sabe bem que tipo de Rei quer. Quer um rei que ame o seu povo, que o entenda, que o saiba unir sem o constranger, que saiba dizer que sim e, sobretudo, dizer que não, dum modo decisivo e coerente. Quer um rei que seja admirado não apenas por ter uma mulher bela e elegante, mas por tornar um povo orgulhoso das decisões do seu rei.
O povo ama o seu rei e gosta da monarquia. Aceita bem a ideia dum escolhido que vista o papel de herói e o represente com o glamour que só uma casa real pode emprestar. Todavia, um povo do século XXI exige muito mais ao seu Rei. Não baste a Filipe dizer que quer a unidade do país mantendo a diversidade das regiões autonómicas. É necessário construir essa unidade. E essa unidade conquista-se com um grande rei e um reinado exemplar, arguto, próximo das pessoas, paciente e ativo.


Filipe VI parte com alguns trunfos: a maioria do povo espanhol não quer a desintegração da Espanha e percebe que só pode ser grande na Europa se não se dividir; os espanhóis sabem que é o Rei o garante dessa unidade; a juventude do casal real e a origem plebeia de Letizia funcionam como facto de aproximação dos novos reis aos seus súbditos. No entanto, estes são apenas factores promissores que só a vontade e determinação de Filipe e Letizia podem transformar em decisivos.
Os grandes monarcas e os grandes reinados não são um concurso de beleza, um roteiro de visitas ao estrangeiro ou uma cuidadosa gestão de posições políticas que foge dos problemas sem nunca os resolver. É verdade que essa é a marca dos tempos modernos, mas também a razão que afasta reis e rainhas do coração do seu povo.
Ganhar o respeito, a admiração, o carinho e o amor do povo espanhol é uma tarefa árdua que Filipe e Letizia têm pela frente. E desafios não faltam. Desde logo o referendo separatista na Catalunha, a eterna questão basca ou as desigualdades económicas vividas pelas regiões mais pobres como é o caso da Galiza. Poder-se-á dizer que o Rei não detém o poder legislativo nem tem um ascendente psicológico decisivo sobre o povo. Pois precisa de o conquistar.
Filipe VI e Letizia Ortiz têm de escrever a sua própria história. Da determinação e sagacidade com que o fizerem dependem um bocadinho a História próxima de Espanha e o futuro da própria monarquia na Europa.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 21 de junho de 2014

O PADRINHO (I)


   Desde 1972, onde quer que se esteja, qualquer referência à máfia ou ao crime organizado é imediatamente associado ao filme “O PADRINHO” ou ao nome Don Corleone. Só isso diz bem da colossal importância deste filme e dos que se seguiram para completar a trilogia de Francis Ford Coppola.
    Ao longo de três horas, O Padrinho é estonteante, chocante e realista, retratando como nunca mais foi feito (exceto nos outros dois filmes da série) o pérfido cartel do crime que cresceu até ser quase omnipresente nos Estados Unidos.
    É diferente de qualquer outro filme de gangsters, pois Coppola não utiliza fórmulas até então conhecidas para contar a história, usando sequências de quadros visuais, unidos, tal como a própria família, pela presença quase mítica de Vítor Corleone (Marlon Brando). Essa é, aliás, a receita do romance original, em que Mario Puzo oscila entre mitos e realidades do mundo do crime organizado.
    Marlon Brando teve uma interpretação inesquecível, que lhe valeu o segundo Óscar de Melhor Ator da sua carreira, depois do que havia conseguido em 1954 com o filme Há lodo no cais. Aliás, o próprio Mario Puzo, que escreveu o argumento do filme em parceria com Coppola, referiu que tinha criado a personagem principal do filme já a pensar que ela seria interpretada por Marlon Brando. Mas a verdade é que o produtor do filme tinha pensado em entregar o papel a Edward G. Robinson ou Laurence Olivier. No entanto a vontade de Coppola era só uma e foi essa que acabou por prevalecer!


    Todas as interpretações neste filme são memoráveis, tanto no que respeita a protagonistas como a atores secundários. Al Pacino mostra-se estupendo no papel de Michael, o filho universitário de Don Corleone que acaba por responder ao apelo do sangue  em vez de seguir uma carreira longe do crime. O filme acaba também por ser o filme de Al Pacino, mas as aparições de Marlon Brando foram tão brilhantes que o sucessor de Don Corleone apenas teve direito a uma nomeação para ator secundário.
    Marlon Brando recebeu um pequeno cachet de 100 mil dólares, associado a uma comissão nas receitas do filme que lhe rendeu 16 milhões de dólares!
    Francis Ford Coppola, convencido de que seria muito difícil lidar com a personalidade de Brando, ficou surpreendido com a facilidade com que este captou a personagem e com o espírito cooperante que ele demonstrou ao longo dos 35 dias que concedeu para filmar o seu papel.
    O Padrinho foi um dos maiores êxitos de bilheteira de todos os tempos e atingiu ganhos na ordem de 150 milhões de dólares. Pela direção desta obra-prima do cinema, Francis Ford Coppola recebeu uma nomeação para Óscar. Já o filme foi considerado o melhor de 1972 pela Academia de Hollywood e Marlon Brando consagrado como melhor ator.

Gabriel Vilas Boas
    

sexta-feira, 20 de junho de 2014

CASAS QUE MARCAM A ARQUITETURA DO SÉCULO XX (III)


Esta semana é a vez de vos escrever sobre a Villa Savoye, mais uma casa que marca a arquitectura do século XX.


Villa Savoye, de 1929, da autoria de Le Corbusier, em Poissy (França)
Criação do arquitecto suíço Le Corbusier (1887-1965), o projecto da Villa Savoye foi pautado pelos ideais do Estilo Internacional, cuja estética valorizava a leveza do volume sobre a massa, a utilização de planos “leves” e finos na definição dos espaços, o predomínio da regularidade sobre a simetria, o apuramento técnico ao invés da ornamentação, o cuidado nas proporções e a flexibilidade da planta.
Esta casa de fim-de-semana construída em Poissy, uma vila nos arredores de Paris, constitui um exemplo paradigmático das teorias de LeCorbusier e desde logo integrou o protótipo tipológico para as suas futuras construções. O projecto desta casa, baseado nas funções da vida diária, é um modelo da “Máquina de Habitar” de Corbusier, onde estão também patentes os “Cinco Pontos” defendidos pelo arquitecto como fundamentais da “Nova Arquitectura” (1-construção sobre pilotis; 2-coberturas em telhado-jardim; 3-planta livre; 4-fachadas livres; 5-janelas rasgadas longitudinalmente).



O edifício destaca-se dos demais por variados factores, o primeiro, pelo facto de estar assente em pilares (pilotis) que lhe servem de estrutura, permitindo quer um isolamento das humidades quer uma maior relação com a envolvente, solucionando além disso o problema de acesso e estacionamento do carro, tão premente à época. Outro factor é a planta livre, tornada possível graças aos pilotis que substituem as paredes-mestras, permitindo que o espaço possa ser distribuído livremente. E ainda a fachada livre, independente da estrutura, assentando directamente sobre os pilares, sendo a sua composição ditada pelas vistas a partir do interior. São igualmente outra causa de destaque, as janelas colocadas em longas faixas horizontais, visto as fachadas, por não serem de suporte, poderem conter grandes aberturas. Finalmente o terraço-jardim que, sendo uma cobertura plana, conquista um espaço inútil transformando-o em solário e jardim.


A Villa Savoye apresenta-se como um cubo, quase suspenso isto é, devido à malha de pilares onde está assente o 1º piso, o volume parece levitar sobre o solo. Inteiramente pintada de branco, a casa desenvolve-se em três níveis. O rés-do-chão, onde se encontra o espaço de serviço, constituído por garagem, lavandaria, WC, quartos do pessoal e um grande átrio de secção circular, do qual partem uma rampa e uma escada, que dão acesso aos andares superiores. No entender de Le Corbusier, a escada é algo que “separa”, enquanto a rampa é compreendida como algo que “une”, esta é neste projecto a figura central e é o elemento que conduz o indivíduo como se fosse um “passo em direcção à luz”.

 O 1º andar é o espaço da habitação, que compreende quartos, quartos de banho,WC, cozinha e salas de jantar e estar, que dão para um “jardim suspenso”. Este jardim/terraço é fechado por paredes que contêm enormes rasgos longitudinais, constituindo uma autêntica sala ao ar livre. Neste volume, o arquitecto projectou as quatro fachadas com aberturas, criando uma ligação com a paisagem e com as diferentes incidências da luz solar.
O 2.º andar é preenchido totalmente pelo terraço solário.


Em 1963 a Villa Savoye, também conhecida como “As horas de Luz” foi considerada como Património Arquitectónico pelo governo francês, devido à influência que provocou e ainda provoca na arquitectura mundial e pela forma como expressa e sintetiza as ideias de Le Corbusier para a “Nova Arquitectura” do século XX. 
Teresa Beyer

 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

DIEGO VELÁZQUEZ


Hoje não nos deteremos propriamente num pintor, mas num quadro. Por vezes, há momentos raros de inspiração que tornam um pintor célebre para a posteridade. Esses momentos ficam plasmados na tela, em quadros únicos. É o caso do óleo sobre tela que Diego Velázquez  pintou, em 1536, a uma escala quase real, sobre a infanta Margarida (filha dos reis de Espanha, Filipe IV e Margarida de Áustria) e as suas damas de companhia, “as meninas”.   

AS MENINAS
Este quadro invulgar, todo ele pintado em cuidada perspetiva, permite-nos espreitar os bastidores da vida da realeza. Mostra-nos uma jovem princesa espanhola, a infanta Margarida, com cerca de cinco anos, rodeada das suas damas de honor, dos anões Maribarbola e Nicolás Pertusato e de alguns cortesãos, incluindo o próprio artista.
À primeira vista, a infanta parece ser o foco das atenções. As restantes figuras estão, graciosamente, dispostas em seu redor e o fundo imerso numa bruma de escuridão oferece o contraste perfeito para a luz dos angélicos cabelos da infanta e a claridade sedosa do seu vestido, monopolizando na princesa o nosso olhar.
Mas se examinarmos os rostos, tanto da infanta como de alguns dos outros presentes, reparamos que convergem também eles o seu olhar num ponto e que esse ponto está fora da imagem. O que concentra a sua atenção?
A resposta vem do espelho pintado ao fundo deste quadro e que revela um casal a contemplar a cena – o rei e a rainha de Espanha (os citados Filipe IV e Margarida de Aústria).

   

Ao envelhecer, o monarca deixou de gostar que o retratassem, mas Diego Velázquez, o pintor oficial do rei de Espanha, encontrou esta forma engenhosa de o inserir na pintura sem contrariar a sua vontade. Uma habilidade que estaria para a pintura da época como o photoshop está hoje para a fotografia. Embora desfocado, o espelho incluído na pintura permite ver claramente o reflexo dos reis, de pé sob uma cortina. E quem contempla a imagem fá-lo do mesmo ponto onde estaria o casal real, o que torna o espectador quase um voyeur nesta janela indiscreta.  
        O quadro é também um documento histórico, até da indumentária da época, com as suas golas bufantes e armações e saiotes a estender as ancas até ao impossível, como se as personagens femininas tivessem enfiado os pés em alguidares esburacados e os movessem, suspensos e em surdina, debaixo dos seus vestidos.

Tem ainda a peculiaridade, depois muito copiada, e inspirada noutra obra marcante -  “Os esposos Arnolfini” de Yan van Eyck –, de retratar também o próprio pintor. Velázquez pinta-se em ação, com um olhar reflexivo e ostentando a cruz da Ordem de Santiago que confere nobreza e distinção ao seu trabalho de pintor. No entanto, esta cruz não fazia parte da composição original, foi acrescentada mais tarde, porque também só ulteriormente o pintor foi agraciado com a nomeação de Cavaleiro daquela Ordem. Uma pequenina “fraqueza”, bem compreensível à escala da mentalidade da época e quase pueril, sobretudo em quem se tornou maior do que qualquer artefacto.

Maria Vilas

quarta-feira, 18 de junho de 2014

JOSÉ SARAMAGO


Faz hoje quatro anos que morreu José Saramago, o único escritor português a receber o Prémio Nobel da Literatura. Os últimos anos de vida do grande escritor nascido na Golegã foram uma enxurrada de prémios e reconhecimento público pela sua obra e pela sua escrita, de tal modo que ele não se tornou apenas num grande vulto da literatura, mas também numa das grandes figuras da História de Portugal.
          José Saramago teve uma vida e carreira marcada pela polémica. E ele gostava e aproveitava-se dessa celeuma que o envolvia. O homem que usava vírgulas em vez de pontos finais, gostava de enfrentar a Igreja Católica, provocando e desafiando, tinha prazer em afirmar-se comunista e criticar as opções políticas e ideológicas dos governantes do seu país e não renegava a rivalidade com António Lobo Antunes.
          A atribuição do Nobel da Literatura trouxe-lhe um reconhecimento e uma autoridade literária e social que nenhum outro escritor português teve nas últimas décadas. Esse prémio internacional encheu o ego nacional e tornou-o num herói até daqueles que pouco ou nada o leram. No entanto, a sua obra é superlativa e merece os encómios com que foi mimada.

        Único escritor português a receber o prémio Nobel da Literatura, José Saramago configura um caso ímpar na literatura nacional. Este escritor autodidacta iniciou a actividade profissional como serralheiro mecânico. Até 1976, quando decide dedicar-se em exclusivo à criação literária, foi tradutor, diretor literário e colaborou em vários jornais e revistas: crítico literário na Seara Nova, principal responsável pelo suplemento literário do Diário de Notícias e diretor-adjunto do DN.
          A aparente simplicidade da escrita de José Saramago é servida por um estilo muito próprio, marcado por frases e períodos compridos e por uma forma muito sua de utilizar a pontuação. O fluxo da sua escrita nem sequer é alterado pelos diálogos que surgem inseridos na narrativa. Estas são apenas algumas das características que o levam a ser considerado por muitos críticos como um mestre no tratamento da língua portuguesa.

          Muito escritor ganhará em ler José Saramago atentamente. Há-de aperceber-se que a naturalidade ou o artifício, a transparência ou o mal-entendido, a desarmante singeleza ou um requinte de perfídia, são outros tantos efeitos lúdicos, atingidos com recursos inesperadamente simples, à nossa espera no vasto areal do idioma. 


Antes da consagração máxima internacional, José Saramago tinha já recebido os mais prestigiados prémios literários nacionais: prémio Camões, em 1995; prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de escritores, em 1993; prémio de Consagração de Carreira, da Sociedade Portuguesa de Autores, em 1995.
A publicação das suas obras em várias línguas tornou Saramago no escritor português mais internacional do fim do século XX. Exemplo disso são as declarações do cineasta Frederico Felini que descreveu Memorial do Convento como uma das mais interessantes obras que alguma vez lera. O italiano Azio Corghi foi mais longe, ao adaptar para a ópera a obra do escritor português que esteve em palco, no Scala de Milão, com o título Baltazar e Blimunda, em 1990. O mesmo autor adaptou a peça de teatro In Nomine Dei para a ópera com o título Divara.
Nas palavras dos membros da Real Academia, a atribuição do prémio justificava-se sobretudo pelo estilo assinalado “… por parábolas assentes na imaginação, na compaixão e na ironia e que continuamente nos possibilitam uma apreensão da realidade ilusória.”. De resto, estas características estão presentes no romance Ensaio sobre a Cegueira quando escreve: “se podes ver, vê. Se podes ver, repara.”. Quando recebeu o prémio Nobel, a sua obra encontrava-se já editada em países como Espanha, Itália, França, Bulgária, Estados Unidos, Japão, México ou Rússia.
Hoje a sua obra é difundida, com grande amor e carinho, através da Fundação José Saramago, que tem como presidente o grande amor da vida do escritor, Pilar del Rio.

Gabriel Vilas Boas

terça-feira, 17 de junho de 2014

REI ÉDIPO





Édipo Rei é uma tragédia escrita pelo grego Sófocles em 427 a.C. Trata-se da mais perfeita e exemplar tragédia escrita ao longo de todos os tempos, pela capacidade que teve em influenciar definitivamente o teatro trágico ao longo dos séculos. É um texto que não apenas marcou a literatura universal como marcou a filosofia, a psicologia e a sociologia, pois introduziu o famoso conceito do complexo de Édipo.

A história do dramaturgo grego conta-se em poucas palavras. Édipo é filho de Laio, rei de Tebas. Este fora amaldiçoado de forma que o seu primeiro filho tornar-se-ia seu assassino e desposaria a própria mãe. Ao tentar escapar da ira dos deuses, Laio manda matar Édipo mal este acabara de nascer. No entanto, por obra e graça do destino, Édipo sobreviveu, por ação dum pastor que o entregou a Políbio, rei de Corinto. 

Já adulto, Édipo descobre a maldição que lhe foi atribuída e para que ela não fosse cumprida, foge de Corinto para Tebas, sem perceber que em Tebas encontraria os seus verdadeiros pais. A meio da viagem, Édipo encontra um grupo de pessoas, acompanhadas do seu senhor – Laio. Sem saber que o destino preparava para fazer das suas, mata todos aqueles que lhe aparecem pela frente, incluindo Laio.

Logo que chega a Tebas, Édipo livra a cidade da horrenda esfinge e dos seus enigmas, recebendo a recompensa: é eleito rei e premiado com a mão da rainha Jocasta (viúva de Laio). 


Édipo reinou vários anos e teve vários filhos de Jocasta, no entanto Tebas passa novamente por tempos difíceis e a população clama por ajuda do seu Rei. Após uma consulta ao oráculo de Delfos, que responde através do deus Apolo, os tebanos ficam a saber que a ira dos deuses se deve ao facto do assassino de Laio ainda se encontrar vivo e entre eles. Édipo, então, decide livrar seu reino desse mal e descobrir quem é o assassino, desferindo uma tremenda maldição:

Proíbo que qualquer filho da terra onde me assistem o comando e o trono dê guarida ou conversa ao assassino, seja ele quem for; (…) Eu ordeno, ao contrário, que o enxotem de suas casas, todos, por ser aquilo que nos torna impuros, conforme acaba de nos revelar, por seu oráculo, a fala do deus! (…) E ainda mais: rogo aos céus, solenemente, que o assassino, seja ele quem for, sozinho em sua culpa ou tenha cúmplices, tenha uma vida amaldiçoada e má, pela sua maldade, até o fim de seus dias. Quanto a mim, se estiver o criminoso em minha casa, privando comigo, eu espero que sofra as mesmas penas que dei para os demais.


Mal sabia ele que a maldição cairia sobre ele próprio, quando certo dia soube da verdade através do pastor que lhe havia salvo a vida, na infância. As consequências foram devastadoras: Jocasta suicidou-se assim que descobre e Édipo cega-se, perfurando os próprios olhos e exilando-se.


Esta tragédia coloca o ser humano perante a dura lei do destino, que muitas vezes ultrapassa as ações do Homem e lhe marca a vida, independentemente da sua vontade, da sua ética ou moral. O papel do Destino na vida humana é o eixo central desta tragédia, no entanto não podemos deixar de realçar outros motivos presentes: a humanidade dos mais simples perante a crueza dos poderosos (criado /Laio), a noção de pecado involuntário; a sabedoria nem sempre trazer felicidade; o poder dos deuses não gostar de ser desafiado pelos humanos (O destino de Édipo seria padecer e esse destino não devia nem podia ser alterado pelos humanos). 

A História do Rei Édipo foi aproveitada pela literatura, pelo teatro, pela pintura, pela psicologia. Freud aproveitou esta história para construir a teoria segundo a qual há um desejo incestuoso do filho pela mãe e uma rivalidade deste com o pai. A esta teoria psicológica, Freud chamou complexo de Édipo.

O mundo do teatro ganhou uma das obras referência da arte dramática e que influenciou importantes dramaturgos ao longo dos tempos. É um privilégio para qualquer espectador poder assistir a uma boa representação desta peça. 


Gabriel Vilas Boas