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sábado, 7 de junho de 2014

O ROMÂNICO EM AMARANTE (VI)

A ESCULTURA

Na Idade Média, as várias actividades artísticas não eram consideradas expressões independentes entre si. Esperava-se delas que contribuíssem para os objectivos e decoração da obra fundamental que era a Igreja, onde se reunia a comunidade cristã e onde se exaltava a grandeza do Criador. A escultura aparecia assim subordinada às necessidades e preferências da arte principal que era a arquitectura, dependendo totalmente dela!
Como a arquitectura, a escultura românica é profundamente marcada pela cultura medieval e é um dos seus melhores expoentes. É através da escultura que se afirma a ideia de omnipotente e omnipresente de Deus, a ideia da religião como mistério, como única salvação para não se perder num mundo desconhecido e obscuro. 
Nas igrejas românicas de Amarante a escultura está limitada aos portais de acesso, bases e capitéis das colunas, modilhões das cornijas e pouco mais.
  
O PÓRTICO 
Os portais principais dos templos românicos eram quase sempre virados a Oeste, frontais ao altar-mor, o que colocava os fiéis virados para Oriente quando oravam! Estes portais eram um dos elementos profusamente esculpidos. Assumem a forma rectangular e são encimados por um semicírculo (tímpano). O tímpano, é suportado por um lintel, aquilo a que numa construção vulgar damos o nome de “padieira” que assenta directamente sobre as colunas ou então em mísulas mais ou menos decoradas! O portal não é rasgado a prumo, isto é, cortado a direito na parede, mas sim com um voamento mais ou menos acentuado: o que significa que, embora mantendo o mesmo perfil vai, a pouco e pouco, estreitando-se de fora para dentro, como se pode ver nas figuras seguintes:

    Pórtico Ocidental de Travanca              Porta Norte de Travanca

Nas igrejas de três naves, como a de Travanca, este portal abre-se para a nave central!
A escultura materializa-se aqui, nas bases e capitéis dos colunelos; as arquivoltas do Pórtico são quase sempre esculpidas e no caso do pórtico ocidental de Travanca são-no em forma de rolo.
Como exemplo da decoração do tímpano, observemos o pórtico que dá acesso à torre da Igreja do Mosteiro de Travanca que foi decorado com um “agnus dei” e as arquivoltas decoradas como Xosé Lois Garcia tão bem descreve na caixa de texto seguinte:

Poratal da torre de Travanca

A porta é circundada por doze grifos que levam os doze ramos da vida. Estes seres híbridos (Leão e águia) configuram o poder de Cristo na terra (leão) e no céu (águia). 

A arquivolta inferior está decorada por cinco faces de leão, que franqueiam a entrada. O tímpano tem um agnus dei, que ergue a cruz com a pata direita e tem a face posta nela. 

Xosé Lois Garcia (adaptado)


No pórtico ocidental da Igreja de Jazente, o tímpano é sustentado por mísulas lisas que repousam sobre uma espécie de pilar ornado com estrias verticais. Este tímpano encontra-se perfurado por uma larga cruz com disco central, e no lintel há outra cruz gravada no granito. As duas arquivoltas não apresentam qualquer decoração!


Pórtico de Jazente

O CAPITEL
No românico de Amarante, assim como no românico em geral o capitel das colunas assume uma importância relevante na escultura. Abandonam-se as ordens clássicas (dórica, jónica e coríntia) e cria-se um capitel, bastante grande, obtido pelo arredondamento na sua zona inferior, dos ângulos de um paralelepípedo de pedra, dando-lhe um aspecto campaniforme ou troncocónico. Essa forma adapta-se muito bem como suporte de cenas esculpidas, em vez de motivos abstractos, como acontecia na antiguidade clássica.
Em geral, os capitéis são decorados com elementos botânicos e zoológicos mas outros há que representam a figura humana e outras mitológicas, usadas todas elas como elementos simbólicos da eterna luta entre o bem e o mal!
Estes capitéis não eram muitas vezes bem entendidos pelos fiéis medievais analfabetos, pelo que a maior parte das vezes mais do que ensinar os fiéis, impressionava-os, incutindo respeito e mesmo medo face aos perigos da perdição da alma!

Normalmente as quatro faces dos capitéis eram usadas como painéis onde se esculpem pequenas histórias tiradas do Evangelho, contadas através de elementos simbólicos.

                Segundo Xosé Lois Garcia in “ Simbologia do Românico em Amarante” Edições do Tâmega - 1997  “… Os elementos simbólicos do mosteiro de Travanca estão sob a influência do românico da catedral de Santiago de Compostela que foi o estilo vanguardista que imperou em toda esta área e que influenciou desmesuradamente os pormenores de qualquer projecto posterior. Compostela vê-se irradiada pelo românico clunicense. Sem este estaria eclipsada a sua preponderância. É por isso que Travanca está sob influência dos elementos arquitectónicos e simbólicos que configuram, plenamente esse universalismo…”

Referindo-se ao Pórtico de Travanca o mesmo autor afirma que o que mais impressiona é a sua unidade, não só em termos de proporção, mas também nos símbolos que os capitéis oferecem de ambos os lados da entrada. Segundo a sua opinião os símbolos daqueles oito capitéis podem ter três leituras possíveis:
Passagem de um plano material para outro espiritual”
“Transgressão da vida material para que se produza o impacto da vida espiritual. Apologia da renúncia possível”
“Triunfo da vida espiritual sobre a material e submissão desta à primeira”

Os capitéis do Pórtico, segundo Xosé Lois estão dirigidos à alma e não só para mostrar e exaltar os elementos botânicos e zoológicos. A arte dos capitéis é essencialmente simbólica, como necessidade espiritual do homem medieval.
Segundo o autor referido, o primeiro capitel apresenta dois leões de uma só cabeça, vitoriosa e com o rabo saindo para cima e simboliza o triunfo de Cristo,” Leão da tribo de Judá”. Na boca comum dos leões há uma folha que simboliza o fruto espiritual do mundo terreno, os crentes; estes são elevados pelo leão triunfal(Cristo).Também representam a visão de S. João no Apocalipse, 5:5, “Então, um dos anciãos disse-me: Não chores! Eis que o leão da tribo de Judá, a vergôntea de David, saiu vencedor. Por isso abrirá o Livro dos sete selos.”

No capitel seguinte apresenta-se um corpo com asas e rabo em forma de serpe. Um ser híbrido que segundo o autor é uma águia que simboliza a renovação espiritual pela troca de plumas na Primavera. Enfim, uma chamada a não se renunciar à vida espiritual, coisa que acontecia com os jovens e adolescentes da época.
 No terceiro capitel, apresenta-nos em toda a sua superfície um homem de dimensões robustas, musculoso e fisionomia de personagem medieval, um Herói. Representa a libertação individual à procura da imortalidade por meio do sacrifício pessoal e elevação espiritual. O HERÓI de Travanca tem o rosto erguido olhando para o céu e as mãos sobre a folha de palmeira, símbolo de justiça.
 O quarto e último capitel do pórtico representam duas aves vigorosas entrelaçadas por ambas as gargantas, símbolo de unidade amorosa. Pelo aspecto forte do bico, no qual está uma folha de cereal, as aves devem ser águias.
 A parte superior dos capitéis está decorada por um entrelaçado circular que no centro forma uma cruz.
No tocante a capitéis parece-me indispensável realçar a importância do arco triunfal da Igreja de Gatão que ostenta dois belíssimos capitéis, abaixo reproduzidos, sendo que o primeiro evoca o pão e o segundo representa uma rara e curiosa figuração da videira e cachos.


 Os modilhões são, em linguagem simples, os suportes da cornija de uma igreja. Também designados ”cachorros” e o seu conjunto como “cachorrada” quando relacionados com o românico!
Há-os de formato simples, sem qualquer ornamentação e aparecem também outros mais elaborados, quer com figuras de tipo geométrico quer com figuras humanas ou zoomórficas. As igrejas românicas de Amarante apresentam toda essa diversidade e são de realçar os da Igreja de Gatão (arcaturas lombardas) pela sua desproporção face ao edifício, bem como pela beleza do conjunto.

                                                                                                                                                   Arcaturas lombardas - cornija, Gatão


Na Igreja de Gondar, os modilhões são todos do tipo geométrico.

Segundo Xosé Lois, o modilhão com uma só bolinha representa o pão na primeira fase de crescimento, as três bolinhas representam o mesmo pão em grão pronto para a ceifa e as três bolinhas dispostas em forma triangular representam os grãos de cacho. O Vinho está representado no modilhão ao qual corresponde uma cuba.
OUTROS ELEMENTO ESCULPIDOS      
*  Fecho de um arco da Galilé da Igreja de Gatão   
  * Cruz do alto da frente – Igreja de Travanca


Esta cruz apresenta a particularidade de ser uma peça escultórica individualizada, enquanto a generalidade da escultura românica em Amarante, é escultura feita em relevo, que não se destaca da base em que foi esculpida!

António Aires

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