Os médicos ameaçam
novamente fazer greve daqui a quatro semanas. A maioria de nós deu pouca
relevância ao facto e muitos, desatentos, acharão que se trata, no fundo e mais
uma vez, de questões salariais ou remuneratórias. Mas não! O problema é o código
de ética que o Governo do Ministro Paulo Macedo quer impor ao médicos e outros
agentes que trabalham na área da saúde.
Sem ler ou ouvir as razões
dos médicos, poderíamos pensar se tal código só poderia ter por causa os muitos
presentes que os médicos recebem dos seus pacientes e que o Ministério da Saúde
estava disposto a terminar com essa prática. Ainda que o assunto seja aflorado,
não é o que motiva o novo código de ética que os nossos governantes querem
impor à classe médica.
Dito duma forma simples: não podem falar nada que ponha em causa o bom nome do serviço onde trabalham, ainda que isso seja a mais pura das verdades. Não podem dizer que o governo os
obriga a práticas médicas pouco recomendáveis porque menos onerosas, não podem esclarecer
ninguém sobre condutas médicas e administrativas que achem lesivas do cidadão,
não podem denunciar ordens da tutela que não respeitem os interesses nem a
saúde dos utentes, etc. A lista seria extensa e cada um de nós pode imaginar a
lista de proibições que os profissionais da saúde passam a estar sujeitos.
E por que faz isto o
Ministério da Saúde? Se observarmos com atenção, os médicos portugueses não têm
por hábito denunciar a falta de condições nos hospitais, não costumam envergonhar
os serviços onde trabalham com afirmações depreciativas ou bombásticas, não
“passam” aos media informações inconvenientes ou falsas, não fazem dos serviços
públicos de saúde um centro de negócios. Aliás, os contactos com a comunicação
social são sempre pautados pela reserva e discrição e não costuma haver duas
versões do Hospital e Centro de Saúde para o mesmo facto.
O problema do Ministério da
Saúde não é a falta de ética dos médicos portugueses, mas a sua ética
excessiva, na ótica do governo. Para o Ministro Paulo Macedo e seus pares, era
bom que os médicos assistissem sem reação nem denúncia à implementação dum
conjunto de práticas médicas que baixassem o nível dos cuidados de saúde ou
pusessem em causa esses mesmos cuidados. E, vinculados por esse “tão ético”
código de ética, dessem a cara por medidas com as quais discordam
profundamente. Mais do que amordaçados, os médicos passariam a assumir, na
prática e no terreno, a desqualificação do Serviço Nacional de Saúde.
O Ministério da Saúde, ao
bom estilo de qualquer regime ditatorial, diria o que o médico pode dizer e não
pode dizer. É a perversão total da liberdade de expressão e da democracia. O
médico português não é um desbocado, um maldizente ou um traidor. O médico
português é um cidadão de pleno direito, com liberdade de opinião e com uma
responsabilidade acrescida do ponto de vista social, cívico e ético, cuja
prática das últimas décadas não autoriza outra tomada de posição que não seja
estar do seu lado nesta luta.
É uma luta fundamental ainda
que pouco publicitada pelos órgãos de comunicação social (que também são
atingidos pelo código da vergonha), porque em última instância defende o
direito dos utentes, a saber, que muitas vezes os médicos e enfermeiros que os
atendem não fazem melhor ou diferente porque nem os deixam denunciar o que está
mal.
O problema é antigo e
resolve-se quase sempre da pior da maneira: quando não se gosta da mensagem o
melhor é “matar” o mensageiro. É o que diz o artigo 3.º do Código de Maquiavel.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário