Faz
hoje quatro anos que morreu José Saramago, o único escritor português a receber
o Prémio Nobel da Literatura. Os últimos anos de vida do grande escritor
nascido na Golegã foram uma enxurrada de prémios e reconhecimento público pela
sua obra e pela sua escrita, de tal modo que ele não se tornou apenas num
grande vulto da literatura, mas também numa das grandes figuras da História de
Portugal.
José Saramago teve uma vida e carreira marcada pela polémica. E ele gostava e aproveitava-se dessa celeuma que o envolvia. O homem que usava vírgulas em vez de pontos finais, gostava de
enfrentar a Igreja Católica, provocando e desafiando, tinha prazer em
afirmar-se comunista e criticar as opções políticas e ideológicas dos governantes
do seu país e não renegava a rivalidade com António Lobo Antunes.
A atribuição do Nobel da Literatura trouxe-lhe um
reconhecimento e uma autoridade literária e social que nenhum outro escritor
português teve nas últimas décadas. Esse prémio internacional encheu o ego
nacional e tornou-o num herói até daqueles que pouco ou nada o leram. No entanto,
a sua obra é superlativa e merece os encómios com que foi mimada.
Único escritor português a
receber o prémio Nobel da Literatura, José Saramago configura um caso ímpar na
literatura nacional. Este escritor autodidacta iniciou a actividade
profissional como serralheiro mecânico. Até 1976, quando decide dedicar-se em
exclusivo à criação literária, foi tradutor, diretor literário e colaborou em
vários jornais e revistas: crítico literário na Seara Nova, principal responsável pelo suplemento literário do Diário de Notícias e diretor-adjunto do
DN.
A aparente simplicidade da escrita de José Saramago é
servida por um estilo muito próprio, marcado por frases e períodos compridos e
por uma forma muito sua de utilizar a pontuação. O fluxo da sua escrita nem
sequer é alterado pelos diálogos que surgem inseridos na narrativa. Estas são
apenas algumas das características que o levam a ser considerado por muitos
críticos como um mestre no tratamento da língua portuguesa.
Muito escritor ganhará em ler José Saramago
atentamente. Há-de aperceber-se que a naturalidade ou o artifício, a
transparência ou o mal-entendido, a desarmante singeleza ou um requinte de
perfídia, são outros tantos efeitos lúdicos, atingidos com recursos
inesperadamente simples, à nossa espera no vasto areal do idioma.
Antes
da consagração máxima internacional, José Saramago tinha já recebido os mais
prestigiados prémios literários nacionais: prémio Camões, em 1995; prémio Vida
Literária, da Associação Portuguesa de escritores, em 1993; prémio de
Consagração de Carreira, da Sociedade Portuguesa de Autores, em 1995.
A
publicação das suas obras em várias línguas tornou Saramago no escritor
português mais internacional do fim do século XX. Exemplo disso são as
declarações do cineasta Frederico Felini que descreveu Memorial do Convento como uma das mais interessantes obras que
alguma vez lera. O italiano Azio Corghi foi mais longe, ao adaptar para a ópera
a obra do escritor português que esteve em palco, no Scala de Milão, com o
título Baltazar e Blimunda, em 1990.
O mesmo autor adaptou a peça de teatro In
Nomine Dei para a ópera com o título
Divara.
Nas
palavras dos membros da Real Academia, a atribuição do prémio justificava-se
sobretudo pelo estilo assinalado “… por parábolas assentes na imaginação, na
compaixão e na ironia e que continuamente nos possibilitam uma apreensão da
realidade ilusória.”. De resto, estas características estão presentes no
romance Ensaio sobre a Cegueira quando
escreve: “se podes ver, vê. Se podes ver, repara.”. Quando recebeu o prémio
Nobel, a sua obra encontrava-se já editada em países como Espanha, Itália,
França, Bulgária, Estados Unidos, Japão, México ou Rússia.
Hoje a
sua obra é difundida, com grande amor e carinho, através da Fundação José
Saramago, que tem como presidente o grande amor da vida do escritor, Pilar del
Rio.
Gabriel Vilas Boas
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