Tinha acontecido por acaso. Ainda mal sabia o que era o
amor e pouco conhecia da mãe da sua filha, além da beleza descomunal do seu
corpo.
Tinham-se conhecido num fim de tarde inesquecível, junto à
ponte Vecchio, em Florença, mas ambos estudavam em Roma, depois de se terem
inscrito no programa Erasmus.
Ricardo e Krisztina tinham fome de mundo e olhavam os
tempos da faculdade com uma oportunidade de comungar com a beleza dos sítios e
o que havia de singular nas pessoas de outras latitudes.
A lei da atração também tinha funcionado com eles… de uma
maneira intensa! Três meses depois daquele encontro na ponte sobre o Arno, ela
declarou a sua gravidez. Estava mais assustada do que feliz, ao contrário dele,
mas ambos decidiram respeitar aquela vida inesperada, embora tivessem feito
segredo às famílias da criança que haveria de nascer.
Catarina olhou a luz num hospital romano, apenas com o
testemunho dos enfermeiros, dos médicos
e do pai.
Ricardo era um pai desajeitado, mas muito esforçado e feliz, enquanto
Krisztina perdera por completo aquele sorriso límpido que trouxera de
Budapeste. Cumpria os seus deveres de mãe e esposa, mas os sonhos de outrora tinham
desaparecido da sua boca e dos belos olhos verdes.
Um dia depois de Catarina ter completado um ano e um dia de vida, a húngara
fez as malas silenciosamente, depositou o colar que a avó lhe dera em volta do
pescoço da filha e partiu.
Teria regressado a Budapeste? Partira à descoberta
de Istambul como uma vez desejara? Rumara ao Rio, terra que sempre a encantou?
Nunca se soube!
Ao se dar conta da fuga, Ricardo olhou amorosamente para a filha e
sorriu! Não sabia o que fazer, mas sabia que a amava profundamente e o sorriso
que esta lhe devolveu enchera-o de coragem, força e sabedoria para começar a
mais bela aventura da sua vida.
Depois de deixar os seus contactos em todos os locais em
que viveram e na secretaria da faculdade de Economia de Roma, partiu para
Portugal. Aveiro acolheu-os com aquela luz branca plena de paz e amor, que
tanto o apaixonou em criança.
Contou aos pais as suas aventuras romanas, apresentou-lhes
Catarina e comunicou-lhes que viveria sozinho com a filha, junto ao mar. Aos
contra-argumentos dos avós da filha de Ktisztina respondeu com palavras doces e
determinadas que ninguém ousou contrariar.
Em poucas semanas, estava um perito em mudas de fraldas, a
fazer biberons de leite, a preparar papas e sopas, a escolher a roupa de bebé
apropriada para cada estação. Nunca faltara a uma consulta médica da filha e
sabia quase sempre a razão dos seus choros.
Decidiu aplicar o dinheiro que a avó lhe legara num pequeno
negócio de aluguer de bicicletas de turismo. Catarina só ficava no infantário o
tempo estritamente necessário, porque fazia questão da companhia da filha para
todo o lugar onde a pudesse levar. Ensinara-a a andar, a falar, a conhecer a
beleza das coisas e dos sítios. Com o pai, Catarina compreendeu que nem todas
as pessoas são de confiança, mas, tal como o pai, acreditava que era mais
importante recolher a bondade que cada estranho trazia no olhar e no gesto.
Por causa do negócio florescente do pai, a romana crescera
entre turistas e com eles aprendera os segredos das palavras longínquas que
rapidamente se tornaram familiares.
Havia também a escola, os amigos e os avós, onde abastecia
o coração e a mente de uma riqueza ímpar de conhecimentos e sentimentos. A
filha de Ricardo gostava de fazer perguntas e detestava respostas postiças ou
convenientes. Desde cedo aprendera com o pai a amar a verdade, por mais cruel
que esta fosse.
Foi assim que ficou a saber, com algum pormenor, a sua
história. Não odiava a mãe, mas não tinha para com ela a mesma complacência que
o pai. Achava que ela era a sua fraqueza e não comungava da compreensão e
benevolência paterna em relação a Krisztina. Não era mágoa nem indiferença, mas
não conseguia compreender por que abandonara ela um homem tão bom, tão sábio e
tão bonito. No entanto, temia mais do que desejava reencontrá-la.
Como é óbvio o destino confronta-nos sempre com os nossos medos
para não retardarmos decisões. Esse dia chegou vinte e quatro horas após o seu
15.º aniversário. Com um sorriso pacificado, Ricardo recebeu Krisztina na sua
loja, em Aveiro. Trocaram desajeitadas palavras de circunstâncias até que
Ricardo chamou por Catarina e solenemente lhes anunciou “Parece que o vosso
tempo chegou!”
Pedia a Catarina que guiasse a nova turista ao longo da ria
e da cidade, num cumprido passeio de bicicleta. Recomendou-lhe que lhe
mostrasse os encantos da cidade onde crescera e lhe revelasse a beleza que
habitava o seu coração. Pediu-lhe coragem, paciência e amor. Sem ter como
contraria o pai, Catarina partiu com aquela estranha que aportara atrevidamente
na sua vida.
No dia seguinte, Ricardo anunciou uma viagem inadiável a
Roma. Ficaria dez dias e deixava a casa e o negócio ao cuidado das mulheres da
sua vida. Foi a primeira vez que mentiu à filha, mas sabia que elas precisavam de
privacidade para se descobrirem, para se amarem!
Gavb