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segunda-feira, 31 de julho de 2017

COMO SERÁ ESTAR CONTENTE?



Como será estar contente?
Lançar os olhos em volta,
moderado e complacente,
e tratar com toda a gente
sem tristeza nem revolta?
Sentir-se um homem feliz,
satisfeito com o que sente,
com o que pensa e com o que diz?
Como será estar contente?




Deve haver qualquer mecânica,
Qualquer retesada mola
Que se solta e desenrola
no próprio instante preciso,
para que um homem de carne,
de olhos pregados no rosto,
para olhar e rir com gosto
sem estranhar o som do riso.



Na minha tosca engrenagem,
De ferrugenta sucata,
Há qualquer mola de lata
Que não se distende bem,
Qualquer dessorada glândula
Ou nervo que não se enfeixa,
Qualquer coisa que não deixa 
Deflagrar essa girândola 
De timbres que o riso tem.




Não ter riso e não ter casa,
Nem dinheiro nem saúde,
Não se conta por virtude
Que a miséria é ferro em brasa. 





Mas ter casa, ter dinheiro,
Ter saúde e não ter riso,
Flagelar-se o dia inteiro
Como se o sangrar primeiro
Fosse um tormento preciso,
Tê-lo sempre forte e vivo,
espantando a todo o momento,
Isso sim, será motivo 
De Grande contentamento.

António Gedeão 

domingo, 30 de julho de 2017

A CASADA, A SOLTEIRA E A QUE GOSTAVA DE SER AS DUAS COISAS


Rita, Liliana e Sónia conheciam-se desde dos primeiros anos na escola. Sabiam perfeitamente o percurso de vida umas das outras, as histórias proibidas, os sonhos e as fraquezas. Em tempos, foram amigas, combinavam lanches em comuns, idas às compras e trocavam confidências.

A ida para a faculdade, a entrada no mundo do trabalho e, sobretudo, a chegada dos homens às suas vidas, arquivou num passado distante uma amizade sincera e próxima. Cada uma  seguiu um estilo de vida que se adequava à sua personalidade: Liliana casou com Francisco e teve dois filhos, agora adolescentes; Rita optou por continuar solteira, colecionando viagens e relações a um ritmo compatível com a modernidade; Sónia combinou o melhor dos dois mundos – casou, teve uma filha, mas mantinha um estilo de vida próxima da mulher solteira. 

Considerava-se a mais esperta de todas, adorava ser admirada e cortejada por amigos, ex-namorados e até maridos das amigas. Investia imenso na sua imagem e por isso cabeleireiro, ginásio, esteticista, centro comercial e as melhores esplanadas da cidade eram locais que nunca sentiam a sua falta. Obviamente,  causava  inveja nas “amigas”, que detestavam aquele estilo de vida tão apelativo.
Um acaso da vida havia de as voltar a juntar na mesma empresa. Todas tinham o mesmo estatuto profissional e o problema acabou por se pôr com a chegada da Primavera: a marcação das férias. Angelicalmente, Sónia evocou o seu estatuto de mãe para pedir férias em Agosto. Quase ninguém sabia que ela tinha uma filha, já que o seu facebook apenas dava conta das festas, dos jantares, dos concertos, das saídas com as amigas e com os amigos. Nem sinal de marido nem uma foto com a filha. Pelo sim pelo não voltara a usar aliança no dedo, para o que chefe notasse e o seu pedido fosse concedido. Nem tinha especial interesse nas férias em Agosto, mas queria provar à Rita que, mais uma vez, fazia o que queria e quando queria.

A Rita espumava de raiva. Com namorado novo, professor no Alentejo, Agosto era a única altura em que podiam estar juntos, mas a empresa tinha decidido “valorizar a família” e por isso as pessoas casadas tinham prioridade na marcação das férias, em Agosto. Bem argumentava Rita junto das chefias e das colegas. Umas percebiam a sua dor, especialmente quando aludia ao caso da Sónia, mas outras sorriam sarcasticamente e diziam entre dentes «Foi este o estilo de vida que escolheste, agora aguenta-te!».
Liliana sentia-se confortável e justificada. Adorava a família e finalmente havia uma empresa que valorizava a sua opção de vida. Durante anos sentiu-se injustiçada e sempre invejou, no pior sentido do termo, a vida de Rita. Agora, que a via destroçada e pronta a perder as férias que tinha planeado com o namorado, sentia uma alegria sombria. A presença e o estilo de vida de Sónia faziam-na olhar para o caso da ex-amiga doutra forma. Rita não era sonsa, nem oportunista nem… ela só tinha escolhido um modo de vida diferente, tão legítimo como o seu. Ela também tinha direito a fazer planos, a ter férias em Agosto.
Tinha decidido que falaria com o chefe no dia seguinte. Exporia a injustiça do caso da Rita, lembraria o direito que cada um tem à sua vida e que também devemos pensar no Outro. 
E Liliana não deixara de pensar no outro, só que mudara de alvo. Ia propor ao querido chefe que fosse Sónia a assegurar a representação da empresa no Porto, em Agosto. Afinal era a mais nova na empresa e havia que aproveitar o desencanto gerado desde que ela atualizara o estado civil no facebook e voltara a usar o anel que o marido lhe dera. E como ele brilhava!

GAVB

sábado, 29 de julho de 2017

FNE ACEITA REDUÇÃO DOS SALÁRIOS DOS PROFESSORES NO PRIVADO


A FNE (Frente Nacional de Educação), um dos sindicatos mais poderosos e representativos dos professores portugueses, pôs a sua assinatura num contrato coletivo de trabalho  (CTT) com o Confederação Nacional de Educação e Formação (os patrões do ensino particular e privado português), onde se prevê que o salário dos professores do ensino privado possa ser reduzido até 15%, em caso de dificuldade económica comprovada dos colégios privados.

E qual foi a contrapartida que a FNE recebeu? Nenhuma! A FNE consultou os seus associados? Não!

Para que serve um sindicato de trabalhadores, neste caso de professores? Para cuidar dos interesses e dos direitos dos trabalhadores; não dos patrões.
A FNE não era obrigada a tal assinatura, pois outros sindicatos de professores não o fizeram e os seus associados não vão ser prejudicados por isso. A FNE não trouxe desta negociação/capitulação nenhuma vantagem aos professores que lecionam no privado, pois não conseguiu que o mais natural  numa cedência deste tipo: nos colégios onde esta regra fosse excecionalmente aplicada, não haveria lugar a despedimentos.
Então para que foi esta palermice da FNE? Na prática, para fazer um enorme «jeito» aos donos dos colégios que seguem a lógica dos patrões portugueses do século passado: em tempo de vacas gordas arrecadam lucros; em tempos de crise, despedem pessoal até que o lucro seja garantido.

Quando os colégios assinavam generosos contratos de associação com o Estado Português alguma associação dos patrões do ensino privado propôs um aumento de 15% aos seus professores? Nem a FNE…
Os professores do ensino privado já ganham bem menos que um professor com a mesma categoria no ensino público; já têm de se submeter a ditames de duvidosa legalidade; já têm de engolir desconsiderações inimagináveis; já vêem os seus direitos reduzidos ao mínimo que não precisavam de mais esta traição da FNE.

É verdade que o Ministério Público acha este clausulado do CTT “de duvidosa legalidade e constitucionalidade”, mas o que é certo é que ele vigora e vai, com este beijo de Judas da FNE, retirar do bolso de muitos professores mais de 100 euros todos os meses, como se eles já não ganhassem mal.

GAVB

sexta-feira, 28 de julho de 2017

COMO É BELO O SORRISO DA MULHER TUNISINA


Há dois dias, o parlamento tunisino aprovou uma lei que pune a violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica. Trata-se de um passo enorme, tendo em conta que falamos de um país árabe, onde as mulheres estão ainda longe de ter direitos semelhantes aos homens, como acontece em grande parte dos países europeus.
A lei entrará em vigor apenas no início do próximo ano, mas fica desde já claro que violência contra as mulheres é qualquer tipo de “agressão física, moral, sexual ou económica”.

Esta lei pode ser o princípio do fim de uma mentalidade machista, desumana, ignorante e indigna, que atrofiava o mundo árabe e não o fazia respeitado no contexto mundial. É bem possível que o respeito pela mulher árabe, consagrado na lei e confirmado na mudança de paradigma comportamental, constitua a verdadeira primavera árabe de que o mundo precisa.

Não deixa de ser curioso que o mundo árabe vá fazendo pequenas grandes conquistas no que diz respeito à dignidade humana enquanto o mundo ocidental (EUA, União Europeia) cria muros, aprova leis, barra refugiados de uma guerra deplorável.
É sempre bom sentir que mesmo nos mais inóspitos desertos brotam belas flores de humanidade, como aconteceu agora na Tunísia.

Como reagirá o resto do mundo árabe a esta saudável ousadia do parlamento tunisino? Não sabemos, mas creio que o sorriso das mulheres tunisinas se estenderá às suas vizinhas, mais ano menos ano.
Normalmente, o sistema jurídico de um país adequa-se à mentalidade de um povo ou de um grupo maioritário dentro de uma sociedade. Neste caso, a lei desafia a autoridade da tradição. E ainda bem que a desafia, porque há tradições e mentalidades que só impedem o progresso e nos menorizam.
GAVB

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O AMOR TAMBÉM É FEITO DE RESILIÊNCIA


Como aceitar que algo que queremos absoluto, imutável, eterno seja resiliente? Admitir que também o Amor tem de se adaptar às circunstâncias pode ser um processo doloroso e inaceitável para uma imensa minoria, mas a verdade é que uma das leis do Amor é a resiliência.

E tal não significa menor sentimento, menos comprometimento ou uma cedência triste às circunstâncias, mas apenas a constatação que tal como nós mudamos os outros também, tal como os nossos sentimentos se alteram o mesmo acontece com os dos outros.


Creio que mais do que tentar impedir a mudança que ocorre nas pessoas que amamos, criticando-a de forma velada ou aberta, o importante é termos o espírito aberto para captar o que de positivo há nessa mudança e correspondermos ao desafio que nos é lançado.
Quando alguém tímido se torna mais social, quando a pessoa que amamos começa a gostar mais de viajar ou se torna empreendedora, resta-nos estar à altura do desafio que nos lança.

O amor não é nenhuma obra de arte rara que adquirimos num leilão, que penduramos na parede e nos comprazemos a olhar. Gosto de pensar nele como uma obra de arte em constante aperfeiçoamento.

Obviamente que a resiliência é um ato de amor e de inteligência e não uma imposição silenciosa sob ameaça de separação. Adaptarmo-nos para evoluir, para fazer crescer um sentimento forte e não apenas para resistir ao fim de uma relação.
A resiliência não salva nada, especialmente aquilo que já está morto, ainda que sem certidão de óbito. 
A resiliência é uma espécie de GPS emocional, capaz de nos guiar pelas estradas mais convenientes às nossas necessidades. Novas estradas podem trazer imprevistos, alguma insegurança até, mas, se estamos certos do destino, qualquer trajeto desconhecido se pode tornar numa maravilhosa aventura.

GAVB

quarta-feira, 26 de julho de 2017

O DISCURSO AMBIENTALISTA: TÃO COOL E TÃO CÍNICO


O GEOTA (Grupo de estudos de Ordenamento do Território e Ambiente) desafiou os autarcas cujos concelhos são atravessados pelo rio Tâmega a assinar uma declaração em prol do rio Tâmega. Dos vários autarcas contactados, apenas o Fernando Gomes, do CD/PP de Mondim de Basto assinou o documento, até ao momento.
É um taticismo político que não entendo e acho reprovável, especialmente no que diz respeito aos políticos amarantinos, cuja possível construção da Barragem de Fridão modificará por completo a cidade de Amadeo e Teixeira de Pascoaes

Um candidato que se preze deve dizer à população do seu concelho o que realmente pensa sobre um assunto tão importante, ainda que não tenha poder de decisão sobre ele. Assinar um documento não vinculativo é um apenas um pequeno passo, mas revela muito da coragem política de quem está à frente de uma Câmara como a de Amarante ou se candidata a ela.

Há poucos dias, realizou-se o Mimo, em Amarante, com um êxito assinalável. O renomado cantor brasileiro  Rodrigo Amarante exibiu um cartaz elucidativo “Vota Tâmega”. É verdade que para um cantor estrangeiro é muito fácil defender uma causa tão nobre e tão cool. Fica bem, os fãs adoram, dá bons títulos jornalísticos e não há responsabilidade política nenhuma. À população também é fácil. Para um político não é tão fácil, mas para fazer coisas fáceis não precisávamos de decisores políticos.

Todavia, nunca foi tão fácil como agora conseguir anular o projeto da Barragem de Fridão, no Tâmega. 
Na verdade, o problema é apenas o dinheiro que a EDP adiantou ao Estado português, durante o governo de José Sócrates. 
Para não avançar com a construção da Barragem, a EDP quer ser ressarcida desse dinheiro, caso contrário avança, pois já que investiu procura retirar algum lucro desse investimento.
 Ao governo não convém nada devolver o dinheiro e o mal que pode fazer à população de Amarante é-lhe quase indiferente. Ao presidente da Câmara de Amarante é que não pode ser indiferente! Este é o momento de lutar por uma cidade ameaçada por uma barragem monstruosa, qual espada permanente sobre a cabeça dos amarantinos em época de cheias.

A cidade das belas margens, onde o perfume da natureza contagia os turistas a visitá-la, durante o verão, será então uma miragem e não haverá possibilidade de voltar atrás tão depressa. Todo o esforço que atualmente se faz de colocar a cidade no mapa cultural do país sofrerá um rude golpe, sem remissão.


Se um político em estado de graça não tem coragem de assumir a luta pela preservação do coração da sua cidade, então, talvez não mereça a confiança dos seus conterrâneos. Afirmar Amarante é dar a cara por aquilo que a cidade tem de mais precioso, como é o caso do rio Tâmega. Não é fazer de conta, não é fugir ao problema. Afirmar Amarante é defender o rio Tâmega sem tibiezas.

 Rodrigo Amarante não tem apenas um belo nome, também tem belos ideais; já um político sem ideais rapidamente descamba para o cinismo.
GAVB

terça-feira, 25 de julho de 2017

MORADAS FALSAS NAS MATRÍCULAS? OLHA A NOVIDADE!


Parece que a Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGAE) abriu um processo de inquérito para apurar se houve ou não irregularidades no processo de matrículas, numa Escola de Lisboa, por sinal ou talvez não, daquelas onde quase todos gostam de ter os filhos.
Pais que dão moradas falsas nas secretarias das escolas para assim conseguirem inscrever os filhos na escola que mais lhes convém é um expediente tão velho, tão usado, tão consentido, que a novidade é o ME mandar a IGAE abrir um processo de inquérito.
Prestar falsas declarações quando se matricula um filho é proibido. Mas pode-se fazer, porque nunca aconteceu nada! E desta vez também não vai acontecer. Nas Escolas como em muitos outros serviços públicos instalou-se uma cultura de mentira, do faz de conta que eu acredito na patranha que me estás a contar. As falsas moradas nas escolas públicas e privadas, assim como os falsos encarregados de educação nos colégios serviram quase sempre para contornar a lei e lesar o Estado.

Os pais deviam poder escolher a escola dos filhos, independentemente da morada? Num sistema ideal, sim; mas não havendo vaga para todos nas escolas mais requisitadas, parece-me justo que sejam critérios de mérito ou de morada real das famílias a ditar a seriação. E, em tese, até me inclino mais para o critério do mérito do aluno. Uma escola tem bons professores, um bom projeto educativo e muitos pais querem lá os seus filhos? Ótimo, mas convém que sejam os alunos a merecer lá entrar e não o estatuto social dos paizinhos, o seu poder de influência ou o seu poderio económico a ditar as regras. Pior ainda se os alunos acedem a uma escola tendo por base falsas declarações deliberadas.

A Escola portuguesa deve ser intransigente com a mentira. Rejeitá-la em absoluto e essa deve ser um dos primeiros valores que um aluno aprende. Pode começar logo no ato da matrícula.
P.S. Como é que anda aquele inquérito acerca da alegada mais do que certa fuga de informação sobre o conteúdo da prova de português de 12.º ano? Daqui por dois meses ainda vai aparecer alguém a gabar-se, no Whatsapp, que entrou na Universidade graças ao acesso a informação privilegiada. E pode não ser mentira.

GAVB 

segunda-feira, 24 de julho de 2017

OS DIRETORES QUEREM O ANO LETIVO EM SEMESTRES. E OS PROFESSORES?



Provavelmente, a maioria dos professores vai acabar por anuir à ideia de um ano letivo dividido em semestres. O semestre permite uma melhor organização do tempo e uma mais eficaz gestão das matérias a lecionar.
Esta putativa alteração na organização do ano letivo trará inevitáveis modificações no processo de avaliação. Teremos “tensão” até ao final, pois a nota do segundo semestre confirmará ou porá em causa a nota do primeiro, sem que o aluno se sinta absolutamente seguro ou derrotado quanto à sua nota final.  

Além deste possível ganho de produtividade, os diretores esperam amenizar outro grande problema que os aflige: a indisciplina. Nas escolas com algum historial de casos de indisciplina, são recorrentes os casos em que os alunos descarregam as suas frustrações escolares durante o 3.º período, pois sentem que é quase impossível recuperar um número elevado de negativas. É mais fácil suster os casos de indisciplinas quando todos pensam que “ainda têm hipóteses”.

Havendo tanta unanimidade em torno desta questão, o que me intriga é por que não perguntaram os diretores aos seus professores o que pensavam eles sobre o assunto, antes de fazerem as suas sugestões/exigências ao Ministério da Educação. Ocorre-me algumas respostas: não querem saber da opinião dos professores para nada, a escola são eles e os professores estão lá para cumprir ordens mecanicamente e nada mais; acham que os professores estão tão mansos que aceitarão tudo sem resmungar nada e por isso resolveram avançar sem esse pró-forma. 
Se repararem bem, isso já acontece em relação a muitos assuntos da gestão corrente de muitas escolas, como é o caso da politica de transição que a escola quer implementar.
É possível que a organização por semestres se concretize dentro de um ano. Até lá seria interessante que os professores percebessem que esta organização convida a uma nova variável: disciplinas semestrais. E nesta nova e hipotética organização, Geografia e História estão a pôr-se tão a jeito…

GAVB

domingo, 23 de julho de 2017

MÉDICOS A CAMINHO DO SALÁRIO MÍNIMO

Admite-se médico/a especialista em medicina Geral e Familiar. 
 Horário: 10h -16.30h, com folga rotativa. 
Condições iniciais: 800 euros.”

Este é o anúncio de emprego, colocado por uma clínica de Braga, que está a indignar alguns médicos, pois a maioria ainda não se tinha dado conta que o salário oferecido aos médicos mais novos já pouco ultrapassava os mil euros. O bastonário diz que é um valor inaceitável, mas a solução não pode ser apenas a indignação. Se os médicos forem por esse caminho serão trucidados rapidamente. Os enfermeiros lembrarão a sua situação, que ditou a emigração dos mais novos, sem que os médicos tivessem mexido uma palha para os segurar; os professores recordarão como a sua profissão desceu na escala social; o mesmo dirão os advogados… e por aí diante.

Os médicos chegaram tarde à conclusão de que caíram na armadilha do mercado: eles tornaram-se apenas mercadoria especializada que os grandes grupos económicos utilizarão a seu belo prazer, pagando à peça (ato médico), um valor cada vez mais baixo. Tentar a sua sorte individualmente será muito mais difícil.  Quem escolherá pagar 100 euros a um especialista, no seu consultório, quando pode escolher entre vários da mesma área, a um preço quatro vezes menor, num qualquer hospital privado, com acordo com o Estado e com quase todas as seguradoras?

Talvez o bastonário não se tenha apercebido ainda, mas os médicos, no mercado, significam “apenas” uma parte do valor do seu negócio. Com o tempo essa parte será cada vez menor. É provável que daqui a dez anos o valor global a pagar aos médicos seja apenas 60% do atual. Se não querem ver ninguém a ganhar perto do ordenado mínimo nessa altura, o melhor é decidirem entre si como distribuir esse bolo global.
Até agora nunca nenhuma profissão foi por aí. É preciso muita filantropia, muito sentido de justiça e de partilha. Não creio…

De qualquer modo, enquanto pensam, sempre podem reler um pequeno texto de Martin Niemöller (resistente anti-nazi), escritas em 1933:

Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram o outro meu vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia, vieram e levaram o meu vizinho que era católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e levaram-me a mim.

Já não havia ninguém para reclamar.”

GAVB

sábado, 22 de julho de 2017

BIBLIOTERAPIA


Raquel vivia a mil. Tinha finalmente a vida que sonhara: viagens, festas, amigos a transbordar da agenda, dinheiro a sobrar ao final do mês. Não ganhara nenhum euromilhões, mas um alinhamento astrológico qualquer tinha-a colocado como diretora, para o mercado europeu, de uma farmacêutica americana. Havia apenas um senão: o  trabalho era imenso e um dia o corpo rebentou.
Como foguetes numa noite de festa todos os ingredientes que faziam a sua vida glamorosa desapareceram. A empresa pagou-lhe uma licença de dois anos, para se reabilitar, na Suíça. Lentamente o corpo foi recuperando a forma física e mental, mas não voltaram os amigos e com eles o prazer de viajar. Eles continuavam na mesma onda, com a adrenalina no máximo, testando os seus limites.
Deprimia-a e magoava-a o facto de não terem voltado, de tão pouco quererem saber dela verdadeiramente. Sabia que aquela amargura não a deixava progredir e por isso não ousava responder aos e-mails do chefe, que lhe perguntava quando regressaria. 

Descrente de qualquer terapia, enrolada num xaile, junto à lareira, olhou a estante carregada de livros velhos e o título de um espevitou-lhe a curiosidade – Amor Em Tempos de Cólera, de Gabriel García Márquez. Nunca gostara de ler. Lia apenas aquilo que era imprescindível para fazer bem o seu trabalho e achava os romances, as biografias ou os ensaios uma perda de tempo. 
Além da curiosidade do título, pegou no livro com a certeza que adormeceria mais rapidamente.

Felizmente para Raquel, o romance de Gabriel García Márquez despertou-a para a madrugada e para a vida. Leu durante seis horas, entregando-se apaixonadamente à leitura como Florentino e Fermina se amaram ao longo de três décadas, apesar de a vida os ter afastado. Em cada página devorada, Raquel ia percebendo que aquele não era um amor qualquer. Apesar de percorrerem percursos separados, a constância dos sentimentos, a capacidade de não perder a bússola do amor durante tantos anos, comoveu a leitora. O amor de Florentino Ariza e Fermina Daza tinha sobrevivido ao tempo, à desagregação física, à desesperança, ao desânimo.
Nos meses seguintes, Raquel fechou-se no seu chalé suíço, desligou a net e os telefones e mergulhou na leitura. Livro atrás de livro, como se fosse uma criança num bombonaria sem ter os pais por perto.  

Quando a primavera chegou, telefonou ao chefe e disse que regressaria a Bruxelas no dia seguinte. Apanhado de surpresa, ele nem sabia o que lhe propor. Já tinham desistido dela e ele nem sabia como lho dizer. Não foi preciso. Ela própria tratou de lhe apresentar uma proposta de retorno ao trabalho que sabia que ele recusaria. Apertaram as mãos e despediram-se. Levava um sorriso tão confiante que intrigava qualquer um.
Enfiou um casaco colorido, deu a mão esquerda ao seu novo amigo e partiu em viagem. Ia acompanhada de amigos de diferentes lugares, que a salvaram com metáforas, ideias e rimas. Sem nunca terem aberto a boca, nunca a deixaram sozinha um único dia.
GAVB

sexta-feira, 21 de julho de 2017

BABYSITTING PARA MARIDOS


Quando uma mulher vai a um shopping, acompanhada pelo marido ou namorado, debate-se com dois desafios cuja resolução não é certa: encontrar a mala, o vestido ou os sapatos e entreter o companheiro durante três ou quatro horas.

Ao final de meia hora, ele já não tem nada que fazer e começa aborrecer-se a uma velocidade galopante enquanto ela ainda só viu uma loja e está muito longe de tomar uma decisão.
 Pensando nos problemas de ambos e no «clima» entre casal depois de uma ida ao shopping, os chineses começam a dar os primeiros passos no babysitting para maridos/namorados. 
Em Xangai, o Centro Comercial Harbor criou uma espécie de cabine onde as mulheres enfiam os seus maridos e os deixam entretidos em frente a um computador e uma consola com jogos dos anos 90. A experiência tem recolhido reações mistas entre a classe masculina e opiniões muito favoráveis entre as mulheres.

O babysitting para maridos (claro que é preciso arranjar outro nome) é um conceito com muitos maridos para andar, pois ainda há muito homem que comete a loucura de acompanhar a esposa ou a namorada ao shopping. É aborrecimento pela certa, mas há aqueles que nunca aprendem ou não conseguem antecipar uma atividade alternativa e prazerosa que lhes ocupe quatro horas de uma tarde ou serão.
Para quem é apanhado desprevenido o babysitting para maridos é uma solução a considerar, no entanto é necessário fazer upgrade a este insípido modelo chinês. 

Além do conforto de bons sofás, era necessário que os chineses (e não só…) estivessem abertos às sugestões dos seus futuros clientes, mantivessem sempre um bar aberto de insuspeita qualidade, disponibilizassem canais de televisão temáticos e personalizados e mantivessem uma estrita política de discrição e reserva sobre as atividades realizadas. Se a mulher quer deixar o seu marido no babysitting que o deixe, mas depois não o massacre com perguntas pormenorizadas sobre o que ficou ele lá a fazer.
O Babysitting Para Maridos ainda gatinha e talvez nem seja lá muito necessário para a maior parte dos homens, mas se alguém decidir implementar a ideia em Portugal, convém ouvir os potenciais clientes e só depois avançar. É que computadores e consolas de jogos é manifestamente pouco e pobrezinho…

GAVB

quinta-feira, 20 de julho de 2017

AMARANTE ESTÁ UM MIMO!


A cidade de Amarante vive horas de expectativa e orgulho, por causa do seu Mimo, um festival de música, cinema, poesia, fórum de ideias, nascido no Brasil e que há um ano a edilidade amarantina conseguiu trazer para Portugal.
Se em 2016, o Mimo encheu a cidade de Amadeo com mais de vinte e quatro mil pessoas, as expectativas para este ano são superar a barreira das cinquenta mil pessoas, durante os três dias em que decorre o festival.

        
A publicidade ao evento foi feita de uma maneira muito profissional, através dos diversos meios de comunicação social. Não houve dia nenhum, no último mês, em que jornais, televisões e rádios não apresentassem publicidade e/ou notícias referentes ao Mimo. Senti uma grande satisfação, quando há dois dias, na zona das Docas em Lisboa, vislumbrei vários cartazes referentes ao Mimo e percebi que muitos lisboetas e até turistas estrangeiras estavam ao corrente do evento e sabiam perfeitamente onde ele decorria e como chegar até Amarante. Espaços emblemáticos da cultural da capital portuguesa, como o Teatro Nacional Dona Maria II, disponibilizavam o programa do Mimo e eram capazes de prestar informação oportuna sobre o que sucede em Amarante nos próximos três dias.


Estou certo que o Mimo será «o» evento deste verão, em Amarante, e marcará a memória de todos os que a ele assistirem. A programação é variada, educativa e apelativa. Além dos workshops de música e cinema, a atenção principal estará centrada nos concertos que decorreram no parque ribeirinho da cidade, com o belo enquadramento do Tâmega como cenário. 

A minha maior expectativa está centrada no concerto de Herbie Hancock, o mago do jazz, que acontecerá de sábado para domingo. No entanto, outros nomes fortes também atuarão por estes dias em Amarante: desde logo o brasileiro Rodrigo Amarante, os portugueses Céu e Manuel Cruz, que terão a honra de encerrar no festival. Nos dias anteriores, tenho curiosidade em ver e ouvir os Três Tristes Tigres, Hamilton da Holanda & o Baile do Almeidinha que convidaram Mayra Andrade para uma performance coletiva.
Não tens como não te mimares em Amarante.

GAVB

quarta-feira, 19 de julho de 2017

NEWSMUSEUM


Inaugurado há pouco mais de um ano, no dia em que Portugal comemora o regresso à Democracia, o Newsmuseum é já um dos mais atrativos e glamorosos museus portugueses.
Fica em Sintra, bem no coração da vila, e contrasta com o típico museu português, porque todo ele transpira a modernidade e tecnologia.
Não é um museu de História nem da imprensa, mas apenas das notícias, aquelas que fizeram a História do povo que somos nos últimos cem anos.
O Newsmuseum é um museu cheio de cor, imagem, ação. Altamente moderno e interativo, explica através da imagem, dos títulos, do som, da possibilidade de experimentarmos.

Qualquer estrangeiro que entre neste museu das notícias percebe perfeitamente a história contemporânea de Portugal, porque a rádio, a imprensa e sobretudo a televisão revelaram o que fomos fazendo. O enfoque principal está nos acontecimentos mais recentes, com especial destaque para aquilo e para aqueles que nos fizeram sentir orgulho em ser portugueses.
O que mais atrai o visitante do Newsmuseum é a possibilidade de experimentar. Além de ver, de tocar, de jogar, “fazer”, ou seja, vestir a pele do repórter e anunciar alguns dos principais acontecimentos do século XX. Essa surpresa é o primeiro cartão-de-visita do museu e predispõem-nos a uma descoberta entusiasmante nos restantes pisos em que se dispõe o Newsmuseum.

Ainda que a televisão ocupe o espaço e os desejos do visitante, há igualmente possibilidade de fazer rádio, dar uma conferência de imprensa ou testar conhecimentos jornalísticos, simulando a participação num dos mais famosos jogos sobre conhecimento que a televisão imortalizou.
Sintra torna-se ainda mais atrativa para os turistas nacionais e estrangeiros com o Newsmuseum, que inaugura uma nova maneira de apresentar o passado sem que este nos pareça fora do nosso tempo.

GAVB  

terça-feira, 18 de julho de 2017

A MAIS BELA AVENTURA DA VIDA

Tinha acontecido por acaso. Ainda mal sabia o que era o amor e pouco conhecia da mãe da sua filha, além da beleza descomunal do seu corpo.
Tinham-se conhecido num fim de tarde inesquecível, junto à ponte Vecchio, em Florença, mas ambos estudavam em Roma, depois de se terem inscrito no programa Erasmus.
Ricardo e Krisztina tinham fome de mundo e olhavam os tempos da faculdade com uma oportunidade de comungar com a beleza dos sítios e o que havia de singular nas pessoas de outras latitudes.

A lei da atração também tinha funcionado com eles… de uma maneira intensa! Três meses depois daquele encontro na ponte sobre o Arno, ela declarou a sua gravidez. Estava mais assustada do que feliz, ao contrário dele, mas ambos decidiram respeitar aquela vida inesperada, embora tivessem feito segredo às famílias da criança que haveria de nascer.
Catarina olhou a luz num hospital romano, apenas com o testemunho  dos enfermeiros, dos médicos e do pai. 
Ricardo era um pai desajeitado, mas muito esforçado e feliz, enquanto Krisztina perdera por completo aquele sorriso límpido que trouxera de Budapeste. Cumpria os seus deveres de mãe e esposa, mas os sonhos de outrora tinham desaparecido da sua boca e dos belos olhos verdes.
Um dia depois de Catarina ter completado um ano e um dia de vida, a húngara fez as malas silenciosamente, depositou o colar que a avó lhe dera em volta do pescoço da filha e partiu. 
Teria regressado a Budapeste? Partira à descoberta de Istambul como uma vez desejara? Rumara ao Rio, terra que sempre a encantou? Nunca se soube!

Ao se dar conta da fuga, Ricardo olhou amorosamente para a filha e sorriu! Não sabia o que fazer, mas sabia que a amava profundamente e o sorriso que esta lhe devolveu enchera-o de coragem, força e sabedoria para começar a mais bela aventura da sua vida.

Depois de deixar os seus contactos em todos os locais em que viveram e na secretaria da faculdade de Economia de Roma, partiu para Portugal. Aveiro acolheu-os com aquela luz branca plena de paz e amor, que tanto o apaixonou em criança.
Contou aos pais as suas aventuras romanas, apresentou-lhes Catarina e comunicou-lhes que viveria sozinho com a filha, junto ao mar. Aos contra-argumentos dos avós da filha de Ktisztina respondeu com palavras doces e determinadas que ninguém ousou contrariar.
Em poucas semanas, estava um perito em mudas de fraldas, a fazer biberons de leite, a preparar papas e sopas, a escolher a roupa de bebé apropriada para cada estação. Nunca faltara a uma consulta médica da filha e sabia quase sempre a razão dos seus choros.


Decidiu aplicar o dinheiro que a avó lhe legara num pequeno negócio de aluguer de bicicletas de turismo. Catarina só ficava no infantário o tempo estritamente necessário, porque fazia questão da companhia da filha para todo o lugar onde a pudesse levar. Ensinara-a a andar, a falar, a conhecer a beleza das coisas e dos sítios. Com o pai, Catarina compreendeu que nem todas as pessoas são de confiança, mas, tal como o pai, acreditava que era mais importante recolher a bondade que cada estranho trazia no olhar e no gesto.
Por causa do negócio florescente do pai, a romana crescera entre turistas e com eles aprendera os segredos das palavras longínquas que rapidamente se tornaram familiares.
Havia também a escola, os amigos e os avós, onde abastecia o coração e a mente de uma riqueza ímpar de conhecimentos e sentimentos. A filha de Ricardo gostava de fazer perguntas e detestava respostas postiças ou convenientes. Desde cedo aprendera com o pai a amar a verdade, por mais cruel que esta fosse.

Foi assim que ficou a saber, com algum pormenor, a sua história. Não odiava a mãe, mas não tinha para com ela a mesma complacência que o pai. Achava que ela era a sua fraqueza e não comungava da compreensão e benevolência paterna em relação a Krisztina. Não era mágoa nem indiferença, mas não conseguia compreender por que abandonara ela um homem tão bom, tão sábio e tão bonito. No entanto, temia mais do que desejava reencontrá-la.

Como é óbvio o destino confronta-nos sempre com os nossos medos para não retardarmos decisões. Esse dia chegou vinte e quatro horas após o seu 15.º aniversário. Com um sorriso pacificado, Ricardo recebeu Krisztina na sua loja, em Aveiro. Trocaram desajeitadas palavras de circunstâncias até que Ricardo chamou por Catarina e solenemente lhes anunciou “Parece que o vosso tempo chegou!”
Pedia a Catarina que guiasse a nova turista ao longo da ria e da cidade, num cumprido passeio de bicicleta. Recomendou-lhe que lhe mostrasse os encantos da cidade onde crescera e lhe revelasse a beleza que habitava o seu coração. Pediu-lhe coragem, paciência e amor. Sem ter como contraria o pai, Catarina partiu com aquela estranha que aportara atrevidamente na sua vida.

No dia seguinte, Ricardo anunciou uma viagem inadiável a Roma. Ficaria dez dias e deixava a casa e o negócio ao cuidado das mulheres da sua vida. Foi a primeira vez que mentiu à filha, mas sabia que elas precisavam de privacidade para se descobrirem, para se amarem!
Gavb