Rita, Liliana e Sónia conheciam-se desde dos primeiros anos na
escola. Sabiam perfeitamente o percurso de vida umas das outras, as histórias
proibidas, os sonhos e as fraquezas. Em tempos, foram amigas,
combinavam lanches em comuns, idas às compras e trocavam confidências.
A ida para a faculdade, a entrada no mundo do trabalho e,
sobretudo, a chegada dos homens às suas vidas, arquivou num passado distante
uma amizade sincera e próxima. Cada uma
seguiu um estilo de vida que se adequava à sua personalidade: Liliana casou
com Francisco e teve dois filhos, agora adolescentes; Rita optou por continuar
solteira, colecionando viagens e relações a um ritmo compatível com a
modernidade; Sónia combinou o melhor dos dois mundos – casou, teve uma filha,
mas mantinha um estilo de vida próxima da mulher solteira.
Considerava-se a
mais esperta de todas, adorava ser admirada e cortejada por amigos,
ex-namorados e até maridos das amigas. Investia imenso na sua imagem e por isso
cabeleireiro, ginásio, esteticista, centro comercial e as melhores esplanadas
da cidade eram locais que nunca sentiam a sua falta. Obviamente, causava inveja nas “amigas”, que detestavam aquele estilo
de vida tão apelativo.
Um acaso da vida havia de as voltar a juntar na mesma
empresa. Todas tinham o mesmo estatuto profissional e o problema acabou por se
pôr com a chegada da Primavera: a marcação das férias. Angelicalmente, Sónia
evocou o seu estatuto de mãe para pedir férias em Agosto. Quase ninguém sabia
que ela tinha uma filha, já que o seu facebook apenas dava conta das festas,
dos jantares, dos concertos, das saídas com as amigas e com os amigos. Nem
sinal de marido nem uma foto com a filha. Pelo sim pelo não voltara a usar
aliança no dedo, para o que chefe notasse e o seu pedido fosse concedido. Nem
tinha especial interesse nas férias em Agosto, mas queria provar à Rita que, mais uma vez, fazia o que queria e quando queria.
A Rita espumava de raiva. Com namorado novo, professor no Alentejo,
Agosto era a única altura em que podiam estar juntos, mas a empresa tinha
decidido “valorizar a família” e por isso as pessoas casadas tinham prioridade
na marcação das férias, em Agosto. Bem argumentava Rita junto das chefias e das
colegas. Umas percebiam a sua dor, especialmente quando aludia ao caso da
Sónia, mas outras sorriam sarcasticamente e diziam entre dentes «Foi este o
estilo de vida que escolheste, agora aguenta-te!».
Liliana sentia-se confortável e justificada. Adorava a
família e finalmente havia uma empresa que valorizava a sua opção de vida. Durante
anos sentiu-se injustiçada e sempre invejou, no pior sentido do termo, a vida
de Rita. Agora, que a via destroçada e pronta a perder as férias que tinha
planeado com o namorado, sentia uma alegria sombria. A presença e o estilo de
vida de Sónia faziam-na olhar para o caso da ex-amiga doutra forma. Rita não era
sonsa, nem oportunista nem… ela só tinha escolhido um modo de vida diferente,
tão legítimo como o seu. Ela também tinha direito a fazer planos, a ter férias
em Agosto.
Tinha decidido que falaria com o chefe no dia seguinte.
Exporia a injustiça do caso da Rita, lembraria o direito que cada um tem à sua
vida e que também devemos pensar no Outro.
E Liliana não deixara de pensar no
outro, só que mudara de alvo. Ia propor ao querido chefe que fosse Sónia a
assegurar a representação da empresa no Porto, em Agosto. Afinal era a mais
nova na empresa e havia que aproveitar o desencanto gerado desde que ela atualizara
o estado civil no facebook e voltara a usar o anel que o marido lhe dera. E como ele
brilhava!
GAVB
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