A apresentação de "Homens Imprudentemente Poéticos" foi o pretexto para uma breve e deliciosa conversa com o autor Valter Hugo Mãe. Com simpatia, o escritor de "Desumanização" foi revelando os seus sentimentos sobre aquilo que escreve e o que escrevem sobre ele e os seus livros.
Em Desumanização citou uma frase de Halldór Laxness: “Um homem não é
independente a menos que tenha a coragem de estar sozinho.”
Quanto há do homem
Valter Hugo Mãe nesta frase?
Eu fico em pânico com a solidão! Toda a minha vida falhei
pelo medo de estar só. A maior parte dos meus erros foram cometidos por querer
ter amigos e estar com alguém. Por isso, talvez esta epígrafe me interesse por
me acusar, por me denunciar.
Uma
leitora e admiradora sua, ao falar do que escreve, disse-me “Valter Hugo Mãe
tem muito de Vergílio Ferreira e Afonso Cruz, pela inundação de ideias que os
seus livros contêm e pela singularidade da escrita, de onde sobressaem frases
que são autênticas obras de arte”. Revê-se, de algum modo, no estilo e na
escrita destes dois escritores?
Sim… Vergílio Ferreira é um clássico que eu adoro,
sobretudo pela atenção que dá aos mais velhos, a qual me motiva. Há uma
disforia portuguesa no Vergílio Ferreira que é uma matéria-prima muito
importante e inevitável. É inevitável que sendo nós escritores portugueses
lidemos com a questão da tristeza.
O Afonso Cruz começou a escrever muito depois de mim,
portanto ele é que tem um estilo Valter
Hugo Mãe (risos), mas sim, eu gosto muito do Afonso.
No
início do ano, o seu livro para jovens adolescentes, “Nosso Reino”, esteve
envolvido em alguma polémica, pois muita gente disse que tinha uma
“linguagem sexual inapropriada”. O que mais o magoou nas críticas?
A estupidez magoa sempre. A estupidez deixa-nos frustrados
porque estamos sempre à espera de uma resposta mais inteligente. O “Nosso
Reino” é um livro sobre um menino que quer ser santo e por isso é todo ele uma
longa missa. É um livro tristíssimo, de uma nostalgia profunda; é uma longa
auscultação de Deus. Pretende convidar Deus a dar uma prova inequívoca de que a
Fé faz sentido e vai salvar esta criança.
Do martírio desta criança fazem parte duas frases que um
indivíduo cretino lhe diz para o magoar, para o destituir da sua fé. No fundo, é
um indivíduo que representa uma realidade demoníaca, uma destruição do padrão
de beleza e dignidade como nós entendemos o cristianismo. Por isso, pegar-se
nessas duas frases, que estão ali a representar o Diabo, e fazer-se crer que o
meu livro é um livro obsceno é uma má fé e uma burrice, porque se alguém acha
que o livro é um chorrilho de obscenidades é porque não leu o livro.
Em “Homens Imprudentemente Poéticos” há um
antes e um depois da “Lenda do Poço”.
O problema do Homem é mesmo o medo, o medo
de se enfrentar?
O problema é uma questão de assunção da sua identidade.
Estar dentro de si e não se conseguir inteirar de quem é. É como se nós
passássemos a vida a ter partes de nós em gavetas. Como se não aceitássemos a
nossa própria plenitude, no seu bem e no seu mal, no adequado e no desadequado.
A “Lenda do Poço” tem a ver com isto: a dimensão moral de
sermos amplamente quem somos. Ou seja, até que ponto nós temos obrigação moral
– e eu acho que temos – de saber quem somos e vivermos consoante o que somos?
Ítaro lida com o monstro representando o seu medo e está a lidar consigo mesmo.
Ao sair do poço está a regressar à vida, capaz de aceitar o seu erro e a sua
virtude; ao conquistar o seu medo, ele consegue consciencializar-se de que o seu
erro pode ser válido, de que a sua virtude pode ser válida. Eu acredito muito
nisto. Todos erramos. Todos vamos falhar. Nunca saberemos tudo. É legítimo
fazermos a nossa vida num caminho de apaziguamento sabendo que ainda falharemos
bastante.
gavb
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