Receio bem que sim!
Recentemente o Presidente da República
Marcelo Rebelo de Sousa lançou timidamente o debate, sugerindo que poderíamos
voltar atrás quanto à implementação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
no entanto não o fez de uma maneira firme, decidida, de maneira a reabrir o
debate. Foi por atitudes titubeantes como esta que o AO foi avante e entrou em
vigor há sete anos.
Já todos percebemos que o AO se tornou um
objeto inútil por duas grandes razões: não é respeitado descaradamente por quem
o mais devia fazer; não aproximou significativamente a grafia entre os falantes
da Língua Portuguesa, já que continuam e continuarão a existir diferenças de
escrita entre o português do Brasil, de África ou da Europa.
Através do AO substituímos um critério
etimológico na grafia das palavras por um critério fonológico, aproximando a
escrita ao som. Enquanto professor de português, com formação clássica, isso
desgostou-me bastante, pois a história das palavras vai sendo soterrada com a
passagem do tempo e daqui a poucos anos quase nenhum dos meus alunos descobrirá, com facilidade, a origem latina ou grega de muitas palavras portuguesas. No entanto,
esse era um caminho inevitável, que só podíamos retardar.
A escrita comunicacional que hoje fazemos
em smartphones, tablets, computadores privilegia a escrita fónica das palavras
em detrimento da correção ortográfica. Ora é bom lembrar que uma língua viva
pertence aos falantes e o uso que fazemos dela acaba por impor-se. Pode demorar
décadas, mas impõe-se. Reparem, por exemplo, na palavra «Aveiro». Lemo-la como esdrúxula,
apesar dela ser grave. Continuaremos a escrevê-la sem acento, mas usamo-la
conscientemente transgredindo a norma gramatical.
Com o passar dos anos, serão aqueles que
sempre escreveram segundo o AO de 1990 (reparem bem, foi há 26 anos – um quarto
de século) que formarão o grosso da população e não aqueles, como eu, que
aprenderam segundo uma grafia antiga. A cada ano que passa engrossa a fileira
daqueles que só conheceram esta “nova” grafia e diminuirá a fileira dos
irredutíveis defensores da escrita de 1945.
Claro que nos custa mudar, claro
que não havia razões para tal, mas o mal está feito há mais de vinte e cinco
anos e tivemos quase duas décadas para o evitar, mas nenhum governo, nenhum
parlamento, nenhuma aliança democrática ou geringonça o fez. Seria até
interessante perguntar, onde esteve Marcelo durante estes últimos vinte anos?
Na TVI, fazendo comentário político, social, económico, cultural. Lembram-se de
uma posição firme contra o AO? Eu não me lembro.
Entre 1990 e 2000, poucas foram as vozes públicas
que se levantaram contra o acordo. Com relevância, lembro-me de Vasco Graça
Moura, que apesar de ser do PSD e muito amigo de Cavaco Silva jamais o
conseguiu demover da decisão de promulgar a lei. Esperou-se muito tempo por um
movimento cívico, cultural, político e nada surgiu.
Acho que a maioria do povo fez o que
sempre faz sobre assuntos relevantes para o país: deixou andar, achando que isto
era coisa pequena e que não era para cumprir. E na verdade não cumprem. O problema
é que agora há uma legião de miúdos que só escrevem e só conhecem a nova
grafia, que os envergonha todos os dias lá em casa, nos cafés, nos textos na
internet, nos jornais.
E quando apertados, os quarentões atiram: “Sou contra o
AO! Recuso-me a escrever segundo as suas regras!”. Então os ditos miúdos replicam: “Mas não estás a incumprir uma lei? O que aprendemos na escola não é
para cumprir? Cada um escreve como lhe apetece?”. Nessa altura, os pais
percebem que não podem (não devem) questionar a lei da escola. Espumam de raiva
pela inação e laxismo dos últimos vinte anos e mudam de canal.
O tempo de discutir o acordo foi no século
passado. Que nos sirva de lição para debates futuros, para não nos queixarmos
sempre de sermos constantemente enganados e os últimos a saber.
GAVB
Então escreve isto tudo, mas aplica o acordo? Como é? Convém ser coerente... Que tenha de aplicar o acordo na escola é uma coisa, em privado é outra.
ResponderEliminarNaturalmente que tem de aplicar o acordo. É professor com obrigações inerentes à sua profissão. Além disso, seria um caos ter de utilizar diferentes grafias em função do destino de cada texto. Pode não gostar, mas nem sempre é lícito fazer aquilo de que gostamos. MJR
ResponderEliminarPortugal sempre foi o país da carneirada. 'Não concordo com isto mas faço porque todos fazem'... está amplamente justificado porque é que houve 48 anos de ditadura.
ResponderEliminarPorque somos todos 'maria vai com as outras'. Este professor é bem o espelho da sociedade: pragueja, protesta mas no fim baixa a cabeça e amocha !!
Muito bem. Assim é que é.
Pedro Oliveira Reis
Caríssimo Pedro Oliveira Reis, "este professor" não pragueja, escreve e fala; Este professor concorda ou discorda do todo ou de parte do AO, mas sabe distinguir entre uma lei legítima e a sua obrigação de segui-la, mesmo discordando e a desobediência pela simples razão de discordar ou de achar tal lei negativa.
EliminarSe todos os condutores que não concordassem com determinada alteração às regras de trânsito fizessem finca pé em não a cumprir, provavelmente teríamos muitos acidentes.
O senhor fala da ditadura, mas acho que compara mal, porque durante a ditadura não teria oportunidade de fazer o que acaba de fazer: chamar carneiros a quem segue a lei, não cumprir uma lei (boa ou não, não passa da sua e da minha opinião), deturpar o sentido das palavras dos outros alegremente, subvertendo o sentido da opinião.
Retribuindo a sua ironia final, digo-lhe que aprecio o seu sentido de democracia e respeito pela opinião de quem pensa diferente de si. Muito bem. Assim é que é.