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sexta-feira, 6 de maio de 2016

FINANCIAMENTO DO ENSINO PRIVADO: FAZER VIDA DE RICO COM O DINHEIRO DOS POBRES


Hoje, na Assembleia da República, discutiu-se o futuro próximo do financiamento do ensino privado em Portugal. O governo, pela voz do atual ministro da educação, Tiago Rodrigues, apresentou as legítimas ideias do governo sobre a comparticipação pública do ensino privado e garantiu que todos os contratos assinados pelo governo anterior seriam cumpridos na íntegra, de modo a que um aluno que iniciou um ciclo de estudos no ensino privado o possa concluir nas mesmas condições. Isto é, uma turma que atualmente frequenta o 5.º, 7.º ou 10.º ano de escolaridade mantém o seu financiamento garantido por mais um/dois anos, ainda que as regras tenham sido alterados entretanto.

E o que pretende alterar o governo e que os colégios privados tanto contestam? 
O governo quer deixar de financiar turmas/cursos do ensino privado nos concelhos em que há ou pode haver oferta pública.

Ora, isto parece-me bastante razoável e justo, em linha com aquilo que sempre defendi. Acrescento ainda que as escolas públicas devem poder organizar a sua oferta sem nenhum constrangimento político, social ou económico, ou seja, se a escola secundária de Amarante (por exemplo) tem professores para abrir dois cursos de artes, por exemplo, e tem também condições físicas para o fazer, não deve ser impedida de o fazer por qualquer ordem ministerial, com o argumento de que o Colégio de São Gonçalo perderia alunos ou teria de despedir pessoas. O Estado paga aos professores da escola pública e deve ocupá-las alagando a oferta aos alunos. Esse é o seu papel, essa é a única decisão de racionalidade económica que se deve ter. O colégio propõe uma oferta semelhante? Está no seu pleno direito. Os pais querem colocar os alunos no colégio? Estão no seu pleno direito, desde que paguem as propinas.

Não colhe o argumento de que é um direito constitucional os pais escolherem onde os filhos estudam, porque ninguém impede os pais de matricular os alunos em colégios desde que paguem. Ninguém me impede de optar por recorrer à consulta privada de um médico, desde que a pague; ninguém me impede de andar de autoestrada desde que a pague. O Estado oferece estradas nacionais gratuitamente, embora menos rápidas; o Estado oferece-me consultas no serviço nacional de saúde, embora mais demoradas. Também não colhe o argumento de que me deve ser facultado o dinheiro que o Estado gasta por aluno anualmente na escola pública para eu o poder aplicar no colégio privado do meu agrado, pois esse dinheiro resulta do pagamento dos meus impostos. Seguindo esse raciocínio, não faltaria quem pedisse o seu quinhão relativo ao serviço nacional de saúde, a sua parte relativa às infraestruturas viárias, argumentando que nesse ano não utilizou o serviço nacional de saúde nem usou a rede viária, mas pagou impostos. Nesse dia deixaria de haver Estado.


O Estado deve apoiar o ensino privado? Sim, mas apenas quando a escola pública não tiver comprovadamente capacidade para o fazer na área de residência do aluno. O aluno preferia o colégio, os paizinhos não gostam de “misturas sociais”? Têm bom remédio, pagam as suas preferências. É o que acontece com quase toda a gente.

Ao contrário do que se faz crer, esta não é uma questão ideológica, mas de mera racionalidade económica, como diria Teodora Cardoso do Conselho Económico e Social, ou por palavras mais simples, quando não há dinheiro para luxos temos de viver com o que temos e reduzir as nossas ambições ao essencial.

Gabriel Vilas Boas 

5 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo que subscrevo na íntegra. Acrescentava apenas um "pormenor", estes encarregados de educação seriam duplamente beneficiados, para além do apoio nas propinas seriam também beneficiados em sede de IRS, ou estou enganada? Maiores despesas com a educação = maiores benefícios fiscais).

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  2. Acrescento ainda que turmas significam horários e horários significam professores. O que os privados podem querer é oferecer horários de trabalho para os filhos dos "boys" não sujeitos a concurso nem às tropelias das normas travão para acesso ao "privilégio" de um contrato sem termo no MinEdu, tudo isto à conta do orçamento da escola pública. Em troca a escola privada pode arrebanhar um conjunto de votantes associados (suas famílias e futuros votantes) de castas previamente escolhidas.

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  3. Concordo plenamente com o artigo pois trabalho numa escola pública e sei bem as dificuldades com que a mesma se debate,os orçamentos são cada vez menores, escolas muitas delas degradadas sem dinheiro para serem arranjadas, telhados de amianto que já deveria ter sido retirado há muito tempo, estores em péssimas condições e onda as nossas crianças sofrem com o calor mas também com o gelo do inverno. Quanto ao que os senhores directores dos colégios privadas vem alegar com o despedimento de não sei quantos professores e restantes trabalhadores, eles que façam contas a quantos professores e funcionários das escolas públicas ficaram sem emprego :( o olhar só para o nosso umbigo que por vezes é tão grande é muito triste

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  4. "O aluno preferia o colégio, os paizinhos não gostam de “misturas sociais”? Têm bom remédio, pagam as suas preferências. É o que acontece com quase toda a gente."
    ORA AQUI É QUE ESTÁ TODO O MOTIVO DESTE TEXTO: o preconceito contra estes colégios com contrato de associação! Todos pensam que estes alunos são meninos ricos, com privilégios que mais ninguém pode aceder, quando na verdade estas escolas oferecem serviço público e acolhem tantos, mas tantos alunos com problemas económicos MUITO graves... Enfim, que imaturidade/ignorância ter uma opinião (sim, opinião e não posição) de algo sem se ter noçao da realidade destas escolas.
    Ainda bem que li o artigo todo até ao fim, porque estava a começar a nutrir um certo respeito pela publicaçao, que nao o merece. Bem haja.

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