As Peregrinações ao santuário mariano de
Fátima são um elemento icónico da religiosidade do povo português.
Sobretudo em Maio, as estradas portuguesas
enchem-se de peregrinos desejosos de mostrar todo o amor da sua fé à Virgem de
Fátima. Não critico, não discuto sequer Fátima e os seus milagres com estes
cristãos que elegeram Nossa Senhora de Fátima como padroeira da sua fé.
Admiro-os pela autenticidade que emana do
seu generoso gesto. A fé não se explica nem se racionaliza. Qualquer ateu sabe
isto perfeitamente. Quem a tem vive-a a seu modo. E tem todo o direito a isso
bem como a não ser importunado, ridicularizado, achincalhado ou simplesmente
questionado.
São dezenas/centenas de quilómetros que
esta gente faz todos os anos ou uma única vez. Gente impreparada, gente doente,
gente que não parece conhecer outra forma de se entender com Deus que não seja
através do sacrifício e da dor. Mais do que gente interesseira é gente de
palavra, num código de honra que se tornou sagrado.
É-me difícil perceber uma fé que se afirma
primordialmente através do sacrifício, mas a verdade é que este sacrífico
levado até ao limite é uma manifestação concreta de fé, que não posso criticar,
apenas louvar. Não há exibicionismo nem sequer protagonismo, apenas uma maneira
muito portuguesa de viver a fé. Talvez a única que lhes ensinaram e com ela
vivem há anos.
No entanto, não deixo de me questionar:
não seria possível manifestar tanto fervor religioso em algo mais útil e menos
doloroso fisicamente, como por exemplo o voluntariado? Talvez seja apenas a
minha visão intelectualizada da fé, mas não me deixa de me inquietar que
milhares e milhares de peregrinos sejam capazes de tamanho sacrifício ano após
ano e depois sejam tão pobres em obras de caridade com os vizinhos necessitados
das suas paróquias.
Bem sei que a fé não se racionaliza, mas
todo o crente é dotado de sensibilidade, bom senso e inteligência e certamente
já pensou como seria um verdadeiro milagre transformar todo aquele esforço de
dias de peregrinação em ações diárias de amor e caridade cristãs, junto das
comunidades a que cada um pertence.
A fé é mais do que um sacrifício ou uma
tradição; ela pode e deve ser também uma manifestação do Amor de Deus na ação
diária de cada crente.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário