Etiquetas

domingo, 29 de maio de 2016

LÁ EM CASA MANDA(M) ELA(S)



A frase é recorrente em entrevistas a homens que pontuam deste modo a sua relação com a família, a companheira, o lar. Dizem-no com a intenção de fazer um elogio às suas companheiras e/ou filhas, pretendendo realçar a capacidade de liderança, como quem dá um bodo aos pobres. As mulheres aceitam o cumprimento, com um sorriso, quase sempre concordando orgulhosamente.
A frase é prima da tradicional “Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher” e funciona já como um cliché social. Não gosto muito de nenhuma delas, porque muitas vezes não são verdadeiras… nem seria bom que o fossem.

“Lá em casa mandam ela” – não é apenas um sinal de reconhecimento do valor e mérito da liderança das mulheres na vida doméstica, mas também uma aceitação tácita desse facto. Este mandar não resultou de alguma luta, de uma vitória do modo feminino de organização da vida doméstica sobre a visão masculina, mas de um abdicar consciente e propositado. Elas mandam porque o homem, oportunisticamente, lhe deixou o trabalho e todas as decisões para ela(s). Ora, quem se demite da sua responsabilidade de “fazer” também se demite do seu direito de mandar. Em muitos casos, só se demite do “dever de fazer” e por isso muitas mulheres sorriem amarelo quando os seus companheiros lhe atribuem louros públicos que em privado são espinhos.

O “Lá em caso mandam elas” é muito bonito de se dizer e agradável de ouvir, mas dispensável. Muitas mulheres prefeririam (estou certo…) mandar menos e partilhar mais: decisões, tarefas, responsabilidades…
Este elogio público contentinho sempre me pareceu uma tentativa de amansar a fera, para manter uma situação conveniente. Mandar na vida do lar é como aqueles empregos com isenção de horário: na aparência um enorme benefício; na prática, o dobro do trabalho sem direito a qualquer resmungo e com o dever a executar o dobro das tarefas que são exigidas a quem tem um horário definido.
A vida doméstica e familiar é uma corresponsabilidade inalienável. Quando alguém faz e decide sozinho é porque o outro se demitiu do seu papel. Raramente é bom e por isso não vejo como alguém pode dizer isto com muito orgulho.

Gabriel Vilas Boas 

Sem comentários:

Enviar um comentário