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sábado, 28 de maio de 2016

FOI VOCÊ QUE REJEITOU UM MÉDICO DE FAMÍLIA?

Provavelmente foi, mas ainda não sabe. A norma já dura há três anos, mas só dela me apercebi há seis meses, quando fui vacinar as minhas filhas e me comunicaram que, a meu pedido, tinha abdicada de ter médico de família.
«-Como? Eu abdiquei de ter médico de família? Como é que isso é possível se nunca me foi atribuído nenhum, durante todos os catorze anos em que moro nesta cidade?
- Pois, não sei! O que sei é que não tem direito a médico de família, porque disse que não queria. Informou-o também que também a sua filha mais velha e a sua mulher deixaram de ter médico de família pelo mesmo motivo.
- O quê? Mas não fomos informados de nada.
- Devem ter-lhe enviado uma carta! O senhor não vem ao Centro de Saúde há mais de três anos, pelo menos. Se tivesse vindo, não perdia o direito a ter médico de família!»

Ainda argumentei que as minhas filhas sempre foram vacinadas no Centro de Saúde, seguindo o plano Nacional de Saúde e que a mais velha tinha sido vacinada em meados de 2012. Além do mais achava absurdo perder o direito a algo que jamais teve. Nada feito! Podia reclamar, mas o certo é que tinha de iniciar o processo novamente, pedindo médico de família para toda a família.

Durante mais de dez anos não me foi atribuído nenhum médico de família. Por casualidade, nunca tive necessidade de recorrer ao Centro de Saúde, e como prémio recebo a notícia que eu próprio, decidi recusar o médico de família, que os serviços, em dez anos, nunca me conseguiram atribuir, apesar de viver numa cidade que não tem dez ml habitantes.
Quando pedi para falar com o diretor do Centro de saúde, informaram-me que não estava. Pedi o horário de atendimento, mas ninguém me sabia informar a que horas e dia o senhor diretor recebia os utentes. Um formulário para reclamar da situação? Não existia. Prova de que me tinham enviado aviso da nova norma legal? Não tinham.

Depois de alguma investigação, percebi que o aviso aos utentes se faz por carta simples. Não há direito a carta registada com aviso de receção. Daqui se infere que tanto podem ter mandado o aviso como não, pois ninguém consegue fazer prova de nada.
Revolta-me esta norma/lei. É uma forma capciosa e mentirosa de fazer baixar o número de pessoas que não têm médico de família e/ou de atribuir rapidamente médico de família a pessoas que tinham de esperar mais algum tempo.
Imaginemos a seguinte situação: um jovem casal chega a uma terra e pede médico de família para a sua família. Nos primeiros tempos, admite que não lhe seja atribuído nenhum, pois acabou de chegar e pressupõe que há muita gente à sua frente na lista de espera. Dado que os seus filhos são saudáveis, não procura o Centro de Saúde, porque dele não precisa a não ser para vacinar os seus filhos. No entanto, passados três anos, é informado que toda a sua família perdeu o direito a médico de família porque o rejeitou.

Não posso aceitar tais métodos. Não posso aceitar que se perca um direito que nunca se usufruiu; não posso concordar que crianças e adultos sejam tratados da mesma forma por uma norma injusta. A não obrigatoriedade de uma notificação em que o utente comprovadamente dela teve conhecimento fere os mais elementares princípios de transparência, boa-fé e equidade.
Esta regra do SNS comporta ainda um enorme contrassenso: para “salvar” o médico de família, o utente deve fingir-se doente pelo menos uma vez de três em três anos, usando indevidamente os serviços do médico que podia estar a dar uma consulta realmente necessária. Não podemos aceitar que alguém tenha que estar fingidamente doente para continuar a ter acesso ao seu médico de família ou simplesmente continuar a figurar na lista daqueles que esperam há mais de uma década que lhe atribuam um.

Gabriel Vilas Boas

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