Provavelmente foi, mas ainda não sabe. A norma já dura há
três anos, mas só dela me apercebi há seis meses, quando fui vacinar as minhas
filhas e me comunicaram que, a meu pedido, tinha abdicada de ter médico de
família.
«-Como? Eu abdiquei de ter médico de família? Como é que
isso é possível se nunca me foi atribuído nenhum, durante todos os catorze anos
em que moro nesta cidade?
- Pois, não sei! O que sei é que não tem direito a médico
de família, porque disse que não queria. Informou-o também que também a sua
filha mais velha e a sua mulher deixaram de ter médico de família pelo mesmo
motivo.
- O quê? Mas não fomos informados de nada.
- Devem ter-lhe enviado uma carta! O senhor não vem ao
Centro de Saúde há mais de três anos, pelo menos. Se tivesse vindo, não perdia
o direito a ter médico de família!»
Ainda argumentei que as minhas filhas sempre foram vacinadas
no Centro de Saúde, seguindo o plano Nacional de Saúde e que a mais velha tinha
sido vacinada em meados de 2012. Além do mais achava absurdo perder o direito a
algo que jamais teve. Nada feito! Podia reclamar, mas o certo é que tinha de
iniciar o processo novamente, pedindo médico de família para toda a família.
Durante mais de dez anos não me foi atribuído nenhum médico
de família. Por casualidade, nunca tive necessidade de recorrer ao Centro de
Saúde, e como prémio recebo a notícia que eu próprio, decidi recusar o médico
de família, que os serviços, em dez anos, nunca me conseguiram atribuir, apesar
de viver numa cidade que não tem dez ml habitantes.
Quando pedi para falar com o diretor do Centro de saúde,
informaram-me que não estava. Pedi o horário de atendimento, mas ninguém me
sabia informar a que horas e dia o senhor diretor recebia os utentes. Um
formulário para reclamar da situação? Não existia. Prova de que me tinham
enviado aviso da nova norma legal? Não tinham.
Depois de alguma investigação, percebi que o aviso aos
utentes se faz por carta simples. Não há direito a carta registada com aviso de
receção. Daqui se infere que tanto podem ter mandado o aviso como não, pois
ninguém consegue fazer prova de nada.
Revolta-me esta norma/lei. É
uma forma capciosa e mentirosa de fazer baixar o número de pessoas que não têm
médico de família e/ou de atribuir rapidamente médico de família a pessoas que
tinham de esperar mais algum tempo.
Imaginemos a seguinte
situação: um jovem casal chega a uma terra e pede médico de família para a sua
família. Nos primeiros tempos, admite que não lhe seja atribuído nenhum, pois
acabou de chegar e pressupõe que há muita gente à sua frente na lista de
espera. Dado que os seus filhos são saudáveis, não procura o Centro de Saúde,
porque dele não precisa a não ser para vacinar os seus filhos. No entanto,
passados três anos, é informado que toda a sua família perdeu o direito a
médico de família porque o rejeitou.
Não posso aceitar tais métodos.
Não posso aceitar que se perca um direito que nunca se usufruiu; não posso
concordar que crianças e adultos sejam tratados da mesma forma por uma norma
injusta. A não obrigatoriedade de uma notificação em que o utente
comprovadamente dela teve conhecimento fere os mais elementares princípios de
transparência, boa-fé e equidade.
Esta regra do SNS comporta
ainda um enorme contrassenso: para “salvar” o médico de família, o utente deve
fingir-se doente pelo menos uma vez de três em três anos, usando indevidamente
os serviços do médico que podia estar a dar uma consulta realmente necessária. Não
podemos aceitar que alguém tenha que estar fingidamente doente para continuar a
ter acesso ao seu médico de família ou simplesmente continuar a figurar na
lista daqueles que esperam há mais de uma década que lhe atribuam um.
Gabriel Vilas Boas
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