O maior e o mais valioso (do ponto de vista
arquitetónico) conjunto barroco da América Latina é simultaneamente um baluarte
da música afro-americana. Mas a terra que viu nascer Jorge Amado
é muito mais que isso: é um local exótico, mágico, depravado como nenhum outro
do país do carnaval.
São Salvador da Bahia, mais propriamente o seu centro histórico, é Património da Humanidade há trinta anos. Ninguém o descreveu de maneira
tão certeira e naturalista como Jorge Amado como também ninguém o cantou com
tanto humor como Dorival Caymmi
“Quem
não gosta de samba
Bom
sujeito não é
É
ruim da cabeça
Ou
doente de pé.”
Uma das peculiaridades arquitetónicas de São Salvador são
as suas 170 igrejas, uma boa parte delas pré-fabricadas em Portugal. Isto
acontecia porque os galeões que viajavam de Portugal em direção à terra de Vera Cruz seguiam quase vazios de mercadorias e por isso os blocos de pedra
cuidadosamente numerados e as estátuas de mármore eram bem acolhidos a bordo.
Mesmo ao lado dos embarcadouros do porto, ainda hoje
pitorescos, encontra-se uma pérola arquitetónica – a Basílica de Nossa Senhora
da Conceição da Praia, com as suas duas torres e uma invulgar pintura do teto,
usando a técnica do trompe l’oeil. A
uma distância de poucos metros deparamo-nos com outro chamariz da Cidade Baixa –
o Mercado Modelo, hoje gigantesca feira de artesanato. Nas imediações e ao longo
do dia, jovens negros fazem demonstrações de capoeira, empolgante dança marcial
criada pelos primeiros escravos trazidos para o Brasil, a fim de se defender da
prepotência dos feitores e da polícia.
Íngremes ladeiras levam-nos à Cidade Alta, zona mais
atraente, e onde se situam museus e palácios, mas quase todos os turistas
preferem usar o “Elevador Lacerda”, inaugurado em 1930, e dirigir-se para o
Largo do Pelourinho, construído em plano inclinado, e cujo nome vem dessa
estaca de pedra onde se acorrentavam escravos. Nele eram açoitados e expostos
durante dias inteiras por ofensas de pouca monta.
Quando, nos dias de hoje, as famosas bandas
afro-brasileiras Oludum ou Timbalada, com os seus oitenta ou mais percussionistas,
fazem vibrar noite adentro, o vizinho Museu Jorge Amado, a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos e outras mansões coloniais, quase poderíamos
pensar que estávamos num qualquer lugar de África.
Após vasta operação de restauro nesta praça, brota no Pelourinho
uma espécie de revolução cultural afro-brasileira: cultos e ritos oriundos de
África como o candomblé e a umbanda animam o seu quotidiano. Muito visitada é
também a catedral erguida no século XVII, assim como a antiga Igreja do Colégio
dos Jesuítas, com os altares laterais e pinturas sacras de minucioso labor. Aqui,
o espaço interior transmite uma sensação de austeridade e frieza, contrastando
com a vizinha Igreja dos Franciscanos. Nesta, a talha integralmente revestida a
ouro e uma infinidade de anjinhos nus e figuras de santos fazem dela a mais
exuberante igreja barroca brasileira.
“Toda a sensualidade do barroco encontra aqui a sua
expressão”, constata o especialista salvadorenho, Carlos Ott, “e não era fácil
pregar a moderação nos púlpitos.”
Grandes murais de azulejos ilustrando temas
religiosos, mas também filosófico-éticos ornamentam o claustro do Convento do
Franciscanos. Neste monumento de arte sacra não se podem ignorar os aforismos
latinos sobre os valores e a moral, a inconstância e a paixão.
A mais popular e mais celebrada igreja de Salvador é a Igreja
de Nosso Senhor Bom Jesus do Bonfim, à noite iluminada com colorido de gosto
duvidoso e destino de uma procissão sempre realizada em princípios de janeiro,
à qual acorrem dezenas de milhar de pessoas. Nessa altura, mulheres vestidas de
branco lavam a escadaria da igreja com água perfumada: o Senhor do Bonfim é,
para os negros da Bahia, Oxalá, o deus da fecundidade e é apenas em sua honra
que inúmeros habitantes se vestem de branco à sexta-feira. O que acontece à
volta desta igreja faz frequentemente lembrar um parque de diversões. O que se
ouve não são corais devotos mas ritmos quentes de algumas bandas de samba. No
espaço à direita, ao lado do portal, todos aqueles a quem o Senhor contemplou
com um milagre deixaram ficar fotografias ou presentes.
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