«Se ainda me queres vender
Se ainda me queres negociar,
Isso já pouco me interessa…
Perdemos o gosto de viver,
Eu a obedecer e tu a mandar,
Os dois na mesma triste peça,
Os dois à espera do fim.»
Este é um excerto da letra da canção de Jorge Palma que mais gosto e traduz, no meu entender, o pensamento dominante em Portugal e também, um pouco, no resto da europa.
Se o governo privatiza os Correios porque dão lucro ou “dá” a TAP pois cria prejuízo, isso pouco nos abala. Alguns ainda se dão ao trabalho de escrever uns artigos de indignação, outros “lamentam profundamente” a perda de mais um símbolo nacional e… passa-se adiante porque daqui a umas semanas o governo que elegemos e voltaremos a eleger fará mais um ajuste direto para vender os STCP no Porto ou a Carris em Lisboa, enquanto ainda houver compradores, ainda que todos saibamos que fecharão linhas e haverá populações às portas de Lisboa e do Porto apenas com um/dois autocarros por dia.
Importará tanto como importou ao Banco de Portugal a regulação da atividade dos bancos privados na última década. Um após outro lá foram todos caindo no mar da própria corrupção, tanto mais descarada quanto mais fracos nos tornamos ao eleger marionetas para fazer e executar as leis.
Guterres já nos tinha avisado na viragem do milénio que “isto é que era a vida”, ou seja, este pântano onde nos deixou, preferindo os refugiados de todo o mundo ao lodaçal que os amigos de Peniche lhe criaram.
Perdemos o gozo de viver, deixamos de acreditar na vida e em nós, porque nos rendemos à peçonha neoliberal e individualista que nos conspurca a alma. Os programas de televisão, as revistas do social, os gurus da economia seduziram-nos com promessas irrealistas de um futuro risonho, onde governaríamos, sem esforço, uma nova legião de escravos. Entretanto teríamos de nos tornar tontos e súbditos, ganhando apenas o suficiente para a sobrevivência e uma ou outra extravagância low cost ou de marca branca.
Como canta Jorge Palma, amargurado, “invertemos a ordem do fatores: pusemos números à frente de amores” e de valores, aceitando um mundo a preto e branco, quando, afinal, ele é a cores! Mas agora já não há cor nenhuma. Desejamos deixar de ser “pretos” e passar a “brancos”. A oportunidade é perfeita: chegam-nos marés de novos negros à europa. A nossa hipocrisia solidária vai acolhê-los… se nos pagarem, como diria Passos Coelho.
Choraremos apenas se os mortos forem crianças, porque apenas esses merecem a nossa dor, as nossas capas de jornais, os nossos artigos de opinião, os nossos posts no facebook. Realmente a humanidade naufragou, mas foi a nossa!
Como muito bem notou o jornalista do Finantial Times, Martim Sandbu, “a crise dos refugiados mostra aquilo em que nos tornamos”.
A foto é horrível. Somos uma alma opaca, cinzenta e vazia, rendidos ao photoshop e ao narcisismo das selfies. Perdemos a noção do estético e do ético.
Todavia estamos vivos! Paralisados, mas vivos. A sorrir estupidamente para a fotografia que os outros vão adorar ou invejar, mas vivos. Não sei se isso é uma boa ou uma má notícia. Cada um decidirá! Sempre podemos continuar a fazer como a maioria:
“Andando por aí
Sobrevivendo à bebedeira e ao comprimido,
Dizendo sim à engrenagem,
Andando deprimido…
E é difícil encontrar quem não o esteja,
Quando o sistema nos consome e aleija”
Ou então aceitamos o desafio da Adriana Calcanhotto e entrar pela porta da frente da nossa vida. Pode ser que não reste mais de meia hora para a mudar...
A solução não está nos outros, a solução está em nós: em ti e em mim!
Gabriel Vilas Boas
Bonito e pertinente texto! Parabéns!
ResponderEliminarObrigado, Anabela Magalhães.
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