Se há ideia com que aprendi a conviver desde criança é a
de que somos um país pobre. Rapidamente a escola explicou-me que sempre o fomos,
com a rara e ilusória exceção de umas décadas do século XVI.
Como o tempo percebi a dimensão da pobreza do Portugal em
que nasci. Há quarenta anos, Portugal tinha fome de comida, liberdade e educação.
Éramos pobres e atrasados e não tínhamos a perfeita consciência do tanto que
nos faltava. Talvez por isso não fossemos infelizes! Apesar disso, a geração
dos meus pais tinha fome de viver.
Como o passar dos anos, eles foram mitigando essa pobreza
profunda que um regime de vistas curtas lhes tinha deixado como herança. A
liberdade política trouxe a aproximação económica ao modelo europeu de desenvolvimento.
A comida apareceu no prato, as crianças apareceram na escola e, durante trinta
anos, a palavra “pobreza” foi caindo em desuso. O dia da luta contra a pobreza
era sinónimo de solidariedade com os “pobrezinhos do terceiro mundo,
coitadinhos e desnutridos”.
Habituámo-nos a comer muito, ainda que mal, como incorporámos
a ideia de que a adolescência e a juventude eram realidades para serem vividas nas
escolas e nas universidades, ainda que nunca tenhamos rentabilizado metade do
tempo que lá passámos.
A imitação cega e parola dos modelos económicos ultra liberais
e consumistas hipotecou-nos o futuro aos bancos dos outros. Apesar do bem-estar
e dos bens materiais, do crédito no banco e das férias no estrangeiro, além da
casa pretensamente nossa, a pobreza estava brutalmente de volta. Bastou uma
subida de 4% nos juros da nossa querida e colossal dívida externa para nos recordarem
que estávamos de regresso à pobreza dos anos 50/60 do século passado.
De nada serviu tanto investimento na educação. Caímos
como patinhos na ilusão dos almoços grátis. Gordos e endividados, somos
incapazes de aplicar todo o conhecimento acumulado nas universidades. Talvez
porque nunca aprendemos a refletir sobre esse mesmo conhecimento, talvez porque
nunca quisemos absorver as lições da História, talvez porque…
Há quarenta anos, atribuímos a culpa da nossa pobreza e
atraso à falta de educação básica. Hoje, a nossa pobreza não tem desculpa, é
burrice pura. Não aproveitamos os recursos que temos. Do mar, às vias de
comunicação, do conhecimento aos fundos externos, temos revelado uma inaptidão
completa para agarrar as oportunidades que existem.
A isto acresce a falta duma característica coletiva que
muito me entristece: solidariedade. Solidariedade não é dar a esmolazinha ou
encher o saco no supermercado quando o banco alimentar solicita, solidariedade
é executar uma estratégia comum de retirada em massa de dois milhões de
portugueses da pobreza ou limiar da pobreza. É abdicar dum ganho pessoal e
momentâneo para construir um país mais equilibrado e justo. Não se cria riqueza
no meio da injustiça social e económica. Será que ninguém percebeu por que
falhou economicamente o comunismo?
A nossa pobreza de hoje é mais triste porque andamos
desmotivados, não vemos solução e estamos marrecos com o peso da dívida. A solução
não é importar cegamente modelos, pois nunca resultam, mas adaptar as boas
práticas dos outros, corrigir aquelas falhas que só fazemos em Portugal e mudar
de mentalidade. Abrir a mente a novas formas de organização política, social e económica,
como sugeria hoje José Gomes Ferreira na imprensa portuguesa.
Afinal, já aceitámos que nos torcessem tanto nos últimos
dez anos, que não será assim tão difícil fazer uma reorientação de rumo por
vontade própria.
Gabriel Vilas Boas
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