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domingo, 19 de outubro de 2014

UMA POBREZA PORTUGUESA




Se há ideia com que aprendi a conviver desde criança é a de que somos um país pobre. Rapidamente a escola explicou-me que sempre o fomos, com a rara e ilusória exceção de umas décadas do século XVI.
Como o tempo percebi a dimensão da pobreza do Portugal em que nasci. Há quarenta anos, Portugal tinha fome de comida, liberdade e educação. Éramos pobres e atrasados e não tínhamos a perfeita consciência do tanto que nos faltava. Talvez por isso não fossemos infelizes! Apesar disso, a geração dos meus pais tinha fome de viver.
Como o passar dos anos, eles foram mitigando essa pobreza profunda que um regime de vistas curtas lhes tinha deixado como herança. A liberdade política trouxe a aproximação económica ao modelo europeu de desenvolvimento. A comida apareceu no prato, as crianças apareceram na escola e, durante trinta anos, a palavra “pobreza” foi caindo em desuso. O dia da luta contra a pobreza era sinónimo de solidariedade com os “pobrezinhos do terceiro mundo, coitadinhos e desnutridos”.


Habituámo-nos a comer muito, ainda que mal, como incorporámos a ideia de que a adolescência e a juventude eram realidades para serem vividas nas escolas e nas universidades, ainda que nunca tenhamos rentabilizado metade do tempo que lá passámos.
A imitação cega e parola dos modelos económicos ultra liberais e consumistas hipotecou-nos o futuro aos bancos dos outros. Apesar do bem-estar e dos bens materiais, do crédito no banco e das férias no estrangeiro, além da casa pretensamente nossa, a pobreza estava brutalmente de volta. Bastou uma subida de 4% nos juros da nossa querida e colossal dívida externa para nos recordarem que estávamos de regresso à pobreza dos anos 50/60 do século passado.
De nada serviu tanto investimento na educação. Caímos como patinhos na ilusão dos almoços grátis. Gordos e endividados, somos incapazes de aplicar todo o conhecimento acumulado nas universidades. Talvez porque nunca aprendemos a refletir sobre esse mesmo conhecimento, talvez porque nunca quisemos absorver as lições da História, talvez porque…


Há quarenta anos, atribuímos a culpa da nossa pobreza e atraso à falta de educação básica. Hoje, a nossa pobreza não tem desculpa, é burrice pura. Não aproveitamos os recursos que temos. Do mar, às vias de comunicação, do conhecimento aos fundos externos, temos revelado uma inaptidão completa para agarrar as oportunidades que existem.
A isto acresce a falta duma característica coletiva que muito me entristece: solidariedade. Solidariedade não é dar a esmolazinha ou encher o saco no supermercado quando o banco alimentar solicita, solidariedade é executar uma estratégia comum de retirada em massa de dois milhões de portugueses da pobreza ou limiar da pobreza. É abdicar dum ganho pessoal e momentâneo para construir um país mais equilibrado e justo. Não se cria riqueza no meio da injustiça social e económica. Será que ninguém percebeu por que falhou economicamente o comunismo?


A nossa pobreza de hoje é mais triste porque andamos desmotivados, não vemos solução e estamos marrecos com o peso da dívida. A solução não é importar cegamente modelos, pois nunca resultam, mas adaptar as boas práticas dos outros, corrigir aquelas falhas que só fazemos em Portugal e mudar de mentalidade. Abrir a mente a novas formas de organização política, social e económica, como sugeria hoje José Gomes Ferreira na imprensa portuguesa.

Afinal, já aceitámos que nos torcessem tanto nos últimos dez anos, que não será assim tão difícil fazer uma reorientação de rumo por vontade própria.


Gabriel Vilas Boas

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