Amadeo de Souza-Cardoso, Tristezas cabeça (1914)
“Tenho
sentido momentos em que tudo me aparece de uma esterilidade negra, de
impotência realizadora, de gasto, de inútil; outros de irradiação celeste, de
fecundidade imensa, de um abrir criador como a flor se abre ao sol. E contra
isto, choques de sentimentos, massacres de ideias, onde pensamentos velhos
resistem a pensamentos novos e pensamentos novos se formam de sentimentos
velhos. Nos momentos de calma, das entre-lutas refaço as trincheiras da
resistência, examino a minha capacidade de energia vital e aparece-me a vitória
nítida.”
Carta de Amadeo de Souza-Cardoso a sua mãe,
abril de 1914, Paris
A personalidade de Amadeo, imbuída de
intensa espiritualidade e algum drama podem, se quisermos, ajudar a explicar
também o seu envolvimento no movimento expressionista que se desenvolveu na
Alemanha, na primeira década do séc. XX.
Esta vanguarda, caraterizada pela
utilização expressiva da cor e da forma, surge como reação à objetividade do
Impressionismo, propondo uma pintura mais intensa, em jogo de emoções e sensações,
num dramatismo só comparável à própria vida. Os mais profundos sentimentos
deveriam emergir da cor, intensa em pinceladas violentas e bruscas. A analogia
com a época impõe-se. A situação política e económica da Europa na viragem do
século, o mal-estar social e a crise de valores provocada por uma invasão
desenfreada da tecnologia, pelos excessos da industrialização desumana e pelo
crescimento assustador das cidades é denunciada pelos expressionistas; influenciados
pela generalização da crise, que atinge o seu auge com o rebentar da Primeira
Grande Guerra, estes pintores privilegiam a expressão dos estados de espírito
subjetivos em temas como a doença, a solidão, a ânsia do amor insatisfeito ou a
deceção e angústia.
Inspiram-se
nos primitivos e na arte negra e tribal, isentas de mácula de modernidade;
imagens arcaicas e quase naif, em
distorções e fortes contrastes cromáticos invadem as telas dos pintores dos
grupos Die Brucke (A Ponte),de
Dresden e Der Blaue Reiter, (O
Cavaleiro Azul)a segunda vanguarda expressionista em direto de Munique.
Amadeo foi permeável a esta nova vanguarda
aquando da sua passagem meteórica pela Alemanha e desenvolve trabalhos que se
aproximam desta estética em trabalhos quer de pintura quer de desenho, num
interessante diálogo com o pensamento expressionista do seu tempo.
A inspiração primitivista e a recuperação
das máscaras africanas está presente no conjunto de cabeças/máscaras que vai
produzindo desde 1908. Estas figurações integram-se em tipos humanos com
estados emocionais alterados, onde se chega a roçar a violência física e
emocional, num grotesco inesperado e sem fim.
Alma de expressionista, portanto. Assim era
Amadeo.
Amadeo de Souza-Cardoso, Luto cabeça boquilha (1914)
Amadeo de Souza-Cardoso, O rata
(1915)
Rosa Maria Alves da Fonseca
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