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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

DA ARTE, DA PINTURA, DO DADAÍSMO E DE KURT SCHWITTERS




Kurt Schwitters (1887-1948)
  
Em 1917, o movimento DADA era já sobejamente conhecido pela sua facilidade de aceitação de todas as experiências que  subvertessem a ordem, os valores, as normas estéticas estabelecidas. Estes artistas questionavam até o conceito de “arte”, de “artista” e de “obra” e promoviam a provocação, a subversão e o tom de escândalo, que davam a nota a todas as suas expressões artísticas.
Os dadaístas reuniam-se no Cabaret Voltaire, em Zurique, um bar literário aberto por Hugo Ball, poeta alemão, e sua mulher, Emmy Jennings, que quiseram transformar um bar de má fama num local que acolhesse a intelligentsia exilada naquela cidade suíça. Aqui participavam em atividades de características estranhas, absolutamente non sense: performances com apontamentos de poesia absurda, música ruidosa, escrita automática, sempre muito aplaudidos por uma turba eufórica e exuberante. Este bar afirma-se pelas suas soirées culturais onde, em fevereiro de 1916,Tristan Tzara adota o nome DADA, utilizando o acaso e a ironia: abre um dicionário de forma aleatória onde deixa cair uma gota de água. Ao grupo inicial, para além de Tzara ,pertenciam também Jean Harp e Sophie Taeuber.
Em 1918,Tzara apresenta o Manifesto Dada; o movimento já se expandia em Berlim, com Raoul Haussman, John Heartfield e George Grosz; na cidade de Colónia com Max Ernst e em Paris, com John Arp e Man Ray. Nova Iorque já brilhava com Francis Picabia e Marcel Duchamp. Kurt Schwitters, em direto de Hannover, vai criar obras que me agradam sobremaneira também, influenciado profundamente pelo Dadaísmo, mas que vai criar uma “arte de um homem só”. Sobre ele me debruçarei, pois entendo que aos outros foi proporcionada já muita visibilidade.
Todos eles adotam técnicas inovadoras como o ready –made, que consiste em retirar objetos do seu contexto original e transformá-los em obra de arte e a combinação de outras, como a colagem, a assemblage, que reúne objetos fragmentados num quadro, e a fotomontagem, numa nova relação de amor entre objetos e conceitos. Os rayographs –fotografias feitas pelo contacto dos objetos com o papel sensível, também era uma técnica muito usada.
Agora, arte é tudo aquilo que o artista afirma como tal. Vive-se a espontaneidade artística, a anarquia… agora, a arte é sinónimo de antiarte.
Esta característica maior deve-se às circunstâncias históricas da sua aparição, pois emerge durante a Primeira Grande Guerra e o derrubar dos valores ocidentais vai ser o principal motor de rebelião Dada, onde a raiva contra uma sociedade que permitiu o absurdo da guerra é gritada com veemência. Tal como a guerra, os dadas rompem com a norma, com as regras, inclusive com a decência.
Kurt Schwitters(1887-1948), poeta, ensaísta, pintor, escultor e arquiteto, como um verdadeiro vanguardista, experimentou todas as técnicas, até chegar às colagens. Muitas vezes, objetos retirados do lixo ocupam com centralidade as suas obras, integradas num movimento a que ele vai chamar MERZ. Também escolhida ao acaso, esta expressão surge numa tela com a sílaba recortada de um anúncio do Commerzbank e assume tal importância que ele mesmo se apresenta como “Senhor Merz”. Podemos assumir a significância de “obra de arte total”, como ele a entendia.
 Schwitters utilizava bilhetes de autocarro, embrulhos de compras, cordéis de embalagens, para construir as suas assemblages e colagens. Assim consegue obras subtis e de um grande refinamento, produzidas no período entre as duas grandes guerras, num claro anúncio da sociedade de desperdício que já se vislumbrava. Incompreendido, visto pelos dadaístas como um burguês a tentar chocar outros burgueses, Schwitters assumiu os seus dois amores, o dadaísmo e o construtivismo russo, numa  vivência conturbada que termina de forma difícil, com um exílio forçado por Hitler, que o considera um artista degenerado ,mas que vai marcar de forma intensa a arte da segunda metade do século XX.
Porque muito esquecido, trago-o hoje aqui. Considerado pela História da Arte a ovelha desgarrada do dadaísmo, (de forma injusta, entendo eu), deixo-vos com algumas das obras que mais aprecio.

Construção Merz 46

Esta colagem de 1921 pode considerar-se inclusive precursora da Arte Povera desenvolvida em Itália. A distribuição dos objetos no quadro é harmoniosa e expande-se a partir do centro da obra.


Construção Merz 25

Nas suas obras, recortes de jornais e outros materiais impensáveis que atestam a sua paixão pela recolha de lixo ,que ele vai transformar em arte, são combinados de forma dinâmica. Cria igualmente três Merzbau (casas Merz), em Hannover, Noruega e Londres-que enche com objetos que acha aqui e ali, sendo por isso considerado o precursor da arte da Instalação.



Merz 163

Merzbild 29A



A colagem também funcionava na poesia. Este seu poema pode ser visto como uma paródia aos poemas de amor e criador de uma nova linguagem poética; publicado na revista Der Sturm, sem ser dadaísta, rompe com a lógica, tal como o dadaísmo. Estranha-se. Depois, entranha-se.


An Anna Blume
(Para Ana Flor)

Ó tu, bem-amada dos meus vinte e sete sentidos, amo-te!

Tu teu tu a ti eu a ti tu a mim – Nós?

Isso (diga-se de passagem) não é daqui.

Quem és tu, inumerável fémea? Tu és – és tu? –

Há quem diga que deves ser – deixa-os dizer, os que não sabem

como o campanário está de pé.

Trazes um chapéu nos teus pés e andas com as

mãos, com as mãos é que tu andas.

Olá roupas vermelhas e tuas, justas em pregas brancas. Vermelha

te amo, Ana Flor, vermelha a ti amo – tu teu tu a ti eu a ti tu a mim –

Nós?

Isto (diga-se de passagem) pertence ao fogo frio.

Vermelha flor, vermelha Ana Flor, que diz a gente?

(…)

Tu, simples rapariga com o vestido de todos os dias, tu querida verde

criatura, amo-te – tu teu tu a ti eu a ti tu a mim –

Nós?

Kurt Schwitters, An Anna Blume, 1919


E depois de um toque poético de Schwitters, deixem-se envolver pela música magistral de Satie, que acompanhou muitas das performances Dadaístas de inícios do séc. XX. Porque a música embeleza a vida, deixem-me tornar mais bonita a vossa quinta-feira. Sintam-se à vontade no Cabaret Voltaire.

 Rosa Maria Alves da Fonseca


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