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terça-feira, 7 de outubro de 2014

AS OBRAS COMPLETAS DE WILLIAM SHAKESPEARE EM 97 MINUTOS



    
         Desilusão! Este foi o sentimento que me percorreu no final da tarde de domingo quando saia do teatro Sá da Bandeira, no Porto, depois de ver a representação de “As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos”, encenada por Juvenal Garcês e representada pelas atores André Nunes, António Machado e Tiago Ramalho.
     Tinha uma grande expectativa em ver esta peça, pelo êxito alcançado, na anterior digressão, pelo sucesso que fez em vários países, pela curiosidade de ver como os britânicos Adam Long, Daniel Singer e Jess Borgeson conseguiram “criar” uma peça a partir das peças de Shakespeare.  
     Os autores criaram um texto hilariante, cómico e bem estruturado, feito para pôr o público a rir e desmistificar a obra do grande dramaturgo inglês. Percebo a intenção, reconheço mérito ao texto, mas a interpretação/encenação que dele fez Juvenal Garcês dececionou-me. Em primeiro lugar, porque não faz jus à extraordinária obra de Shakespeare, dando uma ideia absolutamente errada do estilo, temas e qualidade literária e dramática do escritor inglês.


     Quem não conhece a obra shakespeariana (a esmagadora maioria dos espectadores deste representação) jamais sentirá inclinação por ler qualquer obra deste autor, pois julgará que o valor que lhe é atribuído foi amplamente empolado. A ligeireza com que as peças são retratadas, golpeadas, ridicularizadas transmite ao espectador uma ideia absolutamente errada sobre a qualidade cénica das obras de Shakespeare.
Obviamente que a peça de Long, Singer e Borgeson pretende fazer rir, glosando as principais obras shakespearianas, mostrar o lado trágico-cómico de algumas tragédias, revelar a maneira abusiva como Shakespeare cavalgou fórmulas de sucesso nas comédias, o excessivo rendilhado de alguns diálogos, mas não pretende ridicularizar as obras nem humilhar o seu autor.


É bom que os atores interajam com a plateia, que façam inferências para a atualidade, mas é dispensável que o façam a despropósito, que tornem o texto base um acessório dispensável da representação, de tal modo que o nome de Shakespeare se torne apenas um engodo, um isco para atrair público e não o eixo fundamental do trabalho dos atores e encenador.
Os atores Tiago Ramalho, António Machado, e André Nunes têm um valor inquestionável, amplamente demonstrado noutros trabalhos, mas a sua interpretação de “As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos” pareceu-me apressada, atabalhoada, sem ritmo nem alma. Houve largos momentos, em que não percebi longos trechos de texto tal a rapidez com que eram debitados. Eram as partes referentes aos trechos das peças de Shakespeare. Como poderá um espectador avaliar a riqueza literária dos diálogos shakespearianos ou o anacronismo da sua linguagem, se não percebe o que ouve, tal a velocidade e desleixo com que são ditas? Por momentos ainda pensei que fosse uma questão de gestão do tempo de representação, mas não! A peça demorou cerca de duas horas e houve momentos em que foi penoso o passar dos minutos. Por outro lado, “sobraram” dezenas de minutos para fazer pequenas brincadeiras cénicas com o público, como se estivessem todos ali a matar o tempo. Não me parece que foi para isso que o público comprou bilhete.

No final da peça, quando descia, desconsolado, as escadarias do velho teatro portuense, ouvi um curto diálogo entre um casal que mostravam ironicamente o seu desagrado com aquilo que viram. Pouco minutos antes, o público presente tinha despedido atores e encenador com vigorosos aplausos. Riram, interagiram, passaram um bom bocado, mas acho que riscaram para sempre Shakespeare das suas prioridades literárias.
Gabriel Vilas Boas

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