A
semana passada ficou marcada pela notícia dos vários galardoados com o Prémio
Nobel, obtendo especial destaque os distinguidos com o Nobel da Paz. Foquei o
tema e alguns comentários aludiram ao facto do Nobel da Paz ter arrepiado
caminho e fugido das sempre polémicas nomeações políticas. No entanto, por vezes,
a política presenteia o mundo com líderes que marcam a História dos povos com
um legado de paz. Foi o caso de Mikhail Gorbatchev, a quem foi atribuído o
Nobel da Paz em 1991.
Os ocidentais admiram o ex-líder
soviético pelo seu contributo para o fim da Guerra Fria enquanto os russos
ainda o olham com uma espécie de rancor pelo modo como fez colapsar o império
soviético.
Há
poucos anos Putin respondeu agrestemente à sugestão de Gorbatchev de abandono
do poder, referindo que Gorbatchev já tinha destruído um país (URSS) e não
devia pedir a demissão de quem salvou outro (Rússia) do mesmo destino. Nem
Putin nem Gorbatchev me surpreenderam. Só me espantou que o último líder
soviético da história tenha feito um pedido tão retórico a Putin.
Gorbatchev
não terminou com o comunismo nem com a União Soviética, por muito que isso custe
a Putin. O comunismo era a carapaça ideológica dum poder totalitário e ninguém
o queria, como se provou rapidamente nos últimos anos do século XX. Os
soviéticos também não queriam ser soviéticos, mas antes bielorrussos, ucranianos,
russos ou azeris. Do mesmo modo que os alemães de leste, os checos, os
búlgaros, os polacos, os letões, os lituanos ou os estónios dispensavam bem a
proteção das forças do Pacto de Varsóvia. Cada um queria escolher o seu destino
e o seu caminho.
Gorbatchev
não tinha força para impor revoluções nem tempo para ser o herói incontroverso,
mas podia abrir o dique e deixar correr a água da liberdade no leste europeu. Com
a Glasnost e com a Perestroika abriu o sistema político e insuflou os ventos da
economia de mercado pela Rússia. Essa “coisa” de que Putin se aproveita para
mandar e desmandar na Rússia à maneira dum Napoleão da era moderna.
Gorbatchev
trouxe a paz à Europa; fez regressar os russos do Afeganistão, esse Vietname do
leste...; devolveu aos povos vizinhos o direito a serem nações de pleno direito;
permitiu que as benditas repúblicas soviéticas dissessem o que queriam ser e
elas antes quiseram ser pobres que russas. Em suma, um homem imbuído de espírito democrata inserido na mais poderosa ditadura do seu tempo e a quem coube iniciar a sua desconstrução.
Gorbatchev
devia gostar de Sinatra. Hoje, quando olhar para o seu percurso de vida, verá
um rasto de paz, liberdade, transparência, onde outros se deitaram e alguns se
aproveitaram. Não importa, ele fez a “coisa” à sua maneira e viveu a vida plenamente, como cidadão do mundo que pensa em primeiro lugar na humanidade. Afinal
de contas, era o mundo que ele tinha na sua cabeça e não aquela Rússia
imperialista que Putin personifica tão bem. Talvez por isso ela tenha libertado todos, exceto os russos. Eles eram os carcereiros…
Gabriel Vilas Boas
Ou não
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