A República Popular da China chegou ontem aos 65 anos de
idade. Está a entrar na idade da reforma, apesar da sua relevância no mundo ser
imensa.
“Imensidão” é um termo muito adequado a este país
asiático. A população é incomensurável, o território parece monstruoso, a
população tornou-se incomensurável, o poder económico é enorme e a importância
política inultrapassável.
Certo dia Napoleão disse, a propósito da China, que era
um monstro adormecido, o qual não convinha acordar. Esta afirmação conduz-nos a
outra imagem que este país asiático projeta: medo. Ensinaram-nos que esse medo
tinha um nome: comunismo.
É uma ideia muito americana atribuir ao comunismo a causa
de todos os males passados e futuros, numa bem conseguida tentativa de
diabolização dessa ideologia política. No entanto, um olhar mais atento sobre
esta China popular e "democrática", que agora chega à
idade oficial de reforma, permite concluir que ela só é comunista de nome.
O país que Mao Tsé-Tung idealizou após 1950 já tem pouco
que ver com aquela China que hoje conhecemos. Mao planeou e conseguiu dobrar a
população; projetou e falhou a industrialização do país; quis “educar” o seu
povo através daquele livrinho vermelho, mas boicotaram-lhe o intento
sorrateiramente.
Deng Xiaoping, aquele que mandava tudo de facto e quase
nada de direito, criou o muito conveniente “país de dois sistemas”, que
permitiu à China ter uma economia de mercado e uma política de partido único. Acho
que o fez mais por conveniência, para manter o povo sob o domínio duma elite
dirigente restrita, do que por convicção comunista.
Lenta e pacientemente, os chineses foram tornando-se um
portento económico, importando soluções (técnicos, now how, materiais de
qualidade) e exportando problemas em forma de gente que já não cabia no país
imenso. Ao mesmo tempo que, controladamente, alargavam a riqueza e o bem estar
duma minoria cada vez mais significativa, desanuviavam a demografia asfixiante
e suavizavam a imagem negativa que o primeiro mundo tinha do chinês comunista.
Ressentidos com a URSS desde os primórdios da guerra
fria, adotaram uma política externa de equidistância em relação aos EUA e à
Rússia. O negócio da China era crescer em ditadura.
Prepararam-se para a globalização melhor do que todos
aqueles que a criaram e a desejaram com cupidez, pensando no enorme mercado
chinês. Todavia, quando os americanos chegaram à China, já os chineses tinham
enxameado as cidades europeias de lojas e produtos chineses.
E nesse processo jamais o mundo ocidental conseguiu impor
a qualquer governo de Pequim uma minúscula ideia de democracia, direitos
humanos, liberdade de imprensa ou de expressão. Foram eles que fizeram o
verdadeiro negócio da China.
Entretanto a elite intelectual de Paris, Londres e
Washington lá continua a dizer que a culpa é do comunismo. A China é governada por um
regime totalitário, antidemocrático, que usa a força militar contra os seus e
controla o seu povo ao mais ínfimo pormenor. O governo chinês restringe o
acesso à informação, prende, tortura e mata. Se for preciso, reescreve a
História. Tudo isto é verdade, mas dizer que tudo isto se deve ao comunismo é
desconhecer Hitler, Mussolini, Pinochet e gostar de contar “histórias de
adormecer” a quem pensa pouco pela própria cabeça.
O governo chinês não faz especial questão que o seu povo
pense vermelho made in Mao. Economicamente, a
China está nos antípodas do comunismo, que também era uma visão económica do
mundo. Desde que os deixem mandar e desmandar a seu belo prazer, os dirigentes
de Pequim importam-se pouco que os achem comunistas, oportunistas ou chantagistas.
Se ser chinês comunista aumenta a aura de monstro implacável e aterrorizador,
tanto melhor.
Quanto aos europeus e americanos, esta situação é-lhes também
muito conveniente. Assim como assim, o comunismo sempre foi o papão que
justificou quase tudo perante a opinião pública ocidental. Além do mais, é bem
mais fácil negociar com um governo totalitário que gosta de dinheiro do que
submeter-se ao escrutínio duma opinião pública muito diversa e imensa.
A República Popular da China fez ontem 65 anos. Precisa
de reformar-se, reformando a sua classe dirigente, afastando para bem longe
esses tiques tão humanos como a ganância, a prepotência e a sede desmesurada de
poder. Mas desde já fica o aviso, a liberdade e a democracia ocidentais não são
o céu que imaginam e também elas precisam duma reforma urgente. Era bom que a
China tivesse a sabedoria de nos surpreender…
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário