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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A CHINA ENTROU NA IDADE DA REFORMA


A República Popular da China chegou ontem aos 65 anos de idade. Está a entrar na idade da reforma, apesar da sua relevância no mundo ser imensa.
“Imensidão” é um termo muito adequado a este país asiático. A população é incomensurável, o território parece monstruoso, a população tornou-se incomensurável, o poder económico é enorme e a importância política inultrapassável.
Certo dia Napoleão disse, a propósito da China, que era um monstro adormecido, o qual não convinha acordar. Esta afirmação conduz-nos a outra imagem que este país asiático projeta: medo. Ensinaram-nos que esse medo tinha um nome: comunismo.

É uma ideia muito americana atribuir ao comunismo a causa de todos os males passados e futuros, numa bem conseguida tentativa de diabolização dessa ideologia política. No entanto, um olhar mais atento sobre esta China popular e "democrática", que agora chega à idade oficial de reforma, permite concluir que ela só  é comunista de nome.
O país que Mao Tsé-Tung idealizou após 1950 já tem pouco que ver com aquela China que hoje conhecemos. Mao planeou e conseguiu dobrar a população; projetou e falhou a industrialização do país; quis “educar” o seu povo através daquele livrinho vermelho, mas boicotaram-lhe o intento sorrateiramente.
Deng Xiaoping, aquele que mandava tudo de facto e quase nada de direito, criou o muito conveniente “país de dois sistemas”, que permitiu à China ter uma economia de mercado e uma política de partido único. Acho que o fez mais por conveniência, para manter o povo sob o domínio duma elite dirigente restrita, do que por convicção comunista.  
Lenta e pacientemente, os chineses foram tornando-se um portento económico, importando soluções (técnicos, now how, materiais de qualidade) e exportando problemas em forma de gente que já não cabia no país imenso. Ao mesmo tempo que, controladamente, alargavam a riqueza e o bem estar duma minoria cada vez mais significativa, desanuviavam a demografia asfixiante e suavizavam a imagem negativa que o primeiro mundo tinha do chinês comunista.
Ressentidos com a URSS desde os primórdios da guerra fria, adotaram uma política externa de equidistância em relação aos EUA e à Rússia. O negócio da China era crescer em ditadura.
Prepararam-se para a globalização melhor do que todos aqueles que a criaram e a desejaram com cupidez, pensando no enorme mercado chinês. Todavia, quando os americanos chegaram à China, já os chineses tinham enxameado as cidades europeias de lojas e produtos chineses.
E nesse processo jamais o mundo ocidental conseguiu impor a qualquer governo de Pequim uma minúscula ideia de democracia, direitos humanos, liberdade de imprensa ou de expressão. Foram eles que fizeram o verdadeiro negócio da China.

Entretanto a elite intelectual de Paris, Londres e Washington lá continua a dizer que a culpa é do comunismo. A China é governada por um regime totalitário, antidemocrático, que usa a força militar contra os seus e controla o seu povo ao mais ínfimo pormenor. O governo chinês restringe o acesso à informação, prende, tortura e mata. Se for preciso, reescreve a História. Tudo isto é verdade, mas dizer que tudo isto se deve ao comunismo é desconhecer Hitler, Mussolini, Pinochet e gostar de contar “histórias de adormecer” a quem pensa pouco pela própria cabeça.
O governo chinês não faz especial questão que o seu povo pense vermelho made in Mao. Economicamente, a China está nos antípodas do comunismo, que também era uma visão económica do mundo. Desde que os deixem mandar e desmandar a seu belo prazer, os dirigentes de Pequim importam-se pouco que os achem comunistas, oportunistas ou chantagistas. Se ser chinês comunista aumenta a aura de monstro implacável e aterrorizador, tanto melhor.

Quanto aos europeus e americanos, esta situação é-lhes também muito conveniente. Assim como assim, o comunismo sempre foi o papão que justificou quase tudo perante a opinião pública ocidental. Além do mais, é bem mais fácil negociar com um governo totalitário que gosta de dinheiro do que submeter-se ao escrutínio duma opinião pública muito diversa e imensa.
A República Popular da China fez ontem 65 anos. Precisa de reformar-se, reformando a sua classe dirigente, afastando para bem longe esses tiques tão humanos como a ganância, a prepotência e a sede desmesurada de poder. Mas desde já fica o aviso, a liberdade e a democracia ocidentais não são o céu que imaginam e também elas precisam duma reforma urgente. Era bom que a China tivesse a sabedoria de nos surpreender…

Gabriel Vilas Boas

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