"É preciso dizer PARA SEMPRE em vez de dizer AGORA"
Mário Cesariny
Sem título, acrílico sobre platex,1969
Mário Cesariny, nome grande do Surrealismo português, haveria de nascer em Lisboa a 9 de agosto de 1923, cidade onde a Morte também o procurou a 26 de novembro de 2006. Privados assim que fomos da sua presença física, a sua obra continua a falar por si de forma poética e ao mesmo tempo revolucionária, como também o foi o próprio movimento surrealista que ele abraçou.
Sala de Exposições Temporárias
Exposição Mário Cesariny, 2014
Cursa apenas o primeiro ano de Arquitetura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e é a partir de 1942 que produz as suas primeiras obras. É também desta altura a sua aproximação pouco duradoura ao Neo-Realismo.
Em 1947, enceta viagem a Paris para estudar na Academia de La Grande Chaumiére, altura em que o Surrealismo se reorganizava naquela cidade, o que lhe permite, absolument pas par hasard, o encontro com André Breton, Victor Brauner e Henri Pastoureau, nomes charneira do Surrealismo francês.
Em 1948, cria o grupo “Os Surrealistas” de Lisboa, onde, para além de Mário Cesariny, figuram nomes como o de António Maria Lisboa, Cruzeiro Seixas, Henrique Risques Pereira e Pedro Oom, entre outros.
A primeira exposição do grupo “Os Surrealistas”, acontece em 1949,na Sala de Projeções da Pathé-Baby, Lisboa, e a sua primeira exposição individual ocorre na casa de Herberto de Aguiar, no Porto, em 1951,ano a partir do qual se destaca e distingue como criador de uma das obras literárias mais complexas do seu tempo. Mais tarde, aproxima-se de Pascoaes e da sua obra, num abandono de Pessoa, e Amarante passa a ser o espaço incontornável de encontro com a família do Poeta amarantino.
Desde 27 de setembro que o MMASC tem patente na sua Sala de Exposições Temporárias boa parte da obra de Cesariny, que eu vos convido hoje a visitar. Amarante é sem dúvida o local de eleição para mais uma Exposição do artista, porque Amarante foi sempre para ele um espaço de afeição. Convidado assíduo da Casa de Pascoaes, amigo de João e Amélia Vasconcelos, com eles se correspondeu sempre e, por isso mesmo, não resisto hoje a transcrever um excerto de uma das suas epístolas, (onde fala do seu arrebatamento súbito pelo noir-blanc ), extraída da edição de António Cândido Franco, publicada pela Documenta, Fundação Cupertino de Miranda:
Mário Cesariny e João Vasconcelos, Capa do Livro editado pela Documenta
Fundação Cupertino de Miranda
“…há mais ou menos seis anos, dando-me o desgosto da cor, fiz uma série noir-blanc. Pareceu-me e parece-me ainda, que o trabalho mais desvelado do pintor é fazer com que as cores não pareçam o que realmente são (tintas, drogaria). Todo o quadro que não pareça uma drogaria é já, só por isso, uma obra- prima.(…) Estou disposto a continuar, essa série, agora em acrílico. (Continuo a não querer o óleo, matéria sobremodo capitalista de tempo e de dinheiro, duas categorias da morte).
(Um quadro eterno! Diga-me se haverá propósito mais fútil-e mais horrendo? O acrílico, dizia, material que promete deteriorar-se mais naturalmente. Mas gostava de ter alguma companhia, a sua. Lembremos:
“a luz(é cada vez) mais clara
A treva(cada vez)mais negra”
Abraça-o o Cesariny
(E porque não, se houvesse, fazermos depois uma exposição de homenagem a Teixeira de Pascoaes?!!!)
Um abraço para a Maria Amélia e a todos vós."
De Cesariny, sabemos que foi sobretudo Surrealista. Este movimento literário e artístico envolveu não só a pintura, mas também a escultura, a fotografia e o cinema, vindo até a influenciar a moda e a publicidade. Pensado e estruturado entre as duas Grandes Guerras do séc. XX, é André Breton que lhe dá corpo, através do Manifesto escrito em 1924.
Como reação ao absurdo que foi a Primeira Guerra e ao caos que se lhe seguiu, renegam toda a cultura europeia, contestando a ordem política, social e cultural estabelecida. Buscam temáticas oníricas e fantasiosas, a subversão do real através de um processo criativo semiconsciente e dominado por automatismos psíquicos .Em suma, desmistificar e subverter a realidade atingindo assim o surreal.
E como tão bem disse António Cardoso, ”O Surrealismo e as suas poéticas supõem, afinal, a herança freudiana, com a ênfase do irracional, a implícita sexualidade ou as “questões de género”, a liberdade como ética, o humor e a ambiguidade, as técnicas instrumentais (automatismos, colagens, o “cadavre exquis”), com diversos autores ou participantes, entre o jogo verbal e o da imagem.”
Partam então à descoberta deste movimento artístico internacional e igualmente tão português. É já ali, a um passo de boa vontade, no nosso Museu Amadeo de Souza-Cardoso.
Entretanto, espreitem o documentário Autografia, sobre Cesariny, muito bem conseguido por Miguel Gonçalves Mendes. Aqui, o artista lembra o poeta que havia afirmado que só havia três maneiras de se viver neste mundo: ou bêbado, ou apaixonado ou poeta. E remata: “Isto é muito lindo.” Pois é! então, encantem-se.
Rosa Maria Alves da Fonseca
Sem comentários:
Enviar um comentário