Qualquer regime totalitário que se preze tem sempre um pouco de narcisismo e quer deixar a sua marca para a posteridade. A arquitetura é o veículo predileto dos ditadores para mostrar às gerações futura a falsa grandiosidade dum regime, que julga ser possível resgatar nas pedras o que perdeu na alma do povo. Foi assim com Hitler, Mussolini, Estaline e também com Oliveira Salazar.
Normalmente, este tipo de regime promove a construção de edifícios públicos grandiosos, seguindo a estética da monumentalidade. Este tipo de arquitetura caracteriza-se por um estilo hiper-realista, onde predominam as linhas retas e homogéneas, a simulação do movimento e as proporções monumentais. Este tipo de arquitetura valoriza muito o esforço físico e o trabalho braçal. É curioso pensar que o mesmo já acontecia no Egito dos Faraós e no Império Romano.
Tal como acontecera em Itália e na Alemanha, também no Portugal do Dr. Salazar predomina a estética do culto do herói e a tentativa de moldar o coletivo a uma ideia pré-definida de pátria. Por isso, o desporto era muito valorizado, pois pensava-se que era a melhor forma de incutir nos jovens a disciplina e fortalecer a identidade nacional. Exemplo claro deste tipo de pensamento é a construção do Estádio Nacional, no vale do Jamor, nos arredores de Lisboa, onde ainda hoje se realiza a final da Taça de Portugal de futebol e, no passado, a Seleção Nacional disputava muitos dos seus jogos internacionais.
Inaugurado em 10 de junho de 1944, por Salazar, o estádio tem capacidade para 37500 pessoas e foi criado para a prática desportiva assim como para demonstrações públicas inspiradas nos princípios políticos vigentes. As linhas arquitetónicas do projeto foram fortemente influenciadas pelo Estádio Olímpico de Berlim, na Alemanha, criado para os jogos olímpicos de 1936.
Além do Estádio Nacional, o Estado Novo deixou profundamente a sua marca quer em Lisboa quer em Coimbra. Na cidade dos estudantes, o regime salazarista promoveu a construção da parte nova da cidade universitária de Coimbra e o parque temático Portugal dos Pequenitos, criado para mostrar aspetos do património português no país e no mundo. Criada entre 1941 e 1975, a Cidade Universitária de Coimbra é considerada uma das mais significativas intervenções urbanísticas do regime salazarista.
Na capital, destacam-se o Padrão dos Descobrimentos e o Museu de Arte Popular. O primeiro é hoje um símbolo do país e não dum regime e recebe anualmente mais de 200 mil visitantes. Por Lisboa, encontramos ainda outros edifícios onde a estética monumental do Estado Novo predomina: o cinema Capitólio (inaugurado em 1931), os edifícios do Parque Mayer ou o Bairro de Alvalade.
Apesar da relevância de todas as obras referidas anteriormente, aquela que mais intimamente ficou ligada ao ditador português foi a "Ponte 25 de abril” ou “Ponte Salazar” ou ainda mais prosaicamente “Ponte sobre o Tejo”. Salazar concretizou em 6 de agosto de 1966, uma ideia com quase 100 anos. A obra foi adjudicada aos americanos da Steinman, Boynton, Gronquist & London que em 1935 já tinham apresentado um projeto. A obra foi executada com a intervenção do Gabinete da Ponte sobre o Tejo e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Mesmo com a construção da Ponte Vasco da Gama, a "Ponte 25 de Abril" continua a concitar a preferência dos lisboetas e almadenses que a passam mais de 130 mil vezes por dia.
O resto do país teve as suas migalhas arquitetónicas de Estado Novo, porque todos sabemos quanto Oliveira Salazar era poupadinho. E por isso os edifícios dos tribunais são a mais eloquente demonstração do regime ditatorial português, na província, como se gostava de dizer e escrever naquela altura.
Gabriel Vilas Boas
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