“Algo
que eu posso aprender com as crianças é a transparência. Elas são inocentes,
diretas e não têm preconceitos.” Kailash Satyarthi
Este
ano, o Comité Nobel norueguês atribui o mais importante dos prémios Nobel à
jovem paquistanesa Malala Yousafzai e ao indiano Kailash Satyarthi, invocando
a luta de ambos "contra a discriminação de crianças e jovens e pelo direito
destes à educação”.
Foi
uma atribuição justa e bonita, quase poética. Desde logo pelo mérito dos
laureados, depois, porque conseguiu a virtude de unir um indiano e uma
paquistanesa, uma adolescente e um homem maduro. Simbolicamente, o prémio deste
ano une gerações, aproxima povos desavindos e reafirma a inclinação do Comité do
Nobel por personalidades que dedicam a sua vida ao ativismo cívico.
Malala
é a paquistanesa que, aos doze anos, teve a coragem de denunciar os tenebrosos
planos do regime talibã para as raparigas da sua região, que passavam por lhes vedar o acesso à escola. A denúncia pública e mundial desta retrógrada e
indigna ideologia quase lhe custava a vida há dois anos. Internada à pressa num
hospital de Birmingham, Malala salvou-se in extremis e tem prosseguido a sua
luta pelo direito de muitas raparigas que em todo o mundo lhes vêem negado o
direito à educação mais básica. A mais jovem vencedora do Nobel da Paz tem
aproveitado o interesse mediático à sua volta para lembrar a todos que ainda há
muitos milhões de crianças que não têm direito a um livro, uma caneta ou um
professor. O seu famoso discurso nas Nações Unidas, no dia em que completou dezasseis
anos, fez tanto lembrar Nelson Mandela.
“Vamos
pegar nas nossas canetas e nos livros. Elas são as nossas armas mais poderosas.
Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo. A
educação é a única solução.”
Já
o pouco mediático Kailash Satyarthi tem uma vida inteira dedicada às crianças,
impedindo que muitas delas caiam no tráfico ou nas garras do trabalho infantil.
Ao
longo de mais de três décadas desenvolveu um trabalho extraordinário, através do
movimento Bachpan Bachao Andolon (BBA), que em inglês será algo como “Save the
Childhood”, criou mais de 350 aldeias-modelo, em 11 estados da Índia, onde as
crianças vão à escola todos os dias e participam no governo da aldeia, através
do debate de temas cívicos ou movimentos juvenis. Nestas aldeias, há a garantia
que as crianças estão protegidas do trabalho infantil.
Satyarthi
tem lutado muito para que as crianças do seu país estejam na escola até aos 14
anos de forma gratuita e usufruindo dum escola pública e de qualidade. Esta
luta não tem sido nada fácil, até porque muitas escolas indianas não têm as infraestruturas
adequadas a raparigas adolescentes e por causa disso muitas desistem de
estudar. Mesmo assim este ativista indiana não desistiu e procurou pela ação e
pelo protesto “salvar” mais crianças 85.000 crianças do tempo e da circunstância em que
nasceram.
Satyarthi
diz, e bem, que “A pobreza não é desculpa para a exploração infantil”. A esta
ideia acrescenta outra com a qual também estou totalmente de acordo “Eu sou
amigo das crianças. Não penso que ninguém as deva ver como objeto de pena ou
caridade.”
O
direito das crianças à educação é antes de mais um direito humano. A atenção e
o esforço que fazemos para que ele seja dado às crianças não é um especial
favor que lhes fazemos, porque elas, “coitadinhas”, são pequenas, pobres e indefesas.
Fazemo-lo porque elas têm direito a isso. E esse direito não é, não pode ser,
relativo. Se um país tem possibilidades económicas deve proporcionar aos seus
cidadãos o mais alto nível de qualificações possível ao mais baixo custo,
porque, como diz Malala, “a educação é a única solução”.
A
paz de muitos milhões de crianças começa na garantia duma escola, dum professor, dum livro. A paz, a prosperidade e a liberdade do mundo, na próxima década,
construir-se-ão com as crianças que puderam ser crianças.
Gabriel Vilas Boas
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