“Das
coisas mais escuras que o ar, será de menor obscuridade a que estiver mais
afastada; das coisas mais claras que o ar, será de menor brancura a que estiver
mais afastada da vista.”
Leonardo da Vinci
Leonardo da Vinci, A Virgem, o Menino e Santa Ana, óleo s/madeira, Museu do Louvre
Leonardo dispensa apresentações. Nascido em
Vinci, a 15 de abril de 1452, fruto de uma relação ilegítima que não impediu que
recebesse uma educação esmerada no seio da família paterna, à boa maneira da
burguesia toscana da época, aprofunda aí as suas capacidades intelectuais em
distintas áreas como a literatura, a música e as artes figurativas,
transformando-se rapidamente num verdadeiro humanista.
O século XV não havia ainda terminado e já
Leonardo escrevera grande parte do seu tratado, um verdadeiro programa da arte
do séc. XVI. Entre muitas outras coisas, aí afirma que o pintor deve ser
universal e que não lhe pode bastar o conhecimento da forma humana pois todos
os aspetos da natureza devem ser por ele conhecidos: "… as neblinas, as chuvas, o
pó, os fumos, a transparência das águas e as estrelas do céu.”.
Leonardo vai assim distinguir três espécies
de perspetiva “de linha, de cor, de execução”. É observando a natureza, como
investigador da física atmosférica em atenção permanente das alterações da cor
e da nitidez das formas vistas à distância que ele vai chegar à gradação da
luz, em sfumatos nunca pensados e
admiráveis pela grande beleza estética e precisão científica.
Isso mesmo podemos ver na obra A Virgem, o Menino e Santa Ana, onde
Leonardo evidencia o seu gosto pela paisagem e por representar nas suas
pinturas “…névoas, águas transparentes e montanhas distantes.”
Leonardo percebe ao observar a natureza que
as sombras não são negras, mas sim azuis. Reconhece que o amarelo e o vermelho
se valorizam com a luz enquanto o verde e o azul atingem, segundo ele, o seu
valor máximo à sombra. Como os franceses, descobre o “valeur
de la couleur". Mas Leonardo não ama a cor. Continua a privilegiar a
natureza humana que coloca na atmosfera, que imagina na atmosfera…Leonardo ama
a sombra, como refere diversas vezes:
“Presta atenção quando caminhares pela
estrada ao cair da noite, ao rosto de homens e mulheres; mesmo quando está mau
tempo, quanta graça e doçura neles se reflete…a luz é demasiado crua, o
demasiado escuro não deixa ver, o meio termo é bom.”
Leonardo da Vinci, A Virgem dos Rochedos,
óleo s/madeira, Museu do Louvre
Como podemos ver na sua obra A Virgem dos Rochedos, que me deliciou
numa das minhas últimas visitas ao Louvre, Leonardo faz uma declaração de amor
à sombra que tanto lhe apraz, numa mística delicada plena de sensibilidade e
harmonia. Esta ligeira bruma confere uma intimidade quase onírica ao cenário
que envolve as personagens.
Leonardo da Vinci, La Gioconda, óleo s/madeira, Museu do Louvre
Mas a delicadeza maior do sfumato por ele conseguido está em La
Gioconda. As camadas em transparência de tinta são de uma suavidade que nos
toca e fascina. Fascinante o sorriso, a lembrar o sorriso arcaico tão ao gosto
da Grécia Antiga. Intrigante o ideal de beleza projetado, curiosa a ausência de
traços marcantes de personalidade. E o olhar. Esse permanece envolto em
gradação de mistério; para mim, foi sempre um olhar despido, frio de
sentimentos. Incomodou-me sempre. Leonardo que me perdoe.
Rosa Maria Alves da Fonseca
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