A literatura portuguesa é
conhecida pelos seus poetas, pelos seus romancistas ou contistas, mas pouco
pelos seus dramaturgos. Apesar de Gil Vicente ou Almeida
Garrett, a dramaturgia tradicional é pouco expressiva e muito menos conhecida.
No entanto, o século XX produziu um excelente dramaturgo – Bernardo Santareno.
Bernardo Santareno não é outro
senão o médico e escalabitano António Martinho do Rosário, que dedicou cerca de
metade da sua vida à escrita. Curiosamente, não se iniciou pelo drama. Seguindo
a tradição nacional, começou por publicar poemas e depois romances, mas após
três anos de escrita errante, rendeu-se ao modo literário que consagrou o
mestre Gil. Durante vinte e cinco anos, publicou várias peças, entre as quais
ganha especial destaque O Judeu, que chegou a ser objeto de estudo pelos
alunos de 12º ano.
A obra dramática de Bernardo
Santareno reflete as suas vivências enquanto médico, as suas experiências numa
expedição de bacalhoeiros ao Mar do Norte, a luta pessoal que travou contra a
discriminação política, moral, social e sexual de que foi alvo (Bernardo era um
assumido homossexual). Bernardo Santareno era um homem
de esquerda, que lutou contra o longo inverno totalitário, que constituiu o
Estado Novo de Oliveira Salazar, durante quatro décadas.
Com o célebre O Judeu (
1966), o escritor santareno
inicia um segunda fase da sua obra de que também fazem parte textos relevantes
como: A Traição do Padre Martinho, Os Marginais e a Revolução, onde o
mais importante dramaturgo do século XX assume um papel mais ativo na procura
da queda do regime fascista e tenta intervir ativamente na transformação social
em curso com a Revolução de Abril.
O Judeu, a sua peça mais
conhecida e emblemática é profundamente icónica e metafórica.
Organizada em três atos, retrata
a via-sacra do dramaturgo setecentista António José da Silva, que pagou com a
própria vida, o facto de ser judeu e de gostar de escrever peças satíricas que
muito incomodavam a velha igreja ortodoxa, em 1739, numa fogueira
inquisitorial.
No final da peça, a personagem Cavaleiro de Oliveira (uma espécie de coro
grego na sua função de narrador-comentador) grita “iluminai o povo de
Portugal”.
Portugal atingiu a democracia, a liberdade e a tolerância mas continua a
precisar (e muito) que lhe iluminem o caminho. E descobrir a obra dramática de
Bernardo Santareno é um bom começo.
Gabriel Vilas Boas
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