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terça-feira, 30 de setembro de 2014

BERNARDO SANTARENO



                A literatura portuguesa é conhecida pelos seus poetas, pelos seus romancistas ou contistas, mas pouco pelos seus dramaturgos. Apesar de Gil Vicente ou Almeida Garrett, a dramaturgia tradicional é pouco expressiva e muito menos conhecida. No entanto, o século XX produziu um excelente dramaturgo – Bernardo Santareno.
                Bernardo Santareno não é outro senão o médico e escalabitano António Martinho do Rosário, que dedicou cerca de metade da sua vida à escrita. Curiosamente, não se iniciou pelo drama. Seguindo a tradição nacional, começou por publicar poemas e depois romances, mas após três anos de escrita errante, rendeu-se ao modo literário que consagrou o mestre Gil. Durante vinte e cinco anos, publicou várias peças, entre as quais ganha especial destaque O Judeu, que chegou a ser objeto de estudo pelos alunos de 12º ano.
          A obra dramática de Bernardo Santareno reflete as suas vivências enquanto médico, as suas experiências numa expedição de bacalhoeiros ao Mar do Norte, a luta pessoal que travou contra a discriminação política, moral, social e sexual de que foi alvo (Bernardo era um assumido homossexual). Bernardo Santareno era um homem de esquerda, que lutou contra o longo inverno totalitário, que constituiu o Estado Novo de Oliveira Salazar, durante quatro décadas.
           
     Na sua obra podemos vislumbrar claramente dois períodos. O primeiro, entre 1957 e 1965, mostra um escritor apostado em defender o direito à diferença, à dignidade humana perante todas as formas de opressão e preconceito moral e social. São deste tempo obras como: A Promessa, O Bailarino, A Excomungada, O Lugre, O Crime da Aldeia Velha.
    Com o célebre O Judeu ( 1966), o escritor       santareno inicia um segunda fase da sua obra de que também fazem parte textos relevantes como: A Traição do Padre Martinho, Os Marginais e a Revolução, onde o mais importante dramaturgo do século XX assume um papel mais ativo na procura da queda do regime fascista e tenta intervir ativamente na transformação social em curso com a Revolução de Abril.
  O Judeu, a sua peça mais conhecida e emblemática é profundamente icónica e metafórica.
    Organizada em três atos, retrata a via-sacra do dramaturgo setecentista António José da Silva, que pagou com a própria vida, o facto de ser judeu e de gostar de escrever peças satíricas que muito incomodavam a velha igreja ortodoxa, em 1739, numa fogueira inquisitorial.
               
Com esta peça, Bernardo Santareno pretendia mostrar a proximidade entre os valores e as crenças dos tempos dos autos de fé e os tempos do Estado Novo. Há mesmo semelhanças linguísticas e físicas entre o ditador Oliveira Salazar e algumas personagens de O Judeu como o Inquisidor-Mor. Na peça de Bernardo Santareno podemos observar a referência à PIDE através do Estudante Pálido. Quando este olha de uma forma cruel e impressiva para António José da Silva a comparação entre o terror da repressão salazarista e a inquisição é por demais evidente.
No final da peça, a personagem Cavaleiro de Oliveira (uma espécie de coro grego na sua função de narrador-comentador) grita “iluminai o povo de Portugal”.
Portugal atingiu a democracia, a liberdade e a tolerância mas continua a precisar (e muito) que lhe iluminem o caminho. E descobrir a obra dramática de Bernardo Santareno é um bom começo.

Gabriel Vilas Boas    

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