Ouvi pela primeira vez falar de Agostinho Neto pela voz do meu pai, quando ainda criança me falou fugazmente de Angola, da guerra a que felizmente sobreviveu e do direito dos povos africanos à autodeterminação. Singelamente, o meu pai explicou-me e ensinou-me que todos os povos com identidade cultural, uma língua, uma terra têm direito a escolher o seu futuro, especialmente quando isso significa ser livre para escolher quem os deve governar e a forma como isso deve acontecer.
Ainda hoje recordo a generosidade do pensamento do meu pai, um homem que foi obrigado a lutar contra aqueles a quem reconhecia o direito a escolher outro caminho que não o dele. Começou aí a minha simpatia com aqueles povos que outrora foram portugueses, mas que quiseram escolher outro caminho, mais genuinamente seu.
Regresso a Agostinho Neto que então me foi apresentado sucintamente como o Primeiro Presidente de Angola. Com o tempo, fui estudando a sua biografia…
O começo é encantador. Estudante angolano em Lisboa, apreciador da liberdade em país de ditadura, sonhou para os seus uma vida livre do jugo do colonialismo. Médico e poeta, rapidamente passou à atividade política. Esteve na génese do MPLA. Com a ajuda de muitos angolanos levou o país à independência e o MPLA ao poder. Pessoalmente, atingiu o auge ao tornar-se o Primeiro Presidente angolano, com pouco mais de cinquenta anos.
No entanto, quando subiu ao poder, Agostinho Neto esqueceu a poesia que aqueceu o seu coração nos anos difíceis da luta. Soam a falso aqueles famosos versos: “Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós."
Agostinho Neto impôs aos seus camaradas de Partido a via soviética no que isso tinha de pior. Partido Único, repressão sangrenta de todos aqueles que se lhe opunham, mesmo dentro do MPLA, naquilo a que se chamou Fraccionismo. Seguiram-se perseguições, mortes, ditadura.
Nada desilude mais quando acabamos por fazer tudo aquilo contra o qual lutámos uma vida. E nisso Agostinho Neto desiludiu os seus e marcou um estilo de divisionismo na sociedade angolana que ainda hoje perdura.
Agostinho Neto com os pais e irmãos
Ainda há dois anos, o escritor José Eduardo Agualusa lembrava a propósito de Agostinho Neto que “Agostinho Neto deixou atrás de si um país em chamas. Não era só Angola que vivia uma guerra civil. O MPLA também. Na cadeia de São Paulo, em Luanda, e em campos de concentração espalhados por diversos pontos do território angolano, antigos militantes e dirigentes do MPLA, que se haviam oposto à liderança de Agostinho Neto - dos simpatizantes de Nito Alves aos intelectuais da Revolta Activa -, partilhavam celas e desditas com os jovens da Organização Comunista de Angola, OCA, com mercenários portugueses, ingleses e americanos, militares congoleses e sul-africanos, e gente da UNITA e da FNLA.”
O grande herói não é aquele que conduz o povo até à liberdade ou até ao topo, mas sim aquele que o mantém longos anos no cimo da montanha, desfrutando calmamente das vitórias alcançadas, e sabe retirar-se discretamente, pois a missão terminou. Além de Lenine, Agostinho Neto devia ter lido George Washington e dado uma vista de olhos pela biografia de Nuno Álvares Pereira.
Gabriel Vilas Boas
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