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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

AS REGRAS DA SENSATEZ


Nunca voltes ao lugar
Onde já foste feliz
Por muito que o coração diga
Não faças o que ele diz

Nunca mais voltes à casa
Onde ardeste de paixão
Só encontrarás erva rasa
Por entre as lajes do chão

Nada do que por lá vires
Será como no passado
Não queiras reacender
Um lume já apagado

São as regras da sensatez
Vais sair a dizer que desta é de vez

Por grande a tentação
Que te crie a saudade
Não mates a recordação
Que lembra a felicidade

Nunca voltes ao lugar
Onde o arco-íris se pôs
Só encontrarás a cinza
Que dá na garganta nós

São as regras da sensatez
Vais sair a dizer que desta é de vez


   Gosto particularmente da música de Rui Veloso. Ele combina, na perfeição, criação musical e letra, como se aqueles dois corpos tivessem nascido juntos e fossem desde sempre inseparáveis. Isto é tanto admirável quanto sabemos que a letra foi burilada por Carlos Tê e a música pelo grande Rui Veloso. Uma parelha inseparável, tranquila, cheia de sabedoria.
    Hoje escolhi falar desta música porque gosto muito dela, sem conseguir decidir-me qual das duas partes gosto mais.
    Reparo primeiro na letra. Impossível não notar como ela traduz um eixo fundamental na vida de cada um de nós: a sensatez.
    A música que Rui Veloso criou para o texto de Tê é triste. Como se a sensatez fosse a vitória da razão sobre o coração. Há em toda a composição uma frustração assumida, por não se conseguir recuperar as vivências felizes do passado, seja ele feito de pessoas, lugares ou emoções.


   É curioso como Tê capta bem a nossa maneira de viver: olhando sempre para trás com o objetivo de construir o futuro. A melancolia que emana de toda a música é um traço bem português. A saudade, a pena, o desejo de recuperar a idade do ouro, que na verdade não era do ouro enquanto a vivíamos.
   Mais do que a tristeza pela não recuperação desse passado feliz, mais do que a insensatez de querer voltar aonde as réplicas de felicidade serão assintomáticas, lembro-me sempre desta frase – Que burros que fomos por não termos sugado aqueles momentos até ao tutano.
   E a isto se pode acrescentar a falta de coragem para romper com a tristeza, a mágoa, a raiva silenciosa duma felicidade perdida. Como diria Jorge Palma, "há mais mundo para andar e a gente vai continuar". O caminho é construir um presente de que tenhamos saudades no futuro, porque ficar agarrado à saborosa saudade que dói e aconchega é abdicar, é desistir de viver.
   Claro que uma vida absolutamente sensata é uma improbabilidade e poucos a desejam realmente. Há na loucura um prazer rebelde que muitas vezes desejamos abraçar, mas talvez convenha criar uma nova história, noutro lugar, com outros personagens ou até com os mesmos. No entanto, uma nova história. Não apenas porque é de maior bom-senso, mas, especialmente porque é horrível a desilusão.
Gabriel Vilas Boas

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