“Ela é Vénus, a italiana, a filha de
Júpiter, a irmã de Afrodite, a grega. O tocador de órgão dá-lhe lições de
música. Eu chamo-me Amor. Pequenino, suave, rosado e alado, tenho mil anos de
idade e sou casto como uma libélula. O cervo, o pavão real e o veado que se
avistam da janela estão tão vivos como o casal de amantes abraçados que
passeiam à sombra das árvores da alameda. Em contrapartida, o sátiro da fonte
de cuja testa surte água cristalina de um vaso de alabastro, não o está: é um
pedaço de mármore toscano que um hábil artista vindo do Sul da França modelou.”
Mario Vargas Llosa
Prémio Nobel da Literatura em 2010
Vénus com o Amor Ouvindo Música, Tiziano,
Museu do Prado, Madrid
A obra que escolhi para nós pode ser
apreciada no Museu do Prado, em Madrid, e foi um presente de Ticiano para o
Imperador Carlos V, aquando da sua estada em Augsburg.
Nesta pintura a óleo, Ticiano explora as suas
extraordinárias possibilidades, levando-as a um nível completo e temperado,
como podemos apreciar nos reflexos dos tons pastosos, cremosos e luminícos
sempre finamente modelados. Este exemplo de alegoria neoplatónica dos sentidos
foi sendo interpretado de diversos modos, sendo que aqui se exploram sobretudo
a visão e a audição como meios para atingir a beleza e a harmonia. O organista
contempla sem pudor a beleza de Vénus enquanto se sente a música que ele toca
como ninguém, num enlevo de amor protegido pela luz do entardecer. As sedas
ricas e faustosas que envolvem a deusa Vénus, numa indolência preguiçosa e
extasiada pelas notas de música que pairam no ar, deixam a nu uma beleza
idealizada ao tempo, em que as mulheres deveriam ser de forte compleição e
donas de um tom de pele branco e acetinado, de uma alvura imaculada.
As cores de Ticiano estão aqui, quentes e
intensas como o Amor que ele quer representar.
Ao fundo, uma fonte de pedra, fria e morta,
contrasta com um casal vivo e apaixonado que se passeia pela alameda florestal,
rica de fauna variada. É assim conseguida a profundidade tão ao gosto do
Renascimento, pela disposição das árvores em perspetiva.
Esta alegoria integra um conjunto de novas
experiências onde a cor é bem conseguida, difundida na imagem feminina central,
envolvida pela paisagem de fundo. À luz do entardecer na floresta, fundem-se
elementos reais e mitológicos, num hino ao classicismo por quem Ticiano se
deixa enamorar.
Nascido em 1488,em Pieve di Cadore, no seio
de uma família rica e abastada, frequenta desde cedo um atelier de pintura em
Veneza, única e exclusivamente devido à sua grande vocação manifestada desde
cedo.
Marcadamente influenciado pelo grande
Giorgione, demarca-se dele a partir de 1515 e começa a dedicar-se à produção de obras de grandes
dimensões, compondo no espaço cénico formas gigantes e opulentas, em jogos de
luz e de penumbra que nos envolvem em jogos de mistério carregados de
sensualidade.
Puras imagens vivas, ardentes ou serenas.
Apreciar uma obra de Ticiano é uma experiência única. Elas estão muito próximas
de nós e em grande quantidade, no Museu do Prado, Madrid. Neste setembro que
apetece, fica aqui a sugestão de uma viagem a Espanha, em busca de um pintor
italiano que foi dono como ninguém da cor expressiva, clássica e absolutamente
ideal. Porque não?
Rosa Maria Alves da Fonseca
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