Por estes dias, as salas de cinema em Portugal oferecem muito pouco aos apreciadores da sétima arte. A escolha torna-se difícil porque nada parece seduzir o suficiente. Por vezes, esperamos que um filme qualquer nos surpreenda e nos resgate um pouco a alma. Foi o que me aconteceu há dias, quando fui ver “E se eu ficar”, drama realizado por R.J. Cutler, onde Chloë Grace Moretz, Lauren Lee Smith, Mireille Enos e Jamie Blackley assumem os principais papéis.
Baseado no best-seller com o mesmo nome de Gayle Forman, o filme narra a história Mia (Chloë Grace Moretz), uma rapariga feliz e de bem com a vida, que tem uma família dedicada que a apoia incondicionalmente. Mia é dotada de um talento musical inegável e está apaixonada por Adam (Jamie Blackley), o amor da sua vida. Mas essa espécie de perfeição a que se habituou durante os 17 anos da sua vida termina abruptamente no momento em que o carro onde segue com a família se despista. Entre a vida e a morte, com a alma fora do corpo, ela observa os pais mortos e o seu próprio corpo a ser socorrido por uma equipa médica. Com o passar dos dias, ainda em estado de coma profundo no hospital, ela vai confrontando-se com as visitas dos amigos que lhe pedem para não se deixar morrer. Ainda que consciente do poder que tem de decidir partir ou ficar, a jovem não está certa de ter forças para regressar a uma existência onde a família já não existe e a felicidade lhe parece impossível de reinventar.
O filme chamou logo a minha atenção porque não parte da solução fácil de enquadramento psicológico da protagonista: uma família com problemas ou uma família perfeita demais. A família de Mia era saudavelmente feliz. Nela havia o respeito pela diferença, ou seja, cada um podia seguir tranquilamente os seu sonhos musicais e pessoais, que todos continuariam a gostar muitos uns dos outros.
No entanto fica evidente que seguir sonhos/ser feliz implica fazer sacrifícios. Por vezes, os sacrifícios significam ficar longe de quem se ama por algum tempo; outras vezes é abdicar desse sonho por um bem/projeto maior, como o fez o pai de Mia. Há no entanto que estar certo das nossas escolhas e não ter receio delas.
Escolher é sempre entre duas coisas/pessoas/realidades que se queria ter simultaneamente. É possível, às vezes, compatibilizar, mas apenas até um certo ponto/tempo.
A questão central do filme é mesmo o eterno dilema liberdade/responsabilidade das escolhas que fazemos na vida. A liberdade de escolher dá-nos responsabilidade e isso, por vezes, é muito tramado, porque nos deixa sem desculpa. A escolha é nossa e tem de ser feita.“If I stay” revela coragem, muita coragem, porque, mais difícil do que partir, é começar de novo noutro lugar. Neste caso, para Mia, ficar é ficar só, sem referências (pais, irmão), é ter força para construir, sem apoio, a nossa família. É passar a ser o chão que os outros pisam e precisam. E quando apenas nos resta um fiozinho de vida, como era o caso de Mia em coma, é bem mais fácil, aceitável até, desistir do único bem do qual ninguém desistiria: viver.
Quando o nosso horizonte emocional se fecha é muito difícil, mas não impossível, assumir que se deseja aquela normalidadezinha enfastiante do passado. No entanto, ela é a única base que nos garante a manutenção dos nossos sonhos.
“E se eu ficar” significa e se eu resolver enfrentar sozinha o mundo, assumir a responsabilidade de sarar as feridas das ausências definitivas dos que me formaram e amaram, resolvendo aceitar, sem garantias, o desafio de construir a minha vida, conquistando e preservando os afetos, os amores e as realizações pessoais e profissionais.
O filme foca também a paixão pela música de todos os protagonistas. Achei curioso que em todos eles se desfizessem alguns mitos sobre o estilo de pessoas que são alguns músicos. Mia é a jovem bela que ama até às vísceras o seu violoncelo, a sua música clássica e o seu Beethoven. O seu namorado, Adam é o rockeiro que não se deixa enredar pela natural assédio das fãs nem se deslumbra pela fama. Os pais de Mia são uns improváveis ex-punk rock que se tornam pais responsáveis e adoráveis, sabendo transmitir à filha o amor a à liberdade e ao pensamento sem preconceitos. Ela decidiu ser clássica? Pois estava muito bem!
Claro que esta película foi feita para o espectador se comover. Nos tempos que correm isso prejudica mais do que ajuda. Olhei para este filme sem nenhum preconceito, como se ele não se quisesse aproveitar de mim.
“If I stay” tem bons desempenhos, sem serem excecionais; aborda uma temática que outros já trataram, mas cujo regresso acho que faz sentido, porque o foca dum ângulo diverso do habitual.
Decidir Viver, lutar por isso, pode parecer a mais fácil das decisões, todavia pode exigir muita coragem. A liberdade de escolha e de decisão pode ser muito sedutora e desejada, mas quando a temos de executar em nós, experimentamos sempre o medo de falhar.
Gabriel Vilas Boas
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