Por
estes dias, a nação absorve com grande estupefação, misturada com uma mal
contida satisfação, a condenação de Armando Vara, José Penedos e Paulo Penedos,
no chamado caso Face Oculta. Manuel Godinho apanhou mais do que os outros todos
juntos, mas é sobre os primeiros que a surpresa e a satisfação impendem.
Não
é lá grande virtude ficar satisfeito com o mal alheio, mas a relação entre
política e povo há muito que nos sugeria que isto ia acontecer. Ainda
aturdidos, ninguém da classe que nos dirige veio balbuciar um comentário. Para quem
tanto declarou que confiava na justiça era altura de dizer alguma coisinha. Não
dirão nada e tentarão que a tempestade passe o mais rapidamente possível, nem
que para isso tenham que simular um verdadeiro debate nacional sobre
renegociação da dívida, a descida de impostos, a política de crescimento… e que até a ministra das finanças aceite
discutir isto com Jerónimo de Sousa. O contra ataque há de se fazer em forma de
lei, daqui por um ano, quando as televisões já tiverem exaurido o tema, Vara
estiver completamente imolado na praça pública, mas ainda andar em liberdade, e
o tribunal da Relação ainda não tiver decidido os recursos.
O
caso Face Oculta chega ao fim do primeiro round, com a condenação de todos os
trinta e seis arguidos, o que, como anotou muito bem Moita Flores, é uma grande
vitória da investigação (PJ) e da acusação (Ministério Público), pois não há danos
de honorabilidade a lamentar.
As
condenações principais surpreendem pela dureza, pois não estávamos habituados a
condenações de cinco/seis anos de prisão efetiva por crimes como tráfico de
influências, muito menos aplicadas a políticos. Nesse sentido, comungo da
opinião da generalidade das pessoas: foi preciso coragem. Por isso, não penso
como Moita Flores que o tribunal sempre “andou bem” quando a investigação e
acusação foram bem-feitas. Todos sabemos que não foi bem assim, mas adiante…
A
questão que se coloca à justiça portuguesa é se ela está preparada para
aguentar o embate que aí vem, quer neste caso, quer nos restantes. Os juízes
aplicam as leis, mas o poder legislativo é da Assembleia. Desse ponto de vista,
acho que tem de ser a sociedade portuguesa a vigiar seus representantes para
que estes não manietem o poder judicial.
Como
muito bem explicava, hoje, o jornal diário de maior tiragem em Portugal, a correr
bem, só daqui a dois anos teremos decisão do tribunal da Relação do Porto sobre
os recursos que os condenados vão apresentar. Até lá muita água vai correr pela
ponte, ou seja, muito discurso apaziguador, muitas opiniões publicadas tentarão
passar a mão pelo pêlo de juízes e opinião pública, nem que seja com estafado “Outros fizeram o
mesmo ou pior e andam aí! Deixem lá os homens irem à vida deles!”.
Se hoje achamos que a PJ, o Ministério Público, o Tribunal de Aveiro foram
competentes, não podemos aceitar facilmente uma contra-decisão daqui a
dois/três anos, a menos que seja muito bem fundamentada.
Pode
estar neste caso o princípio da luta contra a corrupção e o tráfico de
influências na vida pública portuguesa. Não é um bem negligenciável. Há dois
dias houve competência e coragem. Devemos exigir que esse caminho continue a
ser trilhado.
No
meu entender, a corrupção é um problema vasto, complexo mas não impossível de
derrotar. Temos de se acabar com a mentalidade de que a corrupção compensa e
triunfa, ou pelo menos não é apanhada ou punida. Sempre pensei que cabe à
escola e às famílias dizer que é feio aquilo que é repugnante. E a corrupção é
feia e repugna. A luta contra a corrupção é um processo e os portugueses não gostam de processos, só de
heroísmos, mas temos de o iniciar e… continuar. Não me digam que não é possível.
Há
vinte anos não tínhamos consciência ambiental; há quinze, quem fugia aos impostos
ainda era um herói nacional; há cinco anos achávamos impossível acabar com os
inoportunos fumadores nos cafés e restaurantes. Tudo isso foi sendo derrotado
lentamente, mas o saldo é hoje positivo ainda que não definitivo.
A
corrupção não acabou com as condenações no caso Face Oculta. Apenas está ferida.
Com o Caso Face Oculta caiu o primeiro véu da corrupção no nosso país, mas não
caiu a máscara que a define. Resta-me apenas desejar que essa máscara não
esteja assim tão colada à pele que seja impossível arrancá-la.
Gabriel
Vilas Boas
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