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domingo, 7 de setembro de 2014

FACE OCULTA




Por estes dias, a nação absorve com grande estupefação, misturada com uma mal contida satisfação, a condenação de Armando Vara, José Penedos e Paulo Penedos, no chamado caso Face Oculta. Manuel Godinho apanhou mais do que os outros todos juntos, mas é sobre os primeiros que a surpresa e a satisfação impendem.
Não é lá grande virtude ficar satisfeito com o mal alheio, mas a relação entre política e povo há muito que nos sugeria que isto ia acontecer. Ainda aturdidos, ninguém da classe que nos dirige veio balbuciar um comentário. Para quem tanto declarou que confiava na justiça era altura de dizer alguma coisinha. Não dirão nada e tentarão que a tempestade passe o mais rapidamente possível, nem que para isso tenham que simular um verdadeiro debate nacional sobre renegociação da dívida, a descida de impostos, a política de crescimento…  e que até a ministra das finanças aceite discutir isto com Jerónimo de Sousa. O contra ataque há de se fazer em forma de lei, daqui por um ano, quando as televisões já tiverem exaurido o tema, Vara estiver completamente imolado na praça pública, mas ainda andar em liberdade, e o tribunal da Relação ainda não tiver decidido os recursos.

O caso Face Oculta chega ao fim do primeiro round, com a condenação de todos os trinta e seis arguidos, o que, como anotou muito bem Moita Flores, é uma grande vitória da investigação (PJ) e da acusação (Ministério Público), pois não há danos de honorabilidade a lamentar.
As condenações principais surpreendem pela dureza, pois não estávamos habituados a condenações de cinco/seis anos de prisão efetiva por crimes como tráfico de influências, muito menos aplicadas a políticos. Nesse sentido, comungo da opinião da generalidade das pessoas: foi preciso coragem. Por isso, não penso como Moita Flores que o tribunal sempre “andou bem” quando a investigação e acusação foram bem-feitas. Todos sabemos que não foi bem assim, mas adiante…

A questão que se coloca à justiça portuguesa é se ela está preparada para aguentar o embate que aí vem, quer neste caso, quer nos restantes. Os juízes aplicam as leis, mas o poder legislativo é da Assembleia. Desse ponto de vista, acho que tem de ser a sociedade portuguesa a vigiar seus representantes para que estes não manietem o poder judicial.
Como muito bem explicava, hoje, o jornal diário de maior tiragem em Portugal, a correr bem, só daqui a dois anos teremos decisão do tribunal da Relação do Porto sobre os recursos que os condenados vão apresentar. Até lá muita água vai correr pela ponte, ou seja, muito discurso apaziguador, muitas opiniões publicadas tentarão passar a mão pelo pêlo de juízes e opinião pública, nem que seja com estafado Outros fizeram o mesmo ou pior e andam aí! Deixem lá os homens irem à vida deles!”. 
Se hoje achamos que a PJ, o Ministério Público, o Tribunal de Aveiro foram competentes, não podemos aceitar facilmente uma contra-decisão daqui a dois/três anos, a menos que seja muito bem fundamentada.
Pode estar neste caso o princípio da luta contra a corrupção e o tráfico de influências na vida pública portuguesa. Não é um bem negligenciável. Há dois dias houve competência e coragem. Devemos exigir que esse caminho continue a ser trilhado.


No meu entender, a corrupção é um problema vasto, complexo mas não impossível de derrotar. Temos de se acabar com a mentalidade de que a corrupção compensa e triunfa, ou pelo menos não é apanhada ou punida. Sempre pensei que cabe à escola e às famílias dizer que é feio aquilo que é repugnante. E a corrupção é feia e repugna. A luta contra a corrupção é um processo e os portugueses não gostam de processos, só de heroísmos, mas temos de  o iniciar e… continuar. Não me digam que não é possível.
Há vinte anos não tínhamos consciência ambiental; há quinze, quem fugia aos impostos ainda era um herói nacional; há cinco anos achávamos impossível acabar com os inoportunos fumadores nos cafés e restaurantes. Tudo isso foi sendo derrotado lentamente, mas o saldo é hoje positivo ainda que não definitivo.   
A corrupção não acabou com as condenações no caso Face Oculta. Apenas está ferida. Com o Caso Face Oculta caiu o primeiro véu da corrupção no nosso país, mas não caiu a máscara que a define. Resta-me apenas desejar que essa máscara não esteja assim tão colada à pele que seja impossível arrancá-la.

Gabriel Vilas Boas

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