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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O BARBEIRO DE SEVILHA, de Rossini



Do feliz casamento entre a música e o teatro nasceu a ópera. A união já dura há quatro séculos e tem dado filhos belíssimos como o Barbeiro de Sevilha de Rossini.
Este compositor erudito italiano nasceu no pior dia do ano para se fazer anos, no final do século XVIII, e dedicou toda a sua vida a compor óperas. Das cerca de quatro dezenas que escreveu, o Barbeiro de Sevilha havia de sobressair e entrar para a história da ópera.
Escrita num tempo recorde de três semanas, a obra-prima de Rossini estreou no teatro Argentina, em Roma, nove dias antes de Rossini completar 24 anos. Acabou por se tornar num êxito e esse mérito cabe por inteiro a Rossini, pois 34 anos antes já Giovanni Paisiello tinha composto uma ópera chamada “O Barbeiro de Sevilha” baseada na comédia do dramaturgo francês Pierre Beaumarchais. A ópera de Rossini segue a primeira peça da trilogia de Beaumarchais chamada “Fígaro” e havia de rivalizar em fama como a segunda peça da mesma trilogia – As Bodas de Fígaro – que Mozart imortalizara dez antes de Rossini nascer.

Beaumarchais escreveu a peça de teatro, Cesare Sterbini o libreto e Rossini a composição musical.
Símbolo da ópera-bufa ou cómica, o Barbeiro de Sevilha comporta dois atos e narra o romance entre o conde Almaviva e Rosina, que ajudados pelo espertíssimo barbeiro Fígaro, conseguem iludir a oposição do tutor da jovem e casarem-se.Provavelmente a ária mais famosa desta ópera é "Largo al factotum", cantada por Fígaro, logo no 1º ato - onde, a um certo ponto, ele começa a repetir seu próprio nome de forma rápida e exaustivamente: "Figaro, Figaro, Figaro…". 
No século passado vários cantores de ópera interpretaram a obra de Rossini, sendo de destacar a interpretação de 1958, dirigida pelo maestro Alceo Galliera em que a diva Maria Callas interpretou Rosina e outra de 1993, em que o maestro Claudio Abbado dirigiu o grande tenor Plácido Domingo no papel de Fígaro.

Apesar de ter uma origem elitista, a ópera tem uma alma popular que urge recuperar. Nela podemos ver a rivalidade entre compositores, as histórias imortais de grandes dramaturgos e o melhor que a voz humana pode produzir através do canto. A ópera é um património cultural de todos: povo e elites que urge dar a conhecer, trazendo às salas de espetáculo gente que nunca assistiu a uma ópera e pensa que não gosta porque simplesmente não a entende. 
A ópera é um espetáculo belíssimo, quando interpretado por artistas de qualidade, e merece ser mostrada, ensinada, apreciada.
Gabriel Vilas Boas

domingo, 28 de fevereiro de 2016

FUTRE, O VERDADEIRO ARTISTA

 Há 33 anos, quando me apaixonei pelo futebol, Paulo Futre dava início à sua carreira de futebolista profissional. Ainda hoje me lembro das palavras do meu primo: «Há um jogador no Sporting muito bom. Chama-se Futre. Mal entra, o Sporting marca logo um golo.» Infelizmente para o Sporting, o treinador Joseph Venglos não compreendeu que os génios são precoces e Futre (que só ganhava 70 contos por mês no Sporting), foi lançar o Porto europeu, onde passou a ganhar 30 mil contos em três anos. O seu brilho no F.C. Porto foi tão intenso que por lá só andou dois anos, não sem antes ser campeão nacional, vencedor da Taça de Portugal e Campeão Europeu, na inolvidável vitória em Viena, em maio de 1987, Sobre o Bayern de Munique. Lembro-me perfeitamente daquela jogada fabulosa, que só Futre era capaz de fazer, sobre a direita do ataque do Porto, que não acabou em golo mas acabou por o levar para Madrid, na primeira transferência milionária do futebol português.

Futre era um predestinado. Nasceu para os grandes palcos, aqueles onde só os artistas podem atuar. O sonho de uma plateia de pé a gritar o seu nome era apenas um truque inspirador que usava para soltar todo o virtuosismo do seu pé esquerdo, capaz de fintar cinco italianos numa cabine telefónica.
Futre tinha aquela fúria de vencer dos grandes heróis nascidos na rua. Como um furacão arrancava decidido, por entre adversários grandes e corpulentos, numa sucessão de fintas estonteantes que fazia ajoelhar qualquer plateia. Normalmente oferecia a glória suprema do golo a um colega, mas eram para ele as palmas, os «oooh» de espanto, o brilho nos olhos de quem o via jogar.

Durante uma década foi o grande orgulho de uma nação que não ia a Mundiais nem a Europeus de futebol, mas tinha o Futre no Atlético de Madrid, onde nunca foi campeão, mas conquistou o respeito a admiração de um país habituado a ver jogar os melhores. 
Assinou jogos memoráveis contra o Real Madrid e Barcelona, ganhando Taças do Rei e Supertaças.

Em Portugal cumpriu o sonho de qualquer futebolista: jogou nos três grandes, onde sempre ganhou títulos, exceto no Sporting, porque não o deixaram fazer carreira apesar de o seu coração ter sido sempre leão.
O amor de toda uma vida foi e é o Atlético de Madrid, onde viveu uma relação de amor e ódio com o falecido e polémico presidente Jesus Gil y Gil. Ainda hoje fala na primeira pessoa do plural quando se refere ao clube madrileno.
Atrevido em campo como na vida, Futre sempre transportou aquele sorriso malandro que cativava as raparigas e dava baile aos adversários. Todavia, jamais foi arrogante ou  desrespeitoso. Paulo Futre foi e é um homem de bem com a vida, um talento do futebol que preferiu sempre ser um herói à Che Guevara do que um colecionador de títulos.

Além do Sporting, Benfica, Porto, Atlético de Madrid, também jogou no Marselha, no Milan, no West Ham, no Reggiana, até que uma lesão grave o fez parar, prematuramente, há dezoito anos.

Só que Futre já tinha ganho por direito o seu lugar no Olimpo do futebol português. Com fintas, com jogadas fabulosas, com golos, com títulos, com exibições monstruosas. Até aparecer Figo, Rui Costa, Paulo Sousa, Vítor Baía, João Pinto e Ronaldo, era ele o sucessor de Eusébio. Verdadeiramente um homem simples, não discutia o trono do King e até afirmava que Chalana era o seu ídolo.


Gerindo a riqueza que o futebol lhe proporcionou, soube inserir-se no contexto do futebol atual, aproveitando as suas qualidades sem calcar ninguém. Divertido, bem-humorado, positivo, sempre mostrou o lado alegre do futebol. 
Hoje completa 50 anos de vida. Se ainda jogasse talvez viessem charters de chineses para o ver, porque, na verdade, nunca lhe faltou o motor de arranque para esburacar defesas carrancudas e seduzir plateias difíceis. Quando engatava, já ninguém mais o parava. 
Gabriel Vilas Boas

sábado, 27 de fevereiro de 2016

KILDEN PERFORMING ARTS CENTRE, um teatro ultramoderno


Fica em Kristiansand, no sudoeste da Noruega, um dos mais bonitos e modernos Teatros da Europa. O Kilden Performing Arts Centre foi inaugurado há quatro anos e constitui um motivo de orgulho para os 75 habitantes de Kristiansand, que espelham no “seu” Kilden Arts Centre o orgulho da arquitetura escandinava.
O Kilden Performing Arts Centre foi projetado pela ALA ARCHITECTS, uma equipa de arquitetos finlandeses que ganhou o concurso internacional para a realização deste projeto arquitetónico que tem tanto de belo quanto de complexo.

O« Kilden» é um teatro e também uma sala de concertos, que alberga o Agder Teater (Companhia de Teatro de Kristiansand), a Orquestra Sinfónica da cidade e a Ópera Sor.
Os arquitetos da ALA conceberam um espaço amplo, situado na zona portuária da cidade, onde estão claramente definidas quatro zonas: a zona dos auditórios, uma zona de foyer público, a rua da produção e a zona das oficinas e armazenamento de materiais.

Na parte central do edifício, entre o hall de entrada e a rua da produção, foram desenhados quatro grandes salas/auditórios para a alta performance de teatro e música. É aí que encontramos a Concert Hall com 1185 lugares, a Theatre & Opera Hall, com 708 lugares, uma multi-sala de 234 lugares sentados e 400 em pé, e uma pequena sala de concertos, denominada “Salão Íntimo” com capacidade para 150 lugares.

Nestes espaços encontramos uma expressão arquitetónica formal e muito precisa, onde os diversos auditórios dão a sensação de unidades com múltiplos usos e um nível muito grande de funcionalidade e técnica.
A zona do foyer público é um espaço livre, dedicado à improvisação. É aí que o público encontra exposições e espetáculos performativos mais pequenos. É uma zona de fácil acesso e que permite também um fácil acesso aos quatro auditórios, de maneira a que o público passe de um aperitivo performativo para o prato principal da proposta artística da noite sem perder muito tempo.
A Rua de Produção, com os seus seis metros de largura e duas imponentes portas de altura completa nas extremidades, garante uma grande flexibilidade entre auditórios e instalações de produção, permitindo proceder à montagem de grandes produções dentro do próprio edifício do Teatro Kilden.

A quarta zona é a zona das oficinas de produção, unidades de armazenamento e locais de trabalho para o pessoal do Kilden Arts Centre. Fica traseiras das extremidades leste e oeste do edifício e tem saída tanto para a rua de produção como para o exterior através de janelas de elevação oriental.
Quem aprecia o edifício de frente encontra uma deslumbrante fachada de vidro encimada por ondulante parede de carvalho que reveste o baixo-ventre dos quatro auditórios do Kilden Performing Arts Centre. Esta parede ondulante segue as formas definidas pelas quatro grandes salas de espetáculos e cria uma superfície que parece separar o mundo real do ilusório. Esta parede de carvalho cria uma enorme dossel que se projeta em relação ao porto da cidade.

As outras fachadas apresentam uma superfície dobrada vertical, dando ao edifício uma forma elegante e suave. Os ziguezagues de alumínio e uma série de janelas criam uma espécie de grade dentro das dobras ondulantes.
A aparência exterior notável do edifício é a primeira sensação que o visitante experiencia, no entanto ao entrar no Kilden Performing Arts Centre, qualquer pessoa percebe com é funcional. A ordem dos auditórios é determinada pelas relações com as instalações de produções. Por exemplo, o salão principal do palco do teatro está localizado de modo a abrir para as oficinas do set de construção.

O nome “Perfoming” não surge por acaso. O conceito principal do «Teater» de Kristiansand é ser um espaço de performance e por isso foi moldado como um sinal na paisagem urbana. A superfície ondulante da fachada forma uma entrada dramática entre as salas de espetáculos e a costa marítima. A relação do edifício com o canal e o mar tem uma forte tensão dramática ou não estivéssemos nós a falar de um teatro.
Apesar de moderno e muito funcional, o «Kilden» tem já um grande impacto sobre a identidade cultural da região, pois a sua expressão arquitetónica única atrai muita gente à região. Na verdade o «Kilden» é a expressão da grande arquitetura do norte da Europa, onde um projeto complexo e grandioso, deu lugar a um trabalho duro, rigoroso e difícil que culminou numa obra sublime que merece a pena ser visitada.

Gabriel Vilas Boas  

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

VERDADE SEM CONSEQUÊNCIA


“- É proibido?
- É!
- E pode fazer-se?!
- Pode!
- E o que é que acontece?
- Nada!”

Nunca se soube tanto sobre as feias entranhas do país como agora e nunca como agora se fez tão pouco para as estripar de um corpo muito acostumado à sua doença crónica.
Poucos portugueses ignoram os casos de corrupção na banca e na política; a pornográfica morosidade da justiça; as falhas de um sistema nacional de saúde exausto, onde até a humanidade já tem um preço.
Quase diariamente somos confrontados com mais uma notícia sobre uma vilania, um crime, uma imoralidade. Já nos tornámos emocionalmente imunes, especialmente porque nos sentimos impotentes para os reverter. Percebemos que as leis que nos regem são apenas lixo legislativo, laboriosamente fabricado para impedir criminosos de pagar as suas malfeitorias.
É provável que sempre tenha sido assim e que agora só tenhamos mais consciência disto ou que a pouca vergonha ande à solta. Discutir quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, é só uma forma de esgotar energias e perpetuar um país feio, onde gente de bem não se revê.

Os portugueses não precisam de mais uma denúncia, mais um escândalo para vampirizar, mais um banco falido, mais uma morte num hospital central, por falta de meios humanos ou de medicamentos.
Os meus concidadãos precisam que cada profissional vá resolvendo a parte do problema que lhe cabe, com celeridade, ponderação, justiça e coragem.
Ao contrário do que possa parecer, acho que cada um de nós pode fazer algo para drenar o pântano. Podíamos começar por não fomentar discussões inúteis acerca de assuntos que não admitem duas interpretações e fazer a nossa parte na empresa, na família ou no café.
Quando a audiência da Casa dos Segredos descer ao nível do programa, “aquela coisa” acaba; quando deixarmos de votar em gente corrupta ou altamente suspeita de corrupção, o seu poder diminuirá e os pouco corajosos agentes da justiça tratarão de os acusar e julgar. Não aceitemos julgamentos televisivos, mas exijamos decisões rápidas nas verdadeiras Casas da Justiça. Portugal está muito necessitado de dirigentes que decidam, que invistam em quem quer desenvolver o seu trabalho com rentabilidade nas diversas áreas da economia.

Atualmente, poucas instituições internacionais acreditam na credibilidade do país. Não é do partido A ou B, mas de Portugal. Não tenhamos ilusões tontas. Claro que quem descredibilizou o país não foi o português anónimo, mas aqueles que governaram Portugal. Ora, foi o nosso não querer saber, o nosso “deixa andar”, que criou este estado parasitário que nos suga os ossos e afugenta os médicos. Não temos o direito nem credibilidade para aumentar 30 euros aos salários mais baixos da nação, porque os nossos geniais gestores bancários nos envergonharam em vários milhões de euros à hora.
Gostava de viver num país onde os atos tivessem sempre consequência. Os bons e os maus, porque, por vezes, pior do que decidir mal é não decidir.
Nos dias que correm, as peças de teatro não agonizam nas salas vazias de espetáculos. Ao fim de cinco/seis sessões, todo o público com vontade de ver determinada peça já a viu e a Companhia ruma a nova cidade ou parte para outro projeto.
A vida faz-se de ação e decisão. A vida não para, nós é que paramos! E parar é chamar a morte…
Gabriel Vilas Boas 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A LEITORA, de Renoir

Há 97 anos, Limoges, na França via nascer um dos mais célebres pintores do século XIX, cujos quadros valem, hoje, milhões de euros e estão expostos nos melhores museus mundiais – Pierre-Auguste RENOIR.
O celebérrimo pintor impressionista produziu cerca de seis mil obras durante seis décadas de atividade, tornando-se numa referência da arte mundial.

Hoje proponho-vos um pequeno quadro, produzido por volta de 1874, denominado «A Leitora».
Este óleo sobre tela, de dimensões modestas (46,5x38,5) pertence à coleção do Museu d’Orsay, em França.



Depois de ter sido alvo de inúmeras críticas, no início da sua carreira artística, Renoir passou a conhecer o êxito como retratista, na segunda metade da década de setenta do século XIX. Ao longo da sua trajetória artística executou muitos retratos de mulheres, de pequenas dimensões, que representavam o seu ideal de beleza feminina.
Renoir manteve sempre um estilo próprio, ainda que seja possível detetar as influências de Manet e Monet. Através desta obra, o pintor francês mostra-nos o retrato de uma jovem leitora. A imagem torna-se encantadora e está imersa numa atmosfera cálida, em virtude da luz dourada que penetra no aposento através da janela que se insinua por detrás da jovem.
A luz intensa incide sob as páginas do livro e dá a ideia que estas iluminam, por sua vez, o rosto da leitora. A pincelada solta e enérgica cria uma interessante gradação de cores em toda a composição.
O delicado rosto da jovem está repleto de gradações de cor que lhe conferem um destacado volume e que transmitem, simultaneamente, o carácter do momento soalheiro, proporcionado pela luz do dia.

Já a mão que segura o livro parece mal desenhada, no entanto o artista consegue representar um gesto muito natural. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

REI LEAR, de Shakespeare

 Shakespeare escreveu esta tragédia por volta de 1606, mas só a publicou dois anos mais tarde. As suas fontes de inspiração foram a tragédia “Verdadeira História do Rei Lear E Das Suas três Filhas”, de autor desconhecido e “Crónica” de Holinshed.


O argumento é simples e sobejamente conhecido: o rei Lear, já velho e desejoso de descansar, decide dividir o reino entre as suas três filhas (Regan, Goneril, Cordélia), mas antes quer convencer-se dos sentimentos delas em relação a ele. As duas primeiras, hipocritamente, fingem dedicar ao progenitor um amor ardente; mas a mais nova, embora seja a única que verdadeiramente ama o pai, não consegue exprimir-se da maneira artificiosa e bonita como as suas sabidas irmãs mais velhas. Cordélia só consegue dizer ao pai que o ama muito, o que para Lear parece pouco. O monarca, pensando que Cordélia não tem por ele qualquer tipo de afeto, amaldiçoa-a e expulsa-a do palácio. É o rei de França que a acolhe e protege.

Paralelamente, o conde de Gloucester, por sua vez, enganado pelo seu filho bastardo, o hipócrita Edmundo, declara-se contra o filho legítimo, Edgar, que vai refugiar-se num bosque para escapar à injustificada cólera paterna.

Já o rei Lear, vexado e ridicularizado pelas suas duas filhas mais velhas, nos palácios destas, endoidece e vagueia em plena tempestade, sem outra companhia que não seja a do seu jogral. É então que o conde de Gloucester se compadece de Lear e procura ajudar o seu rei, mas o seu próprio filho Edmundo entrega-o ao ódio de Regan e do marido desta, que lhe arrancam os olhos e o deixam abandonado. Seu outro filho, Edgar, sai-lhe ao encontro e, fingindo ser um pobre demente, serve-lhe de guia. 
Edmundo é desejado por Goneril e Regan. Depois de morrer o marido da segunda, esta deseja casar-se com Edmundo, despertando assim os ciúmes da sua irmã e rival.

Cordélia, ao saber da situação de seu pai, acorre com as tropas francesas, com o objetivo de recolocar o pai no trono e dar-lhe assim algum consolo. Unidas contra ela, Regan e Goneril e o exército destas aprisionam o rei Lear e Cordélia e esta, por instigação de Edmundo é estrangulada. Não podendo suportar a sua dor ao ver a filha morta, o rei Lear morre sobre o corpo de Codélia.
 Entretanto as infâmias de Edmundo são descobertas e, num duelo, o vilão é mortalmente ferido por Edgar. Antes de morrer, Edmundo confessa ter dado origem a que matassem o rei Lear e Cordélia. Ao ouvir isto, Edgar corre em socorro do velho rei e da filha, mas inutilmente.
Goneril envenena a irmã, mas acaba por morrer também apunhalada. A partir de então, só ficam para restabelecer a ordem no rei, o marido de Goneril, o duque da Albânia, que sempre quis bem ao rei Lear; Kent (um dos mais leais servidores do rei Lear) e Edgar.

O Rei Lear é um das tragédias mais sublimes da literatura mundial. Lê-la, relê-la é um prazer para qualquer espírito, no entanto, só nos apercebemos de toda a sua complexidade e tragicidade quando a vemos em palco, representado por atores de craveira. É isst que espera ver ainda este ano, quando passam 400 anos sobre a morte do melhor dramaturgo de todos os tempos. Já vai sendo hora...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O PROFETA MAOMÉ DESPEDE-SE, 632


O profeta Maomé concluiu a sua vida com uma peregrinação a Meca, dez anos após se mudar para Medina (o acontecimento chama-se Hijra) e daí o 10 AH no calendário islâmico. Assim se iniciou a prática da peregrinação (Hjj) a Meca, que os muçulmanos, onde quer que residam devem tentar fazer, pelo menos uma vez na vida.
Durante a peregrinação, na qual foi acompanhado por dezenas de milhares de apoiantes, pregou o seu último sermão e completou o livro islâmico das revelações, o Alcorão. No relato do islão xiita, diz-se igualmente que Maomé escolheu o seu primo e genro, Ali, para sucessor. Esta afirmação, no entanto, não é corroborada pelos sunitas e esta questão dividiu sempre sunitas e xiitas. Os sunitas seguem uma liderança que remonta a Abu Bakr, grande companheiro de Maomé e primeiro califa.

O próprio texto do sermão é motivo de disputa e existem diversas versões. A versão xiita é duas vezes mais longa que a sunita, mas é desta que reproduzo algumas passagens onde Maomé deixa uma espécie de mapa de orientação para os seus correlegionários, focando temas muito concretos como a prática da relação com Alá, a relação entre homens e mulheres (onde o respeito e amor deviam ser fundamentais) e até a relação com outros povos, credos e raças. Um texto muito interessante.
«Oh povo, assim como considerais sagrado este mês, este dia, esta cidade, considerai sagrada a vida e os bens de todos os muçulmanos. Devolvei os bens que vos foram confiados aos seus legítimos proprietários. Não magoeis ninguém para que ninguém vos magoe. Lembrai-vos que ireis encontrar o vosso Senhor e que Ele avaliará os vossos atos. Deus proíbe-vos de praticar usura; portanto, todos os encargos com os juros deverão ser abandonados doravante.
(…)
Oh Povo, é verdade que tendes certos direitos em relação às vossas mulheres, mas também é verdade que elas também têm direitos em relação a vós. Lembrai-vos que as haveis recebidos como vossas esposas com a confiança de Deus e a sua autorização. Se elas agirem de acordo com os vossos direitos, então têm o direito de ser alimentadas e vestidas. Tratai bem as vossas mulheres e sede amáveis para com elas porque elas são as vossas parceiras e ajudantes empenhadas. (...)
Toda a humanidade descende de Adão e Eva, um árabe não é superior a um não-árabe e um não-árabe não é superior a um árabe; também um branco não é superior a um negro nem um negro superior a um branco, exceto pela devoção e pelas boas ações. Sabei que todos os muçulmanos são irmãos e que os muçulmanos constituem uma irmandade. Nada é legítimo para um muçulmano que pertence a outro muçulmano, a menos que tenha sido dado livremente e de boa vontade. Portanto não vos injusticeis.»

O Sermão da Despedida de Maomé, 632

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A EXECUÇÃO DE SOPHIE SCHOLL, 1943


A 22 de fevereiro de 1943, Sophie Scholl, estudante de biologia em Munique, e o irmão Hans, de 24 anos, estudante de Medicina, foram assassinados pela Gestapo; antes tinham sido presos, uns dias antes, por atirarem panfletos de uma janela. Os dois irmãos foram guilhotinados no mesmo dia. Os restantes elementos do grupo anti-nazi foram mortos nos meses seguintes, depois de uma laboriosa perseguição e detenção engendrada pela Gestapo.
Dois anos antes, Sophie e Hans tinham formado “Rosa Branca”, um grupo de amigos que encorajava os alemães a uma atitude de resistência pacífica ao regime nazi e ao seu esforço de guerra.
Desde 1942 que o grupo produzia panfletos anónimos com o título Rosa Branca, os quais distribuía especialmente no sul da Alemanha, já que os irmãos Scholl estudavam em Munique.

Num desses panfletos podia ler:
“Queremos tentar demonstrar que todos estão em condições de contribuir para derrubar o sistema. Isto só é possível com a colaboração de muita gente convicta e enérgica – gente que está de acordo quanto ao método a utilizar. Não dispomos de muitas opções quanto ao método. O significado e o propósito da resistência pacífica são derrubar o nacional-socialismo, e nessa luta não podemos afastar-nos do nosso caminho, seja qual for a sua natureza. Uma vitória da Alemanha fascista nesta guerra fria teria consequências incomensuráveis, terríveis.”

Noutro panfleto afirmam: “O nome da Alemanha ficará desonrado para sempre se a juventude alemã não se insurgir finalmente, vingar, esmagar os seus carrascos. Estudantes! O povo alemão está de olhos postos em nós”.

Pelos vistos, a Gestapo também estava. A crueldade nazi não se encolhia mesmo perante os seus. Ao reler os panfletos de Sophie e Hans não posso deixar de evocar a sua enorme coragem, mas também a sua grande ingenuidade. Acho que não conheciam bem qual era o modus operandi do regime que os governava há mais de uma década. Só podiam fracassar. Sobrou-lhes o icónico papel de mártires e símbolo da consciência perdida do povo alemão perante uma mancha sobre a sua reputação que levou(leva) décadas a apagar.
GAVB

domingo, 21 de fevereiro de 2016

ZIKA - O INTELIGENTE PRETEXTO PAPAL


No regresso do México, na já habitual conversa com os jornalistas que o acompanharam em mais uma viagem apostólica, o Papa Francisco admitiu o uso do preservativo para combater o vírus Zika.
Ainda que dito com todas as cautelas (“evitar a gravidez não é um mal absoluto”, pelo que, em situações de extremo risco, a utilização de métodos contracetivos, é o “menor dos males”), o Papa não deixou de passar a sua mensagem. Acho que todos já suspeitávamos que este era o pensamento de Francisco e sabíamos que mais tarde ou mais cedo ele introduziria o tema no seu roteiro para a revolução tranquila na Igreja Católica, mas a forma hábil como ele aproveitou o flagelo do Zika, que assusta todo o mundo, diz bem da sua perspicácia política para habilmente passar a mensagem.


O mundo não se comoveu nem exultou com a fresta que se abriu no muro eclesiástico, porque este é um tema sem discussão na generalidade das sociedades livres e democráticas. A maioria das pessoas acha que cabe à Igreja fazer o caminho de aproximação àquilo que o senso comum dita como mais correto. E Francisco percebeu isso há bastante tempo. Com as afirmações que vai deixando cair na imprensa prepara o caminho e a mentes (mais fora do que dentro da Igreja) para que a sociedade tenha cada vez mais pontos de contacto com a doutrina da Igreja.

É uma luta contra o tempo e contra os preconceitos; uma luta de poder e de poderes, mas também uma luta justa, de quem acha que o mundo não tem apenas duas cores e a fé não faz sentido sem humanismo nem contexto.
É verdade que os crentes precisam de se reaproximar de Deus, mas também é verdade que a Igreja precisa de não afastar Deus das pessoas. A Igreja precisa de abandonar de vez uma matriz diretiva e punitiva e centrar-se, definitivamente, na sua matriz fundamental: o Amor.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 20 de fevereiro de 2016

EM NOME DE UMBERTO ECO


Talvez a maioria de nós conheça o “Em Nome da Rosa” do cinema, mas todos sabem quem escreveu o romance e não quem realizou o filme. Umberto Eco morreu ontem. Não contava! Esperava-o ver em Portugal, lá para o outono, nas comemorações do centenário do Museu Grão Vasco. Já não vai ser possível…

O bom dos escritores é que o melhor deles permanece – a sua obra. Dela emerge o sublime “Em Nome da Rosa”, um romance extraordinário que relata as aventuras de um frade franciscano, Guilherme de Baskerville, e do seu jovem aprendiz Adson von Melk, que são chamados para resolver uma misteriosa morte numa abadia medieval.
O enigma, o mistério, a arguta inteligência do franciscano são apenas o cimento narrativo para Umberto Eco desenvolver uma tripla temática: a religião (e as suas fronteiras com o conhecimento e com o Homem), o amor aos livros e o riso.

Eco transmite de uma forma muito clara o poder que a Igreja Católica tinha na sociedade da Idade Média, dominando a sua mentalidade e por via disso exercendo um poder autoritário e totalitário. E também desumano, que não admitia réplica e justificava como ações do maligno tudo o que não conseguia explicar ou não lhe interessava explicar. Ora, é esse poder podre que Umberto Eco quis expor através do seu protagonista, fabulosamente interpretado por Sean Connery. Ele não podia aceitar uma igreja sem humanismo e adorava de tal forma o conhecimento para aceitar respostas emocionais para aquilo que era racional. A sua luta no enredo e de Eco na literatura/cidadania era demonstrar que é possível conciliar fé e razão. Como diria Santo Agostinho “Compreender para crer, crer para compreender.”  
O franciscano, tão orgulhoso da sua capacidade intelectual quanto da sua fé, não acreditava em livros proibidos e por isso prova que os assassínios tinham uma explicação lógica e fútil. A chave do enigma estava na Biblioteca da abadia. Local onde todo o conhecimento se concentrava, tornara-se no centro do poder, pois poucos tinham acesso a todos os livros. 

Tão pouco habituados a partilhar o poder como a encontrar outra visão para a relação do Homem com Deus, os velhos guardiões do modelo teocêntrico não podiam conceder que os mais cultos frades achassem natural o riso e a comédia, depois de lerem o Livro II da Poética de Aristóteles. Por isso trataram de os envenenar e, em desespero, destruir uma das melhores bibliotecas europeias da época medieval. Mesmo assim o riso triunfou sobre o medo. Talvez porque seja apenas humano e sobre ele não possa descer qualquer sombra de pecado. Hoje rimo-nos destes monges obtusos da época medieval, mas a mudança de mentalidades sempre foi um processo doloroso, porque lida com o medo, o poder e o desconhecido.
O riso mata o temor mas o temor não mata a fé. Uma fé que vive de temor nem chega a ser fé, é apenas um inútil medo que o vento levará com o tempo.
Quando releio o livro ou revejo o filme, lembro-me de quão importante é o riso e o Amor para o Homem e recordo a frase do romance que mais me marcou:
“A vida seria tranquila sem amor. Segura, sossegada e… monótona!”

Gabriel Vilas Boas 


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

CAPT(UR)ANDO A EXPLORAÇÃO INFANTIL


O dia de hoje começou com uma boa notícia: o fotógrafo português Mário Cruz ganhou o primeiro prémio do World Press Photo 2015, na categoria Temas Contemporâneos, com uma fotografia sobre o tema da exploração infantil no Senegal.
Mário Cruz foi à denominada “cidade dos talibés”, à procura de documentar uma realidade que o inquietava – rapazes entre os cinco e os quinze anos que vivem em escolas islâmicas e que a pretexto de receberem uma educação corânica são obrigados a mendigar nas ruas, entregando tudo o que ganham aos seus professores, que muitas vezes lhes batem e até os violam.

Mário Cruz chamou ao seu trabalho “Talibés, modern-day slaves” e com ele chamou atenção do mundo para uma nova forma de exploração do trabalho infantil, tão indigna que se assemelha à escravatura.
O trabalho/exploração infantil nunca foi um problema económico, mas sim de mentalidade e de falta de ética e humanidade. Este é um problema que já foi tão português e dele ouvia falar nas rádios e televisões quando eu próprio era criança. Felizmente, soubemos contrariá-lo.

Agora ele não pode significar apenas uma foto, um prémio, porque é um problema dos outros. Temos de assumir a nossa condição de seres humanos, interpretando-a através de atos concretos. Não de retaliação, mas de defesa da nossa dignidade. Não querer saber de onde vem as calças que vestimos, as bolas que os nossos filhos chutam na relva ou de onde vêm as bugigangas que compramos vai além da cobardia ou da inconsciência e invade os domínios da imoralidade.

O grão e o desfoque da fotografia a preto e branco sugere a situação de clandestinidade por um lado e por outro acentua a indignidade a que estas crianças são submetidas.
Uma fotografia não salva vidas, mas incomoda consciências. E serão as consciências incomodadas que que salvarão as vidas futuras.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

ENTREVISTA AO DIRETOR DE COMUNICAÇÃO DA PORTO EDITORA


A Porto Editora é a empresa líder no mercado de livros escolares, cuja temática, todos os anos, ouvimos falar ora por causa do preço ora porque existe a perceção que os manuais estão sempre a mudar. Por isso nada melhor que ouvir o responsável pelo Departamento de Comunicação da Porto Editora, Paulo Gonçalves, que nos concedeu uma longa entrevista.
A trabalhar na Porto Editora desde 1996, o nosso entrevistado é um dos cerca de 1400 trabalhadores do Grupo que possui um portfólio de títulos bem recheado. Começou por aí a nossa entrevista.


Quais as empresas que pertence ao grupo Porto Editora?
 A Porto Editora, fundada a 2 de maio de 1944, é a casa-mãe de um grupo que é hoje constituído também pelas empresas Areal Editores, Bertrand Editora, Circulo de Leitores, Raiz Editora, Distribuidora de Livros Bertrand, Livrarias Bertrand, Plural Editores Angola, Plural Editores Moçambique, Plural Editores Timor-Leste e a unidade de produção Bloco Gráfico. Aquelas editoras integram um portfólio de chancelas que inclui Albatroz, ArtePlural, Assírio & Alvim, Contraponto, GestãoPlus, Ideias de Ler, Pergaminho, Quetzal Editores, Sextante Editora, Temas e Debates, 11x17 e, agora, a Livros do Brasil.

Os livros escolares são caros ou os pais valorizam pouco o investimento na educação dos filhos? 
Os pais e os educadores têm consciência da importância que os livros têm para os filhos. Os livros escolares são recursos indispensáveis para o percurso educativo dos alunos. São verdadeiras ferramentas de trabalho diário, quer na sala de aula quer em casa, e a sua utilização não se esgota num ano letivo, pois não raramente é necessário rever matérias nos anos letivos seguintes até para preparar exames de fim de ciclo. Mas há quem desvalorize os livros, quem os veja como descartáveis, e ao fazê-lo não entenda que está a transmitir uma mensagem errada desde logo para os mais novos.

O preço do livro escolar pode variar entre os nove euros no 1.º ciclo e os vinte euros no 3.º ciclo. Se formos a comparar, por exemplo, com os livros de ficção que ocupam os top de vendas, vemos que estes são, em regra, mais caros e, no entanto, são muito menos exigentes ao nível de desenvolvimento editorial. Sendo assim, será que um livro escolar pode ser considerado caro? Acontece é que não se compra um livro escolar, mas sim um conjunto de livros escolares considerando o ano de escolaridade, e essa compra acontece numa altura específica do ano, de mudança de estação, em que as famílias têm de comprar roupa e calçado, por exemplo. Daí ouvir-se falar dos preços dos livros - mas se o preço do cabaz de livros escolares for diluído por um ano letivo, verifica-se que, por dia, tem um custo inferior a um café.


Ciclicamente, em todos os inícios de ano letivo, jornais e associações de pais falam do elevado custo por aluno dos manuais escolares. Por que razão a PE editora não exerce o contraditório?
É verdade que os media, sobretudo os mais populares, fazem manchetes sobre os preços dos livros escolares. Fazem-no de forma superficial e, 99% das vezes, manipulando números para sustentar a “informação”. E com a emergência da crise económica dos últimos anos, essa tendência tornou-se mais evidente seguindo uma lógica de assegurar audiências.
A Porto Editora exerce o contraditório sempre que tem a oportunidade, mas a Porto Editora não pode falar pelo setor. Quem representa os editores escolares portugueses é a Comissão do Livro Escolar da APEL, que tem tentado esclarecer a sociedade e desmontar a desinformação e a manipulação que se tem verificado.

Os pais queixam-se muito da subida do preço dos livros escolares acima da inflação, mas o Ministério da Educação não. O Estado paga e não reclama ou o tem um desconto especialíssimo? É fácil negociar com o Ministério da educação?
Desde 2003 – e porque não tenho dados anteriores – apenas nos últimos dois a três é que os preços dos livros aumentaram acima da inflação. E isso aconteceu porque a Convenção de Preços de 2011 foi assinada sob a influência da intervenção externa e, por conseguinte, não podia ser alterada durante aquela intervenção. No entanto, quando a convenção foi assinada, a inflação estava em 3,1 % e a atualização definida pela convenção era de 2,6%, ou seja, não haveria um aumento efetivo dos preços, pois a atualização era 0,5% abaixo da inflação. Contudo, o cenário económico alterou-se e verificou-se uma descida sustentada da inflação e, a partir desse momento (2012/2013), os livros aumentaram de facto.
Neste momento, está a ser negociada uma nova convenção de preços com o Ministério da Economia, tendo o acompanhamento do Ministério da Educação. Importa dizer que somos dos únicos países europeus onde os preços dos livros escolares não são livres, mas sim regulados por convenção com o Estado. E esses preços aplicam-se em todas as situações, sem exceção.


A lei diz que os manuais escolares devem ter uma vigência de vários anos, mas na prática tal não acontece. Acontece sempre algo que obriga à impressão de novos livros escolares, antes do fim do prazo. O lobby das editoras é assim tão poderoso? De quem é a culpa destas sucessivas mudanças na edição de novos manuais escolares?
É mentira – os livros não estão sempre a mudar. Essa perceção é alimentada erradamente por vários setores, pese embora todo o esforço de informação e esclarecimento que é feito ano após ano. Mas bastava ter o cuidado de consultar a legislação para se perceber que a realidade é bem diferente.
Os livros têm uma vigência definida por Lei e os editores cumprem escrupulosamente a legislação. Para que se saiba: nos inícios da década de 90 do século passado, a vigência dos manuais escolares passou a ser de quatro anos. A partir de 2006, essa vigência foi alargada para seis anos. Ou seja: os livros duram por seis anos, período durante o qual não há qualquer alteração aos manuais.
Um exemplo concreto: em setembro de 2016, os únicos livros novos que vão chegar às livrarias são dos 1.º, 5.º e 11.º anos de escolaridade. Todos os outros permanecerão inalterados.
Este é um aspeto que está regulamentado pela Lei N.º 47/2006, de 28 de agosto, pelo que não há quaisquer dúvidas sobre esta matéria.
As eventuais mudanças que ocorrem dentro dos prazos de vigência são impostas pelo Ministério da Educação, entidade responsável pela formulação dos programas curriculares pelos quais as editoras e os autores têm de orientar a elaboração dos livros escolares. Se o Ministério da Educação decide alterar os programas, as editoras e os autores são obrigados por lei a alterar os livros para que possam ser utilizados por alunos e professores. O que aconteceu no passado recente com as Metas Curriculares é bem o exemplo disso. As editoras não têm, nem nunca tentaram ter, qualquer influência neste assunto. A responsabilidade das editoras está em fazer livros e recursos didático-pedagógicos, não programas curriculares.

Já pegou numa mochila de um aluno do 5.º ano? Pesam imenso! Eles andam com elas várias horas por dia, percorrendo centenas de metros diários. As editoras não deviam fazer manuais escolares mais leves?
A questão do peso dos livros é uma preocupação dos editores, tanto assim que, ao longo dos anos, há um permanente investimento em utilizar um papel com uma gramagem cada vez menor mas que não prejudique a leitura, o estudo e a saúde dos alunos, que é o que pode acontecer se o papel for translúcido, com impacto negativo na saúde ocular. Tenho a certeza que este cuidado dos editores, esta atenção ao pormenor – que, neste caso, é um “pormaior” – merece concordância de todos.
Acontece que, mais uma vez, atribui-se aos editores a responsabilidade de um problema partindo de uma análise superficial. É que, a montante, está quer o número de disciplinas quer a extensão dos programas curriculares, aspetos dominantes que determinam o trabalho dos editores, que têm de fazer livros para as disciplinas e refletir os respetivos conteúdos programáticos. Da parte dos editores, tudo tem sido feito para diminuir essa questão sem prejuízo da qualidade dos livros.


A PE domina o mercado dos livros escolares e te vindo a adquirir outras editoras de menor dimensão. Não temem ser acusados de abuso de posição dominante pela autoridade da concorrência?
A Porto Editora tem uma posição de destaque no setor do livro escolar, mas não o domina. Há várias outras editoras, portuguesas e estrangeiras – sim, há editoras escolares estrangeiras a atuar no nosso país – que fazem deste setor altamente competitivo, dinâmico e inovador. Na verdade, os professores e os alunos portugueses dispõem de livros escolares e outros recursos, nomeadamente tecnológicos, que são considerados do melhor que se faz internacionalmente, o que significa que a competitividade e o dinamismo do setor tem beneficiado também os públicos-alvo.
Quanto às editoras adquiridas, são chancelas que atuam na área da literatura, não no setor da edição escolar, pelo que não há qualquer risco de posição dominante.

 Recentemente, a PE adquiriu a Bertrand. Qual foi a estratégia do grupo com essa aquisição?
A aquisição dos ativos do Grupo Bertrand Círculo aconteceu em meados de 2010 e deveu-se, fundamentalmente, ao objetivo de fortalecermos a estratégia de alargamento da atividade editorial do Grupo Porto Editora, consolidando ao mesmo tempo o crescimento do grupo numa altura em que se assistia, em Portugal, a um processo de concentração no setor e havia a possibilidade de grupos estrangeiros entrarem no nosso país.

Como é que a PE se relaciona com a Escola portuguesa? Também ouve as associações de pais quando começa a desenhar o projeto de um novo manual escolar?
São mais de setenta anos de atividade editorial, de presença constante nas escolas, de apoio aos professores e educadores, bem como a gerações de alunos – haverá alguém que tenha estado na escola e não tenha estudado por um livro da Porto Editora, que não tenha consultado um dicionário nosso? Com este histórico, só pode existir um relacionamento aberto, próximo, de atenção e preocupação para com as necessidades e expetativas da comunidade e de procura constante das melhores soluções educativas.


Quanto custa produzir um manual escolar do 3.º ciclo? E do ensino secundário?
Fazer um livro escolar, independentemente do ciclo de ensino, exige o investimento de muitos milhares de euros. E é um investimento de risco pois, se não for do agrado das escolas e dos professores, o livro não será escolhido e, por conseguinte, não será comprado pelas famílias.

Para a produção de um manual escolar, a PE precisa de quanto tempo? Quantas são envolvidas no projeto de um manual escolar?
Para desenvolver um livro escolar é necessário entre um ano e um ano e meio de trabalho constante. São centenas de milhares de horas dedicadas por autores, editores, consultores científicos e pedagógicos, revisores, ilustradores, programadores, paginadores, enfim, uma vasta equipa constituída por profissionais altamente qualificados e especializados. É um trabalho tremendamente exigente, complexo, de enorme responsabilidade, que obriga a um investimento permanente nas áreas da investigação e desenvolvimento.

Que projetos tem a PE para os PALOP?
O Grupo Porto Editora tem neste momento editoras em três países de língua oficial portuguesa: a Plural Editores Moçambique, a Plural Editores Angola e a Plural Editores Timor-Leste. São editoras que atuam localmente, devidamente inseridas naquelas sociedades, que têm como objetivo contribuir para o desenvolvimento educacional e cultural das populações que servem. E, ao mesmo tempo, estão também a contribuir para o fortalecimento dos laços linguísticos e culturais que unem os nossos povos.

A Educação pode/deve ser encarada como um negócio, sem qualquer tipo de preconceitos?
Não misturemos conceitos nem sucumbamos a exercícios demagógicos. Uma coisa é a Educação enquanto direito fundamental numa sociedade democrática e evoluída; outra coisa são as atividades humanas que concorrem para que esse direito possa ser existir. Os investigadores, os autores, os especialistas, não merecem ser devidamente remunerados pelo trabalho que desenvolvem? As sociedades científicas, os institutos, as editoras que os acolhem e os apoiam, não merecem ter o retorno do investimento que fazem? De outra forma, como é que nós, a sociedade, podemos exigir um trabalho de qualidade, uma aposta constante na inovação e no desenvolvimento?

Acha que o projeto “Escola virtual” é democrático e de fácil acesso a toda a comunidade escolar dependente da PE? E quem não pode pagá-lo, não fica em desvantagem?
A “Escola Virtual” é um serviço de e-learning integralmente desenvolvido pela Porto Editora, suportado pelos seus próprios meios, dependente do investimento próprio quer ao nível dos recursos humanos, estruturais e financeiros. Não tem qualquer tipo de apoio ou participação estatal. É, por isso, um serviço de cariz comercial que depende da capacidade de atração de clientes. E é um serviço que apresenta preços particularmente acessíveis e baixos considerando as suas potencialidades e o investimento a que nos obriga. Mas devo sublinhar que, ainda assim, a Porto Editora tem bem presente a importância de contribuir para o combate às desigualdades no acesso às novas ferramentas de aprendizagem e, por isso, tem um protocolo com o Programa Escolhas através do qual disponibiliza o acesso gratuito à “Escola Virtual” aos milhares de jovens desfavorecidos que são apoiados por aquele programa.

Trabalhar na PE é economicamente compensador? Recebem muito pedidos de emprego?
A Porto Editora é uma referência, também, pelo cumprimento escrupuloso das suas responsabilidades para com os trabalhadores e pelo respeito dos seus direitos. Tem uma política de formação definida, tem atenção ao bem-estar e à saúde dos trabalhadores, proporciona excelentes condições de trabalho. E, também por isso, é procurada por muitas pessoas.

A crise económica que o país atravessa(ou) afetou os negócios da PE? Ou o negócio dos livros escolares para uma empresa líder, como é o caso da PE, é um porto seguro?
Naturalmente que afetou. Há desde 2009 uma descida constante na compra de livros e, no que concerne ao livro escolar, falar em “porto seguro” é errado: o enorme decréscimo de alunos nas escolas, reflexo da queda acentuadíssima dos índices de natalidade ao longo das últimas décadas, uma regulamentação de preços apertada e a reutilização dos livros são fatores que contrariam essa perceção.

O novo Ministro da Educação anunciou várias mexidas nos programas curriculares das várias disciplinas entre outras mexidas no setor. Como encaram isso?
Neste momento, é prematuro comentar seja o que for.

Há quem diga que as editoras de manuais escolares nem tempo para angústias quanto às vendas, porque o Ministério da Educação está-lhes sempre arranjar trabalho e clientes. Que comentário isto lhe merece?
Como as minhas respostas anteriores evidenciam, esse tipo de afirmações não têm qualquer tipo de fundamentação. A não ser que se tenha má-fé e, propositadamente, se queira distorcer a realidade por quaisquer razões inconfessáveis. A ignorância não é desculpa.

Qual é o grande desafio de um Responsável de Comunicação da Porto Editora?
Ser capaz de dar a conhecer a excelência do trabalho feito pela Porto Editora, contribuindo para o fortalecimento da perceção da marca e do seu posicionamento.

O que acham dos produtos apresentados pelas editoras concorrentes no mercado dos manuais escolares?
As editoras concorrentes fazem um excelente trabalho, o que só valoriza de sobremaneira o trabalho da Porto Editora.