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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

ENTREVISTA AO DIRETOR DE COMUNICAÇÃO DA PORTO EDITORA


A Porto Editora é a empresa líder no mercado de livros escolares, cuja temática, todos os anos, ouvimos falar ora por causa do preço ora porque existe a perceção que os manuais estão sempre a mudar. Por isso nada melhor que ouvir o responsável pelo Departamento de Comunicação da Porto Editora, Paulo Gonçalves, que nos concedeu uma longa entrevista.
A trabalhar na Porto Editora desde 1996, o nosso entrevistado é um dos cerca de 1400 trabalhadores do Grupo que possui um portfólio de títulos bem recheado. Começou por aí a nossa entrevista.


Quais as empresas que pertence ao grupo Porto Editora?
 A Porto Editora, fundada a 2 de maio de 1944, é a casa-mãe de um grupo que é hoje constituído também pelas empresas Areal Editores, Bertrand Editora, Circulo de Leitores, Raiz Editora, Distribuidora de Livros Bertrand, Livrarias Bertrand, Plural Editores Angola, Plural Editores Moçambique, Plural Editores Timor-Leste e a unidade de produção Bloco Gráfico. Aquelas editoras integram um portfólio de chancelas que inclui Albatroz, ArtePlural, Assírio & Alvim, Contraponto, GestãoPlus, Ideias de Ler, Pergaminho, Quetzal Editores, Sextante Editora, Temas e Debates, 11x17 e, agora, a Livros do Brasil.

Os livros escolares são caros ou os pais valorizam pouco o investimento na educação dos filhos? 
Os pais e os educadores têm consciência da importância que os livros têm para os filhos. Os livros escolares são recursos indispensáveis para o percurso educativo dos alunos. São verdadeiras ferramentas de trabalho diário, quer na sala de aula quer em casa, e a sua utilização não se esgota num ano letivo, pois não raramente é necessário rever matérias nos anos letivos seguintes até para preparar exames de fim de ciclo. Mas há quem desvalorize os livros, quem os veja como descartáveis, e ao fazê-lo não entenda que está a transmitir uma mensagem errada desde logo para os mais novos.

O preço do livro escolar pode variar entre os nove euros no 1.º ciclo e os vinte euros no 3.º ciclo. Se formos a comparar, por exemplo, com os livros de ficção que ocupam os top de vendas, vemos que estes são, em regra, mais caros e, no entanto, são muito menos exigentes ao nível de desenvolvimento editorial. Sendo assim, será que um livro escolar pode ser considerado caro? Acontece é que não se compra um livro escolar, mas sim um conjunto de livros escolares considerando o ano de escolaridade, e essa compra acontece numa altura específica do ano, de mudança de estação, em que as famílias têm de comprar roupa e calçado, por exemplo. Daí ouvir-se falar dos preços dos livros - mas se o preço do cabaz de livros escolares for diluído por um ano letivo, verifica-se que, por dia, tem um custo inferior a um café.


Ciclicamente, em todos os inícios de ano letivo, jornais e associações de pais falam do elevado custo por aluno dos manuais escolares. Por que razão a PE editora não exerce o contraditório?
É verdade que os media, sobretudo os mais populares, fazem manchetes sobre os preços dos livros escolares. Fazem-no de forma superficial e, 99% das vezes, manipulando números para sustentar a “informação”. E com a emergência da crise económica dos últimos anos, essa tendência tornou-se mais evidente seguindo uma lógica de assegurar audiências.
A Porto Editora exerce o contraditório sempre que tem a oportunidade, mas a Porto Editora não pode falar pelo setor. Quem representa os editores escolares portugueses é a Comissão do Livro Escolar da APEL, que tem tentado esclarecer a sociedade e desmontar a desinformação e a manipulação que se tem verificado.

Os pais queixam-se muito da subida do preço dos livros escolares acima da inflação, mas o Ministério da Educação não. O Estado paga e não reclama ou o tem um desconto especialíssimo? É fácil negociar com o Ministério da educação?
Desde 2003 – e porque não tenho dados anteriores – apenas nos últimos dois a três é que os preços dos livros aumentaram acima da inflação. E isso aconteceu porque a Convenção de Preços de 2011 foi assinada sob a influência da intervenção externa e, por conseguinte, não podia ser alterada durante aquela intervenção. No entanto, quando a convenção foi assinada, a inflação estava em 3,1 % e a atualização definida pela convenção era de 2,6%, ou seja, não haveria um aumento efetivo dos preços, pois a atualização era 0,5% abaixo da inflação. Contudo, o cenário económico alterou-se e verificou-se uma descida sustentada da inflação e, a partir desse momento (2012/2013), os livros aumentaram de facto.
Neste momento, está a ser negociada uma nova convenção de preços com o Ministério da Economia, tendo o acompanhamento do Ministério da Educação. Importa dizer que somos dos únicos países europeus onde os preços dos livros escolares não são livres, mas sim regulados por convenção com o Estado. E esses preços aplicam-se em todas as situações, sem exceção.


A lei diz que os manuais escolares devem ter uma vigência de vários anos, mas na prática tal não acontece. Acontece sempre algo que obriga à impressão de novos livros escolares, antes do fim do prazo. O lobby das editoras é assim tão poderoso? De quem é a culpa destas sucessivas mudanças na edição de novos manuais escolares?
É mentira – os livros não estão sempre a mudar. Essa perceção é alimentada erradamente por vários setores, pese embora todo o esforço de informação e esclarecimento que é feito ano após ano. Mas bastava ter o cuidado de consultar a legislação para se perceber que a realidade é bem diferente.
Os livros têm uma vigência definida por Lei e os editores cumprem escrupulosamente a legislação. Para que se saiba: nos inícios da década de 90 do século passado, a vigência dos manuais escolares passou a ser de quatro anos. A partir de 2006, essa vigência foi alargada para seis anos. Ou seja: os livros duram por seis anos, período durante o qual não há qualquer alteração aos manuais.
Um exemplo concreto: em setembro de 2016, os únicos livros novos que vão chegar às livrarias são dos 1.º, 5.º e 11.º anos de escolaridade. Todos os outros permanecerão inalterados.
Este é um aspeto que está regulamentado pela Lei N.º 47/2006, de 28 de agosto, pelo que não há quaisquer dúvidas sobre esta matéria.
As eventuais mudanças que ocorrem dentro dos prazos de vigência são impostas pelo Ministério da Educação, entidade responsável pela formulação dos programas curriculares pelos quais as editoras e os autores têm de orientar a elaboração dos livros escolares. Se o Ministério da Educação decide alterar os programas, as editoras e os autores são obrigados por lei a alterar os livros para que possam ser utilizados por alunos e professores. O que aconteceu no passado recente com as Metas Curriculares é bem o exemplo disso. As editoras não têm, nem nunca tentaram ter, qualquer influência neste assunto. A responsabilidade das editoras está em fazer livros e recursos didático-pedagógicos, não programas curriculares.

Já pegou numa mochila de um aluno do 5.º ano? Pesam imenso! Eles andam com elas várias horas por dia, percorrendo centenas de metros diários. As editoras não deviam fazer manuais escolares mais leves?
A questão do peso dos livros é uma preocupação dos editores, tanto assim que, ao longo dos anos, há um permanente investimento em utilizar um papel com uma gramagem cada vez menor mas que não prejudique a leitura, o estudo e a saúde dos alunos, que é o que pode acontecer se o papel for translúcido, com impacto negativo na saúde ocular. Tenho a certeza que este cuidado dos editores, esta atenção ao pormenor – que, neste caso, é um “pormaior” – merece concordância de todos.
Acontece que, mais uma vez, atribui-se aos editores a responsabilidade de um problema partindo de uma análise superficial. É que, a montante, está quer o número de disciplinas quer a extensão dos programas curriculares, aspetos dominantes que determinam o trabalho dos editores, que têm de fazer livros para as disciplinas e refletir os respetivos conteúdos programáticos. Da parte dos editores, tudo tem sido feito para diminuir essa questão sem prejuízo da qualidade dos livros.


A PE domina o mercado dos livros escolares e te vindo a adquirir outras editoras de menor dimensão. Não temem ser acusados de abuso de posição dominante pela autoridade da concorrência?
A Porto Editora tem uma posição de destaque no setor do livro escolar, mas não o domina. Há várias outras editoras, portuguesas e estrangeiras – sim, há editoras escolares estrangeiras a atuar no nosso país – que fazem deste setor altamente competitivo, dinâmico e inovador. Na verdade, os professores e os alunos portugueses dispõem de livros escolares e outros recursos, nomeadamente tecnológicos, que são considerados do melhor que se faz internacionalmente, o que significa que a competitividade e o dinamismo do setor tem beneficiado também os públicos-alvo.
Quanto às editoras adquiridas, são chancelas que atuam na área da literatura, não no setor da edição escolar, pelo que não há qualquer risco de posição dominante.

 Recentemente, a PE adquiriu a Bertrand. Qual foi a estratégia do grupo com essa aquisição?
A aquisição dos ativos do Grupo Bertrand Círculo aconteceu em meados de 2010 e deveu-se, fundamentalmente, ao objetivo de fortalecermos a estratégia de alargamento da atividade editorial do Grupo Porto Editora, consolidando ao mesmo tempo o crescimento do grupo numa altura em que se assistia, em Portugal, a um processo de concentração no setor e havia a possibilidade de grupos estrangeiros entrarem no nosso país.

Como é que a PE se relaciona com a Escola portuguesa? Também ouve as associações de pais quando começa a desenhar o projeto de um novo manual escolar?
São mais de setenta anos de atividade editorial, de presença constante nas escolas, de apoio aos professores e educadores, bem como a gerações de alunos – haverá alguém que tenha estado na escola e não tenha estudado por um livro da Porto Editora, que não tenha consultado um dicionário nosso? Com este histórico, só pode existir um relacionamento aberto, próximo, de atenção e preocupação para com as necessidades e expetativas da comunidade e de procura constante das melhores soluções educativas.


Quanto custa produzir um manual escolar do 3.º ciclo? E do ensino secundário?
Fazer um livro escolar, independentemente do ciclo de ensino, exige o investimento de muitos milhares de euros. E é um investimento de risco pois, se não for do agrado das escolas e dos professores, o livro não será escolhido e, por conseguinte, não será comprado pelas famílias.

Para a produção de um manual escolar, a PE precisa de quanto tempo? Quantas são envolvidas no projeto de um manual escolar?
Para desenvolver um livro escolar é necessário entre um ano e um ano e meio de trabalho constante. São centenas de milhares de horas dedicadas por autores, editores, consultores científicos e pedagógicos, revisores, ilustradores, programadores, paginadores, enfim, uma vasta equipa constituída por profissionais altamente qualificados e especializados. É um trabalho tremendamente exigente, complexo, de enorme responsabilidade, que obriga a um investimento permanente nas áreas da investigação e desenvolvimento.

Que projetos tem a PE para os PALOP?
O Grupo Porto Editora tem neste momento editoras em três países de língua oficial portuguesa: a Plural Editores Moçambique, a Plural Editores Angola e a Plural Editores Timor-Leste. São editoras que atuam localmente, devidamente inseridas naquelas sociedades, que têm como objetivo contribuir para o desenvolvimento educacional e cultural das populações que servem. E, ao mesmo tempo, estão também a contribuir para o fortalecimento dos laços linguísticos e culturais que unem os nossos povos.

A Educação pode/deve ser encarada como um negócio, sem qualquer tipo de preconceitos?
Não misturemos conceitos nem sucumbamos a exercícios demagógicos. Uma coisa é a Educação enquanto direito fundamental numa sociedade democrática e evoluída; outra coisa são as atividades humanas que concorrem para que esse direito possa ser existir. Os investigadores, os autores, os especialistas, não merecem ser devidamente remunerados pelo trabalho que desenvolvem? As sociedades científicas, os institutos, as editoras que os acolhem e os apoiam, não merecem ter o retorno do investimento que fazem? De outra forma, como é que nós, a sociedade, podemos exigir um trabalho de qualidade, uma aposta constante na inovação e no desenvolvimento?

Acha que o projeto “Escola virtual” é democrático e de fácil acesso a toda a comunidade escolar dependente da PE? E quem não pode pagá-lo, não fica em desvantagem?
A “Escola Virtual” é um serviço de e-learning integralmente desenvolvido pela Porto Editora, suportado pelos seus próprios meios, dependente do investimento próprio quer ao nível dos recursos humanos, estruturais e financeiros. Não tem qualquer tipo de apoio ou participação estatal. É, por isso, um serviço de cariz comercial que depende da capacidade de atração de clientes. E é um serviço que apresenta preços particularmente acessíveis e baixos considerando as suas potencialidades e o investimento a que nos obriga. Mas devo sublinhar que, ainda assim, a Porto Editora tem bem presente a importância de contribuir para o combate às desigualdades no acesso às novas ferramentas de aprendizagem e, por isso, tem um protocolo com o Programa Escolhas através do qual disponibiliza o acesso gratuito à “Escola Virtual” aos milhares de jovens desfavorecidos que são apoiados por aquele programa.

Trabalhar na PE é economicamente compensador? Recebem muito pedidos de emprego?
A Porto Editora é uma referência, também, pelo cumprimento escrupuloso das suas responsabilidades para com os trabalhadores e pelo respeito dos seus direitos. Tem uma política de formação definida, tem atenção ao bem-estar e à saúde dos trabalhadores, proporciona excelentes condições de trabalho. E, também por isso, é procurada por muitas pessoas.

A crise económica que o país atravessa(ou) afetou os negócios da PE? Ou o negócio dos livros escolares para uma empresa líder, como é o caso da PE, é um porto seguro?
Naturalmente que afetou. Há desde 2009 uma descida constante na compra de livros e, no que concerne ao livro escolar, falar em “porto seguro” é errado: o enorme decréscimo de alunos nas escolas, reflexo da queda acentuadíssima dos índices de natalidade ao longo das últimas décadas, uma regulamentação de preços apertada e a reutilização dos livros são fatores que contrariam essa perceção.

O novo Ministro da Educação anunciou várias mexidas nos programas curriculares das várias disciplinas entre outras mexidas no setor. Como encaram isso?
Neste momento, é prematuro comentar seja o que for.

Há quem diga que as editoras de manuais escolares nem tempo para angústias quanto às vendas, porque o Ministério da Educação está-lhes sempre arranjar trabalho e clientes. Que comentário isto lhe merece?
Como as minhas respostas anteriores evidenciam, esse tipo de afirmações não têm qualquer tipo de fundamentação. A não ser que se tenha má-fé e, propositadamente, se queira distorcer a realidade por quaisquer razões inconfessáveis. A ignorância não é desculpa.

Qual é o grande desafio de um Responsável de Comunicação da Porto Editora?
Ser capaz de dar a conhecer a excelência do trabalho feito pela Porto Editora, contribuindo para o fortalecimento da perceção da marca e do seu posicionamento.

O que acham dos produtos apresentados pelas editoras concorrentes no mercado dos manuais escolares?
As editoras concorrentes fazem um excelente trabalho, o que só valoriza de sobremaneira o trabalho da Porto Editora. 

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