- Não disseste nada sobre o bilhete que te
deixei em cima da mesa, de manhã… Pensei que fosses ficar chateado…
- Chateado, eu? E por que haveria de me
chatear com um bilhete teu?
- Aquilo não era propriamente uma
declaração de amor…
- Sim, eu sei! Era uma lista de recados para
eu fazer durante o dia, não fosse eu esquecer-me de alguma coisa.
- Não fiques ofendido. Não era minha
intenção humilhar-te.
- Não ofendes nada. Se não fosses tu, hoje
ainda não sabia que se usava óleo para estrelar um ovo.
- Vá lá, não fiques chateado. Eu sei que
tu confundes óleo com água, mas também os dois são líquidos…
- Não te armes em engraçadinha.
- Vá lá, não amues... O objetivo do papelinho
nem era que tu fizesses aquilo tudo, que eu não tenho ideias tolas.
- Então qual era o objetivo, minha
senhora?
- O objetivo era perceberes que eu faço
muito mais coisas cá em casa que tu!
- Ai fazes? O quê?
- Bem, não gosto de me repetir, mas tu
sabes que sou eu que preparo as refeições, que vou às compras, que estudo com as
miúdas…
-Ah sim? E quem prepara a roupa da Ana e da
Catarina, no dia anterior, para elas terem logo o que vestir mal acordem,
também és tu?
- Não, és tu. Mas sou eu que preparo as
mochilas.
- Sim! Um casaco faça sol ou faça chuva;
uma banana, uma garrafa de água… Isto é a mochila que tu preparas. O que lhes
vale é que no dia anterior eu ponho-lhes os livros e os cadernos que elas vão
precisar, senão era só faltas de material.
- A tua maneira de as educar é que está
errada. Tu fazes tudo, elas não fazem nada. Não ganham responsabilidade
nenhuma.
- Não tenho sentido de responsabilidade,
é? Então quem as leva à música, às segundas, quartas e sextas? E ao ballet às
terças e quintas? Também és tu?
- E que faço eu enquanto tu as vais
buscar?
- Sei lá! Deves estar a fazer coisas.
- Estou a fazer “coisas”??? Chamas “coisas”
ao jantar que comes todos os dias? Quando é que foi a última vez que fizeste o
jantar?
- Ontem!
- Não foi nada! Ontem trouxeste uma pizza
congelada do Continente e toda a gente ficou subitamente sem grande vontade de
comer.
- Que engraçadinho! Não falemos mais! Vejo
que não reconheces quanto me mato por esta família. Não reconheces nada!
- O que quere tu que eu reconheça?
- Que cá em casa quem trabalha
verdadeiramente sou eu! Tu só “ajudas” e de vez em quando, quando tens alguma
fisgada…
- Nada, nada… Olha deixa lá! Vai pôr a mesa.
A minha colega é que tinha razão!
-Em que é que a tua colega tinha razão?
- Que eu podia deixar os papéis que
quisesse que o resultado ia ser o mesmo!
-Ai tu conversas com elas sobre nós?
- Converso. Qual é o mal? Sempre dá para
nos rirmos um pouco!
- Tu divertiste-te a contar umas
mentirinhas a meu respeito às tuas amiguinhas? Folgo em saber!
- Não folgues, vai pôr a mesa! Faz alguma
coisa!
- Isso irrita-me, eu já faço muita coisa,
cá em casa!
- Tu não fazes muita coisa cá em casa! Tu quanto muito
ajudas aquela que faz muita coisa.
Vá lá, não amues. Chama a Ana que ela
ajuda-te a pôr a mesa!
Gabriel Vilas Boas
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário