Sucede na pintura o que muitas vezes
acontece na poesia: tanto os pintores como os poetas elegem como assunto a sua
própria criação – o poeta e a poesia, o pintor e a pintura. Seguindo esta ordem
de ideias, o quadro de Chagall intitulado O
Pintor: à Lua tem a vantagem de aproximar o pintor ao poeta.
A associação que este quadro sugere entre
o pintor e o poeta começa desde logo na coroa de louros, que, como se sabe, era
usada tradicionalmente pelo poeta tocado pelas asas da fama.
Ao primeiro olhar, o que ressalta no
quadro de Marc Chagall é a figura do pintor que flutua no espaço azul e que
contempla a lua. A mão esquerda segura a paleta e os pincéis, com o braço
estendido longitudinalmente. A mão direita, alçada, toca a parte inferior do
rosto e dos lábios configurando uma atitude de espanto, de admiração.
O pintor encara o céu, o alto. Em baixo,
repousa um aglomerado de casas. Olhando mais atentamente, discerne-se, no fundo
azul, duas formas esféricas. Na cultura grega o círculo era a forma da
perfeição. Parece, assim, que a arte casa com a perfeição e que o pintor se
encontra predestinado à harmonia das esferas, muito por cima e muito para além
do mundo doméstico e chão do homem comum.
Note-se também na extremidade do lado
direito do quadro, o que parece ser uma cortina ou um reposteiro com motivos florais,
o que indica uma janela ou um balcão. A dedução impõe-se: o pintor saiu da
habitação terrestre, catapultado pelo sonho, seduzido pelo sortilégio da lua… O
tema do quadro é, portanto, a inspiração artística.
Ora, segundo muitas correntes de
pensamento, o poeta é um privilegiado, um ser excecional, nascido para um
destino superior: o de dizer ou mostrar ao homem comum o que está oculto.
Assim, não é despropositado ligar esta ideia com o espírito do quadro e com a
figura do pintor, levitado, atraído pela lua, muito acima do mundo.
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