Querido Pai Natal
Escrevo-te não para te
pedir algo, mas para te agradecer. Agradecer o extraordinário dom de estar vivo
e ter junto de mim a minha família.
Há meses, eu e a minha
mulher tivemos de tomar a decisão mais difícil das nossas vidas: reunir a
totalidade das nossas economias e pagar a um traficante do medo humano uma
viagem de barco, para atravessar o mar mediterrâneo, de maneira que pudéssemos
ficar a salvo autoproclamado Estado Islâmico. Foi uma decisão difícil e arriscada,
pois não tínhamos muito dinheiro e sabíamos que viajaríamos em condições muito
inseguras. Nunca senti tanta angústia como naquelas longas horas em que
baloiçámos ao sabor das ondas do destino, num bote a abarrotar de gente perdida
e desesperada. Famílias inteiras, como nós, que arriscavam a sua vida e dos
seus filhos, numa desesperante tentativa de fugir da morte que todos os dias os
senhores da guerra nos prometiam certa.
Miraculosamente
chegámos à europa do sul, onde fomos acolhidos com algum afeto, mas logo nos
disseram que não podíamos ficar. Não tinham lugar para nós. Por isso, tive de
explicar às minhas filhas que teríamos de caminhar por estradas desconhecidas,
subir montanhas, comendo apenas uma vez por dia.
Passámos por diversas
cidades e alguns países. A minha filha mais velha (tem nove anos) não
compreendia o ódio, o desprezo, a raiva, com que nos trataram na Hungria. Não
nos queriam e fizeram questão de no-lo demonstrar, tratando-nos como animais
perigosos. Na Eslovénia também já nos tinham dito que não tinham nada para nos
oferecer e trataram de nos apressar o passo.
Eu que andei anos a
contar às minhas filhas que aqui, na tua terra, tudo era diferente: não havia
pessoas más; não havia fome, nem desprezo nem ódio. Todavia, só quando chegámos
a Viena de Áustria é que podemos sentir alguma fraternidade no olhar das
pessoas.
A cidade era linda, com
os seus monumentos, as suas igrejas, os seus teatros. Parecia um paraíso, onde
tudo funcionava perfeitamente. Nós éramos a novidade!
Em cada dia que
passava, chegavam mais imigrantes sírios. Famílias inteiras como nós! Apesar de
toda a boa vontade austríaca, percebi imediatamente que apenas nos poderiam
oferecer auxílio de emergência. Não seria fácil sair do nosso acampamento de
refugiados e encontrar emprego e normalizar a nossa vida. A língua também era
um problema e as nossas filhas estavam cada vez mais silenciosas, tristes, sem
esperança.
Até que nos primeiros dias
do outono, uma caravana de anjos, certamente requisitados por ti, surgiu com os
seus trenós modernos multicolores e puxados a potentes renas. Abeiraram-se de
nós e, pela primeira vez, em muitas semanas, as minhas filhas voltaram a
sorrir. Falavam delicadamente, sorriam com doçura e propuseram-nos um pequeno
paraíso: viajar para Portugal, onde nos esperava uma casa, comida, roupa, um
emprego para mim, e escola para as nossas filhas mais velhas.
Nem sabia onde ficava
Portugal, mas aquela generosidade, deixou-me de lágrimas nos olhos e só podia
aceitar. Disse-lhes que sim várias vezes, e de todas as maneiras que o meu
corpo conseguia expressar o nosso agradecimento.
Quando chegámos a
Lisboa e depois à pequena cidade nos seus arredores onde vive a família que nos
acolheu, percebi que se tratava de um país com dificuldades económicas. No
entanto, eles fizeram questão de nos integrar rapidamente e providenciar para
que nada nos faltasse.
Entretanto passaram
dois meses e ontem chegaram os primeiros refugiados oficiais a esta terra que
passei a amar como minha. Estou certo que ouvirei novamente a nossa querida
língua, embora o português me soe maravilhosamente.
Ao contrário do que
cheguei a temer, este ano passaremos um Natal feliz, em paz e em família.
Ganhámos novos amigos e revimos outros que julgávamos perdidos. Daqui a uma
semana é o Natal. Não te peço nada! Agradeço-te os anjos que me enviaste a
Viena, onde agora a neve cai e as igrejas se enchem de belas canções de Natal.
Em Viena, Budapeste ou Berlim, não te canses
de enviar os teus presentes em forma de humanidade e generosidade, aos meus
conterrâneos.
Ali,
um sírio abençoado
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